Acusação oblíqua

Ação contra presidente do Bradesco foi "coação ilegal", diz TRF-1; leia decisão

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16 de junho de 2017, 21h31

A acusação do Ministério Público Federal contra o presidente do banco Bradesco, Luiz Carlos Trabuco Cappi, foi classificada como “coação ilegal” pela 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que trancou a ação por falta de justa causa. Segundo a decisão, a denúncia traz apenas “imputações indeterminadas, oblíquas, obscuras e imprecisas”, sem nada concreto.

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Denúncia não trouxe sequer indícios da participação de Trabuco no caso, diz TRF-1.
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Ao analisar Habeas Corpus impetrado por Trabuco, os desembargadores acompanharam por unanimidade o relator o desembargador Néviton Guedes, segundo quem a acusação faz apenas referências ao executivo em conversas de outros investigados grampeados, supondo que ele teria autorizado um ato de corrupção. “A denúncia não ofereceu suporte probatório mínimo que pudesse subsidiar, sequer indiciariamente, a convicção de sua autoria quanto aos fatos ilícitos narrados”, relata o desembargador.

O MPF usa uma espécie de “teoria do domínio do fato”, já rechaçada pelo próprio Supremo Tribunal Federal: considera que como Trabuco é presidente do banco, saberia e concordaria com tudo o que os diretores da empresa fazem, além disso, como as negociações citadas envolviam “altíssimos valores”, Trabuco teria conhecimento e domínio sobre elas. No entanto, a jurisprudência do STF, apontada por Guedes, deixa claro que a mera condição de diretor ou de administrador de instituição financeira acusada de crime não basta para acusar ou condenar alguém.

Para chegar até o presidente do Bradesco na chamada operação zelotes, a acusação percorre um caminho longo: acusa o auditor fiscal Eduardo Cerqueira Leite de ter como principal atividade acompanhar o andamento de processos importantes no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda (Carf). Quando ele encontrava processos em que poderia ganhar dinheiro, avisava seu ex-colega Jorge Victor Rodrigues, ex-auditor fiscal, para que procurasse seus contatos no mercado. E era ele a ponte entre Eduardo Cerqueira e o empresário e consultor Mário Pagnozzi, o responsável por entrar em contato com as empresas, junto com o contador José Teruji Tamazato. E estes, diz o Ministério Público, teriam sido contratados pelo Bradesco para corromper conselheiros do Carf.

No entanto, a denúncia jamais demonstrou – muito menos de forma clara e precisa, destaca a decisão – que os executivos do Bradesco aceitaram a proposta ou os serviços oferecidos por Mário Pagnozzi e Eduardo Cerqueira. As próprias interceptações telefônicas usadas mostram que o grupo ainda procurava a aceitação dos executivos do banco.

Outra questão, além dos grampos, são os próprios e-mails apontados como prova: o grupo continuou encaminhando propostas de contrato para o Bradesco, mesmo depois da data em que o MPF diz que eles teriam sido contratados. Ou seja, não fica comprovado que eles foram realmente contratados.

A acusação diz ainda que o Bradesco e seu presidente precisam ser condenados como corruptores, uma vez que há fortes indícios de que houve corrupção no Carf. No entanto, a decisão do TRF-1 deixa claro que é possível a existência de corrupção passiva sem corrupção ativa. “Para tanto, basta que o servidor público insinue ou faça a solicitação criminosa sem que o particular consinta ou aceite os seus termos”, explica o voto de Guedes.

Trabuco foi indiciado pela PF no fim de maio de 2016 e a denúncia foi aceita pela Justiça Federal no fim de julho daquele ano. Na decisão, proferida pelo juiz federal Vallisney de Souza Oliveira, foi citado que os acusados não demonstraram “qualquer elemento probatório cabal capaz de infirmar a acusação”.

À época, o advogado Sérgio Rosenthal — que defende o vice-presidente do Bradesco, Domingos Figueiredo Abreu, e o diretor-executivo Luiz Carlos Angelotti na ação — afirmou que os seus clientes foram indiciados apenas com base em grampos envolvendo outros investigados, sem qualquer indício de que tenham integrado esquema de venda de decisões no Carf.

Nenhum executivo do Bradesco foi grampeado nas investigações e a Polícia Federal não citou no inquérito qualquer repasse financeiro do banco a integrantes do Carf, servidores da Receita Federal ou escritórios de advocacia investigados.

Clique aqui para ler a decisão.

Habeas Corpus 0017382-45.2017.4.01.0000/DF

*Título corrigido às 22h26 do dia 16/6/2016.

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