Ambiente Jurídico

Trump deu um péssimo exemplo ao mundo ao abandonar o Acordo de Paris

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10 de junho de 2017, 8h05

Spacca
Embora o ex-vice-presidente Al Gore tenha assinado em nome da administração Bill Clinton o Protocolo de Quioto, ele não foi ratificado pelo Senado. Aliás, o Senado havia aprovado resolução apoiada pelos senadores Robert Byrd e Chuck Hagel por 95 x 0, compelindo o governo a não apoiar qualquer acordo no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas para o Combate às Mudanças Climáticas no sentido do corte das emissões, a menos que o compromisso também fosse assumido igualmente pelas nações em desenvolvimento[1].

Em março de 2001, o presidente George W. Bush expressamente repudiou o Protocolo de Quioto, sob o argumento de que ele isentava a China e a Índia da obrigação do corte de emissões, o que causaria grandes prejuízos econômicos aos Estados Unidos[2]. Quando o protocolo entrou em vigor, no ano de 2005, Estados Unidos e Austrália eram os únicos países industrializados que não o haviam firmado. No ano de 2007, a Austrália acabou por firmar o acordo, restando os Estados Unidos isolado. O governo norte-americano recusou-se a utilizar o Clean Air Act para regular os gases de efeito estufa, posição que se manteve mesmo após a Suprema Corte decidir que essa regulação deveria ser efetuada no âmbito da Environmental Protection Agency (EPA)[3].

Obama assumiu e implantou uma política oposta à de George W. Bush. Sob novo comando, a EPA passou a utilizar a sua competência para regular os gases de efeito estufa. No âmbito da House of Representatives, o governo conseguiu a aprovação do American Clean Energy and Security Act, conhecido como Waxman-Markey Bill, que estabelecia um amplo programa de cap-and-trade em nível federal[4]. Entretanto, o projeto de lei foi rejeitado no Senado. Ainda que durante a campanha da reeleição o presidente Obama tenha evitado tocar no tema mudanças climáticas, em junho de 2013, após reeleito, anunciou o Climate Action Plan, plano elaborado no âmbito do Poder Executivo. O plano estava focado no poder regulatório da EPA, que emitiu um cronograma com importantes regulações sobre as usinas de queima de carvão[5].

Não existe nos Estados Unidos uma legislação específica para regular os gases de efeito estufa, mas várias leis são aplicadas com tal finalidade. O mais importante diploma legal para regulação desses gases é o Clean Air Act. Durante a administração do presidente Bill Clinton, dois sucessivos conselhos-gerais da EPA opinaram que a agência teria autoridade para aplicar a lei e regular os gases de efeito estufa como poluentes do ar. Os conselhos da EPA na administração Bush emitiram pareceres em sentido diametralmente oposto[6]. Essa controvérsia restou resolvida por decisão da Suprema Corte no caso Epa v. Massachussets, no ano de 2007, em que, por 5 a 4, a corte decidiu que os estados possuíam standing para processar e compelir a EPA para regular os gases de efeito estufa. Na decisão, restou consignado que os gases de efeito estufa podem ser regulados com a aplicação do Clean Air Act pela EPA porque são poluentes do ar. Por fim, restou determinado que a EPA deve ou declarar que os gases de efeito estufa são prejudiciais à saúde pública e ao bem-estar e fazer a regulação, ou explicar em detalhes por que essa regulação não será feita com base em permissivos legais[7].

Em dezembro de 2009, a EPA definiu os gases de efeito estufa como perigosos. Após, emitiu regulação das emissões por intermédio da fixação de standards e tornou mais rigorosos os níveis de regulação para os veículos automotores. A EPA também adotou medidas de regulação referentes às fontes estacionárias de emissões de gases de efeito estufa, como fábricas e usinas. Mais de cem processos foram ajuizados, impugnando tais regulações pelos mais diversos argumentos, mas todas essas ações foram desconsideradas pela Corte de Apelação do Distrito de Columbia (U.S. Court of Appeals for the Disctrict o Columbia), que sequer apreciou o seu mérito[8].

O National Environmental Policy Act é igualmente invocado em ações judiciais para regular as emissões de gases de efeito estufa, em especial para compelir as agências a elaborarem declarações de impacto ambiental para as ações federais ou submetidas à fiscalização federal de maior vulto e que possam causar danos ao meio ambiente.

Outros argumentam que o Endangered Species Act (ESA) também pode ser aplicado para o enfrentamento das mudanças climáticas. Como diz o próprio nome, a lei é utilizada para proteger espécies ameaçadas e em perigo, assim como o seu habitat. Proíbe projetos e ações federais que coloquem em risco as espécies ameaçadas. Em teoria, a lei poderia ser estendida para projetos que emitem gases de efeito estufa, mas na prática é muito difícil de se implementar, já que muitos projetos contribuem relativamente pouco com as emissões de gases de efeito estufa, e os impactos às espécies não podem ser atribuídos diretamente a tais emissões. A importância do estatuto, nos contextos das mudanças climáticas, é primeiramente proteger espécies atingidas indiretamente pelo aquecimento global nos seus habitats, com o objetivo de garantir a sua sobrevivência[9].

Refere Gerrard que as ações ajuizadas nos Estados Unidos as quais discutem causas associadas às mudanças climáticas podem ser divididas, em sua ampla maioria, em duas categorias básicas[10]. A primeira categoria compreende ações que invocam o Direito Administrativo com base nas leis existentes para exigir que as agências federais adotem certas ações regulatórias ou parem de adotá-las. Massachussets v. EPA é um clássico exemplo dessa categoria de ações. Centenas de ações têm sido ajuizadas impugnando projetos, ações e omissões regulatórias das agências federais referentes aos gases de efeito estufa. Nesse tipo de caso, as partes pleiteiam que o Poder Judiciário aplique as regras estabelecidas pelo Congresso, pelos Legislativos estaduais e pelas agências administrativas. A segunda categoria envolve ações típicas da common law. Nesse tipo de ação judicial, o pedido é endereçado ao juiz para que ele aplique doutrinas criadas pelas cortes através dos séculos para responsabilizar a parte ex-adversa ou para que um provimento cautelar seja expedido contra as emissões.

Com base na doutrina da common law public nuisance, foram ajuizadas quatro demandas alegando mudanças climáticas e pedindo a intervenção judicial. Todas foram desconsideradas e não tiveram o mérito apreciado por cortes federais (Federal District Courts), porquanto entenderam que tais demandas estavam embasadas em questões políticas e não eram sujeitas ao escrutínio do Poder Judiciário. Também foi invocada, por grupos sem fins lucrativos, a doutrina da common law da public trust em várias ações judiciais que buscavam compelir os estados e o governo federal a adotarem planos para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e preservar a atmosfera. Essa doutrina obriga o governo a proteger certos recursos naturais que devem ser preservados em confiança e em nome do público. A doutrina tem sido aplicada para proteger certas águas costeiras, praias e também parques florestais. Até o momento, no entanto, nenhum processo com esse argumento obteve êxito nas cortes[11].

Importante observar que não são incomuns demandas envolvendo as mudanças climáticas e as suas consequências individuais nos Estados Unidos, exemplo de país democrático e de cidadania atuante, a qual está atenta e consciente em relação a essa grave ameaça.

Os Estados Unidos, durante o governo Obama, comprometeram-se com a COP21, com efeitos legais vinculantes, que estipulou como meta reduções nas emissões de gases de efeito estufa, entre outras medidas de resiliência e de adaptação, que possibilitem um aumento da temperatura global abaixo de 2°C, com o objetivo de alcançar 1,5°C até 2100, tendo como marco inicial o período pré-industrial. No mesmo sentido, os Estados Unidos aderiram a COP22, em Marraquexe, como modo de facilitar a concretização dos objetivos da COP21, em especial no cumprimento de um roteiro para o financiamento climático dos países em desenvolvimento pelos países desenvolvidos e investidores privados, absolutamente necessário para adoção de medidas de adaptação e resiliência, no valor de US$ 100 bilhões até 2020, a fortiori porque houve queda no financiamento climático entre os anos de 2014 e 2015[12].

O polêmico presidente Trump deu um péssimo exemplo ao mundo ao retirar os Estados Unidos, no último dia 1º, do Acordo de Paris. Era esperado, pois já havia nomeado para diretor da EPA Scott Pruitt, procurador-geral do estado de Oklahoma e advogado da indústria dos combustíveis fósseis. Em suas primeiras medidas, ainda no início do ano, havia desmantelado o Climate Action Plan da administração Obama e expedido dois decretos facilitando a construção dos oleodutos de Keystone e Dakota.

Todavia, a atabalhoada medida do presidente Trump cairá por terra e não terá maiores efeitos práticos ante o comprometimento da maioria dos grandes estados, maiores cidades e mais poderosas corporações americanas (excluídas destas a decadente, mas ainda influente indústria do petróleo e do carvão) com as metas do Acordo de Paris. Como se não bastasse, os maiores escritórios de advocacia americanos especializados em litigância climática já estão ajuizando dezenas de ações contra as medidas da confusa administração Trump.

Se o presidente Trump não mudar os seus rumos, passará vergonha mais uma vez na COP23, a ser realizada em Bonn, no final do ano, ante a completa falta de legitimidade política de suas medidas na área ambiental em plena Era do Antropoceno.


[1] GERRARD, Michael. Introduction and overview. In: GERRARD, Michael; FREEMAN, Jody (Ed.). Global climate change and U.S law. New York: American Bar Association, 2014. p. 24.
[2] Ver: ROSENCRANZ, Armin. U.S. climate change under G.W. Bush. Golden Gate University Law Review, San Francisco, v. 32, n. 4, p. 479-491, 2002.
[3] UNITED STATES. National Energy Policy Development Group. Reliable, affordable and environmentally sound energy for America’s future: report of the National Energy Policy Development Group. Washington, May 2001.
[4] LIZZA, Ryan. As the world burns. The New Yorker, New York, 11 out. 2010.
[5] GERRARD, Michael. Introduction and overview. In: GERRARD, Michael; FREEMAN, Jody (Ed.). Global climate change and U.S law. New York: American Bar Association, 2014. p. 24.
[6] GERRARD, Michael. Introduction and overview. In: GERRARD, Michael; FREEMAN, Jody (Ed.). Global climate change and U.S law. New York: American Bar Association, 2014. p. 24.
[7] GERRARD, Michael. Introduction and overview. In: GERRARD, Michael; FREEMAN, Jody (Ed.). Global climate change and U.S law. New York: American Bar Association, 2014. p. 24.
[8] GERRARD, Michael. Introduction and overview. In: GERRARD, Michael; FREEMAN, Jody (Ed.). Global climate change and U.S law. New York: American Bar Association, 2014. p. 24.
[9] GERRARD, Michael. Introduction and overview. In: GERRARD, Michael; FREEMAN, Jody (Ed.). Global climate change and U.S law. New York: American Bar Association, 2014. p. 26.
[10] GERRARD, Michael. Introduction and overview. In: GERRARD, Michael; FREEMAN, Jody (Ed.). Global climate change and U.S law. New York: American Bar Association, 2014. p. 26-27.
[11] GERRARD, Michael. Introduction and overview. In: GERRARD, Michael; FREEMAN, Jody (Ed.). Global climate change and U.S law. New York: American Bar Association, 2014. p. 27.
[12] UNITED NATIONS CLIMATE CHANGE CONFERENCE 2016. COP22 Marrakech 2016. Disponível em: http://www.cop22-morocco.com. Acesso em: 02 out. 2016. Ao final da COP 22 restou previsto um roteiro, a ser implementado até o ano de 2018, com a intenção de finalizar as regras do Acordo de Paris, assim como outras decisões essenciais para a implementação do referido pacto global. WORLD RESOURCES INSTITUTE. Statement: At COP22 in Marrakech, climate negotiators agree to roadmap to 2018. Marrakech, Nov. 18, 2016. Disponível em: <http://www.wri.org/news/2016/11/ statement-cop22-marrakech-climate-negotiators-agree-roadmap-2018>. Acesso em: 20 nov. 2016.

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    é juiz federal, doutor e mestre em Direito. Visiting Scholar pelo Sabin Center for Climate Change Law da Columbia Law School – EUA e professor coordenador de Direito Ambiental na Escola Superior da Magistratura - Esmafe/RS.

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