Estado de Exceção

O que menos temos hoje é segurança jurídica, diz criminalista Alberto Toron

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11 de junho de 2017, 12h12

"Estamos próximos de um Estado de Exceção. O que menos nós temos hoje é segurança jurídica." Essa é a visão do criminalista Alberto Zacharias Toron, conhecido por sua atuação em casos com grande repercussão nacional, como a Ação Penal 470, o processo do mensalão, a operação satiagraha e a operação “lava jato”.

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"Quanto mais a pessoa parece culpada, mais importante que ela tenha o direito de ser defendida", afirma Toron.

Acostumado a defender clientes que muitas vezes são condenados pela opinião pública antes mesmo de serem julgados, Toron ressalta a importância do respeito ao direito de defesa, independentemente de quem seja o acusado.

"Todos têm direito de defesa, e quero dizer o seguinte: quanto mais a pessoa parece culpada, mais importante que ela tenha o direito de ser defendida", afirmou Toron, em entrevista ao jornalista Morris Kachani, do jornal O Estado de S. Paulo.

Como já havia feito em entrevista à ConJur, Toron não poupou críticas à "lava jato", que vão desde o uso exagerado das prisões preventivas para obter delações até o modo como a operação é conduzida.

"A investigação numa sociedade democrática tem limites. Eu não posso torturar alguém para saber a verdade. Não posso esconder as provas para encalacrar as pessoas. Então ou se respeita as regras do Estado Democrático para investigar ou teremos a barbárie. A 'lava jato', neste sentido, se aproximou muito do Estado policial, de um Estado que quer, a ferro e fogo, obter as verdades que almeja", afirmou.

Toron destaca, no entanto, que a operação também tem coisas boas. Entre elas aponta o fato de mostrar que não há pessoas inatingíveis, inalcançáveis, insuscetíveis de serem punidas.

"E eu acho que esse padrão da 'lava jato' é um padrão que veio pra ficar, ou seja, acho que o padrão da Justiça daqui pra frente é no sentido de que não há uma Justiça para pobres e outra para ricos, ela é rigorosa igualmente com uns e outros."

O criminalista também aponta como ponto positivo o fato de a operação ter exposto "as vísceras de uma estrutura promíscua que se estabeleceu entre o público e o privado".

Delações premiadas
Apesar de criticar à profusão de delações e o modo como elas se deram na "lava jato", Toron diz não ser contra a colaboração premiada. Para ele, esse instrumento serve tanto na investigação quanto na defesa. "Questionável do ponto de vista moral, mas de um ponto de vista jurídico ela é absolutamente legítima", explica.

A legitimidade jurídica, porém, não impede que algumas delações sejam questionadas, como a firmada entre o Ministério Público Federal e os irmãos Joesley e Wesley Batista, controladores da JBS. Toron se disse preocupado com esse acordo, que tem sido questionado, pois torna válida a máxima de que o crime compensa.

"A impressão que eu tenho é que os irmãos Batista receberam uma espécie de troféu por ter conseguido enlaçar o presidente da República e talvez também o senador Aécio Neves. Deram um presente pra eles, um troféu que é esse acordo magnífico, eu vejo assim", conta.

Na prática, o advogado enxerga que há dois pesos e duas medidas nos acordos firmados. "Por mais que se diga que cada caso é um caso, custa a entender porque os irmãos Batista conseguiram rapidamente se evadir dos gravames penais, dos gravames punitivos, e o Marcelo Odebrecht ainda os sofre."

Juiz inquisidor
Toron também avaliou as atuações do juiz Sergio Moro, responsável pela condução da "lava jato" em Curitiba, e do ministro do Supremo Edson Fachin, responsável pela operação no Supremo Tribunal Federal.

Para Toron, Moro é um juiz muito competente, focado, mas ao mesmo tempo um sujeito autoritário, prepotente. Para justificar, ele cita alguns episódios como quando conduziu coercitivamente o blogueiro Eduardo Guimarães para descobrir quem passa informações ao seu blog.

O recente depoimento de Lula também mostrou, para Toron, que o juiz Sergio Moro faz as vezes de juiz inquisidor, fazendo o papel de juiz e de órgão da acusação. "Com o juiz Sergio Moro, acho que não precisa de Ministério Público, porque ele faz as vezes de acusador e de juiz", disse.

Quanto ao ministro Edson Fachin, Toron avalia que ele tem se revelado muito restritivo em relação aos Habeas Corpus e também muito punitivo. O criminalista afirma que ficou assustado que o ministro tenha liberado suas conversas com o senador afastado Aécio Neves (PSDB-MG), que é seu cliente.

Toron também é advogado da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e diz que, apesar de terem posições políticas antagônicas, tanto o tucano quanto a petista compartilham da mesma dor.

"Os dois sofrem a mesma dor de se sentir, cada um a seu modo, atingido por mentiras, e não poucas vezes por vazamentos criminosos de conversas que deveriam permanecer sob sigilo e foram vazados. Nos dois casos há esse tipo de coisa. Além do sentimento de quebra do devido processo legal", conta.

Instigado a comparar a operação "lava jato" com a operação mãos limpas, na Itália, Toron diz que é preciso repensar o papel do sistema punitivo no Brasil. "O resultado da mãos limpas na Itália foi Berlusconi no poder. Eu não quero ter aqui o Bolsonaro no poder. Eu não quero uma política de terra arrasada depois da 'lava jato'."

Ele diz que é preciso refletir se o que queremos é seguir a linha do "fez tem que pagar", ainda que seja prejudicial ao país, ou se é preciso ter uma amplo entendimento, com reformas e novas exigências de governança. Para Toron, essa segunda linha é que deve ser seguida. "Ir pra frente e parar com as punições. Claramente digo isso."

O criminalista diz que o problema da corrupção no país não é algo cultural, mas um reflexo da forma como o país está estruturado. "A base material que propicia a corrupção é que tem que ser mexida, ser modificada. Punir pura e simplesmente não resolve o assunto."

Advocacia criminal
Com 36 anos de carreira e a experiência de defender clientes com grande exposição na mídia, Toron reúne ensinamentos sobre a advocacia criminal. Um deles é o conflito entre a defesa do político acusado nos meios de comunicação e seus advogados no Judiciário.

"Do ponto de vista midiático, convém que você fale, o quanto antes, e o mais que for possível. Do ponto de vista de uma defesa judicial, o sentido da coisa é inverso. E isso cria um conflito muito grande. Porque o político quer salvar a vida política dele, e o advogado está preocupado em evitar um processo, evitar uma condenação", ensina

Quanto à origem do dinheiro que paga seus honorários, Toron é direto: "Eu recebo dinheiro oficial, passo recibo". No caso específico de Aécio Neves, que foi gravado pelo empresário Joesley Batista pedindo R$ 2 milhões que seriam para pagar seus advogados na "lava jato", o criminalista disse ter sido surpreendido com essa afirmação, sem revelar o valor cobrado.

Toron explicou ainda que é mais fácil defender uma pessoa que você acha escrota do que defender uma pessoa que você passa a estabelecer relações afetivas.

"Quanto mais distante você é da pessoa, mais você passa a ter uma visão em perspectiva e passa a poder fazer uma incisão analítica do caso, muito mais bem-feita e apurada. Quando você, ao contrário, tem relações, quanto maiores são seus vínculos afetivos, mais fica difícil você separar as coisas com clareza, analiticamente falando, e fazer suas opções."

Ao analisar o mercado da advocacia criminal, o advogado conta que é o único setor que cresce no país. Mas isso não necessariamente significa uma coisa tão animadora quanto se imagina. Isso porque, explica, muitos clientes estão com a vida difícil e bens bloqueados, o que muitas vezes atrapalha o recebimento de honorários.

Ativismo judicial
Toron afirmou também que o Supremo Tribunal Federal vive uma crise de identidade, se arvorando na condição de legislador. Em sua opinião, se o Supremo continuar a tomar o lugar de outros agentes públicos, acabará virando uma ditadura do Judiciário.

Segundo o criminalista, esse ativismo judicial tem se dado não somente nas vezes que o Supremo preenche as lacunas da lei, como fez no caso do aborto. Para o advogado, isso também tem acontecido no campo da política, especialmente nessa discussão do foro por prerrogativa de função.

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