Opinião

O direito à manutenção de plano de saúde por ex-empregados e aposentados

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11 de junho de 2017, 7h49

Recentemente o Superior Tribunal de Justiça logrou pacificar matéria que, até bem pouco tempo, dava ensejo a amplas discussões, e a interpretações altamente divergentes no âmbito dos Regionais, especialmente o Paulista.

Tudo em razão dos requisitos exigíveis para que, tanto o empregado demitido sem justa causa, como os aposentados, pudessem fazer jus à continuidade do plano de saúde empresarial, vantagem esta que, nos dias de hoje, constitui verdadeiro bem de primeira necessidade, ante a notória deficiência do serviço médico oferecido pela rede pública.

A legislação assegura o benefício, tanto ao empregado demitido sem justa causa (com direito de manter-se como usuário do plano de saúde pelo prazo correspondente a um terço do tempo em que permaneceu como beneficiário, computando-se o mínimo de seis meses e máximo de vinte e quatro meses), como ao aposentado (beneficiário até o fim da vida, desde que tenha contribuído por prazo superior a dez anos ou, se por menos de dez anos, pelo período correspondente ao tempo de contribuição).

Importante consignar que é condição nitidamente imposta pela lei para usufruir deste benefício a de que esse ex-empregado tenha realmente contribuído no pagamento departe do preço do plano, ainda que mediante desconto em folha de pagamento.

Assim, está expresso na lei 9.656/98, que dispõe sobre os seguros privados de assistência à saúde, popularmente conhecidos por planos de saúde, que fará jus a tal vantagem o ex-funcionário que (i) tenha contribuído com qualquer valor, inclusive por intermédio de desconto em folha de pagamento, para custear parte ou a integralidade da mensalidade de seu plano de saúde, (ii) tenha usufruído do benefício porque oferecido pelo ex-empregadorem decorrência de vínculo empregatício, (iii) tenha tido seu contrato de trabalho rescindido imotivadamente, ou em razão de aposentadoria.

No entanto, até que o STJ tivesse, como parece ter finalmente ocorrido, buscado promover uma tentativa de unificação de critérios, questão de grande relevância vinha cindindo opiniões no que diz respeito à noção do que se considera essa "contribuição" para efeito de garantia do direito previsto em lei.

Isto porque havia uma palpável dificuldade da Justiça Estadual em simplesmente rejeitar os ex-empregados (demitidos ou aposentados) que, no curso do pacto laboral, estiveram incluídos em planos de saúde custeados integralmente pelo empregador, sem que houvesse um desconto fixo em sua folha de pagamento ou que, no máximo, arcavam com a chamadacoparticipação, que é o desembolso ocasional, que se dá apenas quando da efetiva realização de exames, consultas e procedimentos.

Mesmo sendo evidente que existe uma clara limitação na disposição do § 6º, do artigo 30, da Lei 9.656/98, segundo a qual: “(…) nos planos coletivos custeados integralmente pela empresa, não é considerada contribuição a coparticipação do consumidor, única e exclusivamente, em procedimentos, como fator de moderação, na utilização dos serviços de assistência médica ou hospitalar.

Ou seja, a coparticipação está expressamente alijada do conceito de contribuição.

Contudo, surpreendentemente, esta linha de raciocínio não vinha prevalecendo no Judiciário Comum Estadual, que dedicava, à matéria em foco, tratamento até mais benevolente que a própria Justiça do Trabalho, conhecida (e com razão), como altamente paternalista!

Para exemplificar, o E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo vinha, reiteradamente, decidindo que até mesmo nas hipóteses de custeio integral do serviço de saúde pelo empregador, sem qualquer ônus para o empregado, deveria se inferir que o empregado também teria “contribuído” com sua parcela, ainda que indiretamente, por se tratar, no caso, de prestação in natura, vez que tal vantagem estaria integrando a remuneração do empregado.

Interpretação esta, aliás, altamente extensiva, eis que refutada pela própria Justiça Obreira, em consonância com o estatuído expressamente no artigo 258 § 2º da CLT (que determinou que não serão consideradas como salário as seguintes utilidades concedidas pelo empregador:

V – assistência médica, hospitalar e odontológica, prestada diretamente ou mediante seguro-saúde; (incluído pela Lei nº 10.243, de 19.6.2001), como se vê no v. acórdão do Tribunal Superior do Trabalho:

“NATUREZA JURÍDICA. PLANO DE SAÚDE. 2.1 – Controvérsia em torno da natureza jurídica da assistência médica concedida pelo empregador por meio de plano de saúde em período anterior à edição da Lei 10.243/2001. 2.2 – Entendimento pacífico desta Seção Especializadade que a parcela ostenta natureza assistencial e por esse motivo não se incorpora ao salário, mesmo em período anterior à alteração efetuada no art. 458 da CLT pela Lei10.243/2001. Precedente. Recurso de embargos conhecido e provido."(E-RR – 1245346-71.2004.5.02.0900, Relatora Ministra Delaíde Miranda Arantes, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, DEJT 27/04/2012);"

No âmbito dos Tribunais de Justiça, especialmente em São Paulo, no entanto, era bem maior a abrangência de tal interpretação, denotando uma extrema flexibilidade no conceito de “contribuição”, açambarcando como tal tanto o pagamento direto (desembolso), com desconto da parcela/coparticipação em folha de pagamento, quanto a contribuição indireta, modalidade na qual o empregador arca integralmente com o pagamento do plano de saúde, hipótese em que este era tido como uma forma de remuneração para o empregado (o que configuraria o salário indireto).

Sob um tal enfoque, o simples fato de o empregador oferecer a seu funcionário Plano de Saúde seria, por caracterizar este salário in natura, o suficiente para configurar a contribuição prevista na lei 9.656/98, e deste modo ensejar ao funcionário que tivesse automaticamente direito a permanecer como beneficiário do plano, se dispensado ou aposentado.

Assim foi por ocasião do julgamento da Apelação 0025375-44.2010.8.26.0554, em que tal raciocínio restara assente:

“(…) o sistema de coparticipação não deixa de configurar a contraprestação, logo não desnaturando as exigências do artigo 31 da Lei 9.656/98, isso porque houve o efetivo pagamento pelo apelante por mais de dez anos, para que posteriormente tivesse direito à manutenção do seu plano de saúde. Ademais, ainda que assim não fosse, a contribuição existe, na medida em que o segurado recebia o benefício como forma de salário indireto”.

Também quando do julgamento da Apelação Cível 301.610-4/3-00, decidiu a Corte Paulista que:

“A exceção excludente, na interpretação dada pela apelante ao § 6º do art. 30, aplicável ao artigo 31, todos da Lei 9.656/98. A falta de clareza na redação do parágrafo invocado, por si,já beneficia o consumidor, que, por força da norma protetiva do Código de Defesa do Consumidor, não pode ter contra si a interpretação de textos legais. Se se aceitar a argumentação do apelante, ter-se-á que aceitar a inutilidade quase total do ‘caput’, já que nenhum aposentado poderia gozar da continuação se não houvesse pago a prestação juntamente com o empregador. E como a grande maioria é subsidiada exclusivamente pela empresa o aposentado ficaria à míngua de qualquer assistência médica na velhice e depois de ter contribuído, direta ou indiretamente, ao longo da vida toda. Afirma-se que direta ou indiretamente o aposentado contribuiu enquanto empregado porque já se decidiu que o plano de saúde oferecido pela empregadora nada mais é do que o pagamento salarial indireto, a justificar a conclusão de que o empregado não contribuiu diretamente, mas o fez indiretamente porque a contribuição integrava o seu salário”(destacamos).

Nessa mesma linha de raciocínio, concluía-se ainda: “(….) ser irrelevante o fato de a ex empregadora arcar com a totalidade do valor do plano de seus empregados, os quais, quando muito, apenas suportariam com parcela simbólica do prêmio, já que tal subsídio assume o caráter de salário indireto” (Apelação 0024447-39.2011.8.26.0011).

E assim, no afã de dar uma conotação elastecida, bem como social/ politicamente correta às regras impostas para a concessão do benefício (que, até por princípio de direito, deveriam ser sempre interpretadas estritamente), os E. Tribunais frequentemente esqueciam que coparticipações pontuais por exames e consultas não estariam aptas a viabilizar a manutenção do plano de saúde.

A lei 9.656/98, assim como a ANS (Agência Nacional de Saúde) são expressas ao exigir que o ex-funcionário tenha contribuído regularmente com a mensalidade do plano de saúde.

Diante da relatada divergência quanto à indispensável conceituação e diferenciação entre contribuição e coparticipação, bem como na iminência de vir a ser o Plano de Saúde indelevelmente caracterizado como salário in natura, hipótese esta rechaçada até pela própria Justiça Obreira, era aguardada, com ansiedade, uma sinalização a respeito do assunto, por parte do STJ.

E este acabou por se definir sobre o tema, por meio do julgamento dos REsp 1594346/SP eREsp 1608346/SP, e ainda mais recentemente, em março de 2017, na certeira análise doREsp 1592581/SP, onde se sedimentou o direito do ex-funcionário em permanecer como beneficiário do plano de saúde que lhe era oferecido durante a prestação de serviços, desde que dentro de determinadas premissas.

Uma vez cumpridos, efetivamente, todos os requisitos para tal, ou seja, se preenchidos os prazos impostos pela lei, se constatadas contribuições regulares com as mensalidades do plano quando empregado, e passando a arcar integralmente com os custos do plano a partir de seu desligamento, o ex-empregado tem garantido seu direito à manutenção do plano de saúde “nas mesmas condições de cobertura assistencial" de que gozava na vigência do contrato de trabalho, só lhe podendo ser atribuído algum reajuste que também tenha sido imputado aos empregados em atividade.

Desta feita, e se atendo à disposição literal do §6º do artigo 30 da lei 9.656/98, o STJ concluiu que a coparticipação eventualmente paga por exames e consultas não preenche o requisito da contribuição, referente à regular quitação de parcela mensal do plano, mesmo se por intermédio de descontos simbólicos em sua remuneração, sendo tal contribuição realmente imprescindível para a concessão do benefício em comento, como se verifica na ementa adiante reproduzida, proveniente do recente acórdão já referido:

Aposentado não tem direito de permanecer em plano de saúde custeado integralmente pela empresa – 30/03/2017

A manutenção de ex-empregados aposentados ou demitidos sem justa causa em planos de saúde coletivos é permitida nos casos em que o trabalhador contribuiu regularmente com o plano durante o período de vigência do contrato de trabalho.

Não fazem parte do caráter contributivo os pagamentos realizados a título de coparticipação em consultas e procedimentos médicos. (REsp 1592581)

Também com vistas à qualificação do plano de saúde como salário in natura, o STJ firmou posição, enfatizando que a CLT, em seu artigo 458, § 2º, inciso IV, dispõe expressamente quenão serão consideradas como salário as utilidades de assistência médica, hospitalar e odontológica concedidas diretamente, ou mediante seguro-saúde, pelo empregador, por não ostentarem a característica da comutatividade, ou seja, não configuram retribuição ao trabalho prestado pelo empregado, mas, sim um incentivo, de caráter eminentemente assistencial, concedido por alguns empregadores com o objetivo de garantir a assiduidade, a eficiência e a produtividade dos empregados, não podendo, portanto, ser considerado salário indireto.

Conclusão esta que coloca de vez por terra o argumento de que, oferecendo o empregador Plano de Saúde sem desconto de valores da folha de pagamento, ainda assim o empregado estaria contribuindo indiretamente com o pagamento da seguradora de saúde, o que, automaticamente, garantiria ao mesmo o direito almejado.

Pacificado restou, portanto, o entendimento acerca do assunto, trazendo a necessária segurança jurídica, cabendo ressaltar que, a partir daí remove-se sério e negativo fator que acabava por desestimular o empregador a conceder a seus empregados os tão importantes (para ambas as partes) benefícios sociais e, ameaçando, assim, as chamadas estipulações de seguros em grupo e planos previdenciários coletivos.

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