Opinião

Criptografia e a liberdade ampla e irrestrita de se comunicar

Autor

  • Afonso Códolo Belice

    é advogado sócio do escritório Belice Advocacia. Assessor jurídico na Câmara dos Deputados. Professor universitário. Mestre em Direito Constitucional.

8 de junho de 2017, 7h33

Nos dias 2 e 5 de junho, o Supremo Tribunal Federal promoveu audiência pública que tratou de dois temas da maior relevância para a sociedade brasileira: a constitucionalidade de artigos do Marco Civil da Internet, temática da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.527, de relatoria da ministra Rosa Weber; e os bloqueios do aplicativo WhatsApp por decisões judiciais, assunto da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 403, de relatoria do ministro Edson Fachin.

Foram ouvidos especialistas sobre direito digital, criptografia e tecnologia da informação. O espaço plural de diálogos contou com a presença de representantes da Polícia Federal, Ministério Público Federal, WhatsApp, Facebook, Comitê Gestor da Internet no Brasil, Conselho Federal da OAB, Associações da Sociedade Civil e Professores Universitários.

No caso da ADPF 403, proposta pelo Partido Popular Socialista (PPS), a qual temos a honra de patronear, o escopo é evitar novos bloqueios do aplicativo de mensagens instantâneas por decisões judiciais. O PPS explana que o aplicativo de mensagens é um meio democrático de se comunicar. Milhões de brasileiros o utilizam inclusive em seus empreendimentos, graças à sua plataforma gratuita e interativa. Entendemos que são desproporcionais as decisões judiciais de primeira instância que bloquearam o aplicativo.

Ademais, surgiram questões técnicas complexas de criptografia no caso, e o STF resolveu proceder com audiência pública para que tais questões fossem dirimidas. Foi a primeira vez na história da corte suprema que uma audiência pública foi conduzida à quatro mãos, pelos ministros Edson Fachin e Rosa Weber.

Além de comentários mais amplos, os expositores na audiência pública deveriam responder objetivamente quatro questionamentos formulados pelo STF:

1 – Em que consiste a criptografia ponta a ponta (end to end) utilizada por aplicativos de troca de mensagens como o WhatsApp?
2 – Seria possível a interceptação de conversas realizadas por meio do aplicativo WhatsApp estando com criptografia ativada?
3 – Seria possível desabilitar a criptografia de determinados usuários específicos para que, dessa forma, se possa operar interceptação juridicamente legitima?
4 – Ainda que a criptografia esteja habilitada, seria possível "espelhar" as conversas no aplicativo para outro smartphone ou computador, permitindo que se implementasse ordem judicial de interceptação em face de um usuário especifico?

Acompanhamos de “ponta a ponta” todas as exposições, que foram extremamente proveitosas. Trouxeram à tona respostas técnicas para o conhecimento de todos. Entre elas, destacamos as trazidas pelo especialista em criptografia Diego Aranha, professor doutor na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Ele pressupõe que o regime jurídico não deva ser hostil à criptografia, de maneira que ela possa se expandir como área técnica. Explica-se que a forma end to end implica que o conteúdo legível das mensagens apenas possa ser recuperado nas pontas das comunicações. Ou seja, somente por quem as envia e quem as recebe.

Diz-se que o mecanismo é projetado de maneira que nem o próprio detentor do canal de comunicação (no caso, o WhatsApp) possa ter acesso ao conteúdo das mensagens. Dessa forma, ofertas por intrusão na privacidade não são capazes de fornecer segurança real. Tem-se que a proteção de dados é fundamental para a privacidade.

Sobre a sugestão na intervenção no funcionamento da criptografia, entende-se que esta não deva prosperar. O professor da Unicamp argumenta que esta estratégia é “inócua, intrusiva, insegura e viola princípios fundamentais de direitos humanos, liberdade acadêmica e de mercado”.

Nesta esteira, vemos que não deve progredir o entendimento de que sejam criadas falhas de segurança com o intuito mítico de acesso a mensagens criptografadas. Não se pode privilegiar o Estado vigilante, mitigando a privacidade dos cidadãos.

Na verdade, o que acontece é a abertura de oportunidade de modernizar o aparato investigativo, que poderá se valer de técnicas menos intrusivas, como por exemplo, a utilização de metadados. O Marco Civil da Internet obriga que os administradores de sistema virtuais coletem e guardem metadados, que nada dizem sobre o conteúdo em si das mensagens. Mas que trazem informações valiosas para a condução investigatória, como a hora, data e local de envio e recebimento de comunicações.

Por fim, congratulamos a iniciativa do Supremo Tribunal Federal de abrir o debate com a sociedade. Destaca-se ser uma atitude de vanguarda internacional, sendo a primeira Corte Constitucional a instituir audiência pública tematizando a criptografia.

Temas sensíveis de direitos fundamentais, como a liberdade de comunicação e a privacidade, foram postos em um contexto atual de tecnologia pulsante. O ambiente republicano e democrático verificado na corte suprema demonstra que o Poder Judiciário coaduna com o respeitoso diálogo entre instituições, pautando-se o intercâmbio de opiniões.

Confiamos que o debate entre o Poder Judiciário, órgãos de Estado, pesquisadores acadêmicos e a sociedade civil organizada proporcionaram os devidos elementos para que os ministros formem vossas opiniões na ADPF 403. E esperamos pela consagração daquilo que o PPS tanto defende na ação constitucional: a liberdade ampla e irrestrita do cidadão brasileiro de se comunicar.

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