Relação de confiança

Contratar advogado sem licitação nem sempre é improbidade, diz Toffoli

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14 de junho de 2017, 21h41

A administração pública pode contratar advogados sem licitação, quando houver real necessidade e nenhum impedimento legal, mesmo se tiver procuradores concursados. A escolha, por sua vez, pode ser baseada na confiança, já que a competição entre escritórios envolve elementos subjetivos. Assim entendeu o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, ao rejeitar ato de improbidade administrativa envolvendo a contratação de uma banca no interior de São Paulo.

O relator leu o voto nesta quarta-feira (14/6), mas o Plenário encerrou a sessão sem manifestação de outros ministros. Ainda não há data para o julgamento — o recurso, que já entrou na pauta pelo menos outras três vezes, deve ser analisado em conjunto com uma ação declaratória de constitucionalidade sobre tema semelhante (ADC 45), relatada pelo ministro Luís Roberto Barroso.

Como o caso tem repercussão geral, a análise deve liberar mais de cem processos sobrestados no Judiciário de todo o país. O processo envolve a contratação do Antônio Sérgio Baptista Advogados Associados, em 1997, para patrocinar alguns processos da Prefeitura de Itatiba. O contrato, firmado sem licitação, estipulou honorários de R$ 64,8 mil em 12 parcelas.

Nelson Jr./SCO/STF
Dias Toffoli reconhece a “competência discricionária” de prefeitos e afirma que Lei de Improbidade exige cautela.
Nelson Jr./SCO/STF

Para o Ministério Público estadual, o acordo foi feito sem critérios que liberariam a licitação — como a singularidade do serviço e a notória especialização do contratado. O juízo de primeiro e segundo grau discordaram, mas o Superior Tribunal de Justiça considerou a prática irregular e declarou nulo o negócio.

O escritório levou o caso ao STF, alegando que o acórdão ignorou exceção prevista pela Lei de Licitações (Lei 8.666/93) e cerceou a profissão dos advogados ao tentar coibi-los de contratar com pessoas jurídicas de Direito Público.

Toque de especialista
Toffoli afirmou que, apesar da regra geral determinando a competição pública, há serviços que exigem “primor técnico diferenciado”, ou o denominado “toque do especialista”, mesmo que não exista apenas um fornecedor exclusivo.

O ministro entende que a advocacia é um dos casos peculiares, pela falta de critérios objetivos — a disputa por preço não se aplica, e o estatuto da classe proíbe que os profissionais tentem captar causas. E a inexigibilidade de licitação pode existir, diz ele, ainda que existam vários especialistas aptos a prestar o mesmo serviço.

“Aí vige a competência discricionária atribuída ao agente administrativo, que avalia a experiência dos profissionais com margem de liberdade, pelo que é essencial a confiança depositada no contratado”, escreveu Toffoli. Ele entende, porém, que essa liberdade tem limites, dependendo de certos requisitos objetivos: a experiência do especialista, sua boa reputação e o grau de satisfação obtido em outros contratos, por exemplo.

O relator disse ainda que a simples existência de procuradores municipais não impede a contratação de advogados qualificados. Embora a Associação Nacional dos Procuradores Municipais (ANPM) considere “absurda” essa prática quando há profissionais da área no próprio quadro administrativo, Toffoli diz que isso é possível em serviços singulares ou complexos por um certo período.

Apesar disso, ele não vê impedimento para que municípios, individualmente, editem leis que proíbam a atuação da advocacia privada quando existirem procuradores municipais aptos a resolver quaisquer situações.

Cautela
O voto diz ainda que não pode ser encarada como improbidade administrativa a mera prática ilegal ou a simples violação de qualquer um dos princípios da Administração Pública. Só pode ser responsabilizado quem pratica atos com dolo ou culpa.

Toffoli sugere “cautela” na aplicação da Lei de Improbidade (Lei 8.429/92), “na medida em que as sanções aplicadas (…) são gravíssimas, pois importam a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, observadas a necessidade e a proporção, o que exige do hermeneuta a aplicação de técnica de interpretação restritiva, jamais ampliativa”.

O ministro diz que a norma representa “ grande conquista social na luta em prol da moralidade na Administração Pública”, mas não pode ser usada para punir “além do que permite o bom direito”.

Para fixação de tese de repercussão geral, ele propôs o seguinte enunciado:

a) É constitucional a regra inserta no inciso II do artigo 25 da Lei 8.666/93, que estabelece ser inexigível a licitação para a contratação dos serviços técnicos enumerados no artigo 13 dessa lei, desde que i) preenchidos os requisitos nela estabelecidos, ii) não haja norma impeditiva à contratação nesses termos e iii) eles tenham natureza singular e sejam prestados por profissionais ou empresas de notória especialização, inclusive no que tange à execução de serviços de consultoria, patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas.

b) Para a configuração da improbidade administrativa, prevista no artigo 37, parágrafo 4º, da Constituição Federal, faz-se necessária a presença de dolo ou culpa, caracterizados por ação ou omissão do agente, razão pela qual, não havendo prova do elemento subjetivo, não se configura o ato de improbidade administrativa, em qualquer uma das modalidades previstas na Lei 8.429/1992 – Lei de Improbidade Administrativa.

Clique aqui para ler o voto do relator.
RE 656.558

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