Opinião

Os dispute boards e os contratos de construção e infraestrutura

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3 de junho de 2017, 6h43

Uma empreiteira é contratada para a construção de uma ponte suspensa com 1.500 metros de vão-livre. O projeto, previamente elaborado pela contratante, foi utilizado para a definição dos preços unitários orçados, dentre eles o relativo à perfuração para cravação dos pilares. Passado um quarto do prazo acordado para o término da obra, é verificado que o projeto precisa ser alterado e que mais cravações serão necessárias. O ajuste financeiro é, então, feito com base nos preços unitários, dando-se quitação de parte a parte. Todavia, no momento de se fazer as novas cravações, ocorre a descoberta de material mais duro do que os estudos geológicos tinham apontado, fazendo com que os preços unitários acordados para perfuração não fossem compatíveis com a realidade. O desequilíbrio financeiro gerado inviabilizava o negócio por parte da empreiteira, que não consegue negociar novos valores com a contratante. A obra para.

Situações como a descrita não são incomuns na execução de contratos de obras civis, especialmente as de grande porte. E se não bastassem os transtornos e gastos com a paralisação, outros virão para a resolução do litígio, que, mesmo em arbitragem, poderá levar mais de um ano para ser resolvido. Foi pensando em evitar um quadro assim que surgiu o dispute resolution board, ou comitê de resolução de controvérsias, em uma tradução literal para o português.

Fernando Marcondes, com base na definição da Dispute Resolution Board Foundation (DRB-F), afirma que o dispute board “é um comitê formado por profissionais experientes e imparciais, contratado antes do início de um projeto de construção para acompanhar o progresso da execução da obra, encorajando as partes a evitar disputas e assistindo-as na solução daquelas que não puderem ser evitadas, visando à solução definitiva”[1].

Destaque-se que a citada instituição publicou, em 2009, dados de pesquisa que demonstram que 97% dos litígios provenientes de contratos de construção que previam a utilização do método foram solucionados com sucesso[2].

O dispute board surgiu no ano de 1975, quando foi utilizado experimentalmente para acompanhar a execução do projeto de construção do Eisenhower Tunnel Colorado, nos Estados Unidos. O ensaio demonstrou a eficácia do método, que, a partir de então, ganhou relevância nos Estados Unidos e passou a ser adotado em inúmeros projetos na área de construção[3].

No Brasil, o dispute board foi utilizado na construção da linha 4-amarela do metrô da cidade de São Paulo, sendo previsto também em 35 contratos internacionais relativos aos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos ocorridos no Rio de Janeiro em 2016[4].

Frequentemente, os comitês de resolução de controvérsias são compostos de três profissionais especialistas, que devem ter domínio sobre a construção e os documentos contratuais[5]. Aconselha-se que os membros do comitê sejam experientes em outros métodos de resolução de conflitos e que atuem de forma imparcial.

Tais profissionais são contratados desde o início, podendo, inclusive, acompanhar a formação do contrato. Seu trabalho segue durante toda a execução da obra, fazendo com que eles tenham pleno conhecimento, em tempo real, do andamento do empreendimento e todas as suas vicissitudes, em especial do cumprimento dos marcos contratuais. No caso citado, se houvesse a previsão de um dispute board, ele poderia, por exemplo, ter atuado na revisão do projeto, verificando logo que as mudanças levariam a mais cravações em áreas não analisadas geologicamente, recomendando novos estudos e, assim, evitando o conflito.

O acompanhamento da obra pelo comitê não se dá apenas por meio de documentos enviados pelas partes, a exemplo dos diários de obra, mas também in loco. As visitas regulares dos membros do comitê a campo fornecem informações importantes e permitem, por exemplo, averiguar os serviços executados, o relacionamento entre as partes e o cumprimento do cronograma[6].

Existem três modalidades distintas de dispute boards: o dispute review board, no qual os especialistas emitem recomendações não obrigatórias para as partes, que apenas se tornam vinculantes caso as partes não se manifestem em contrário em prazo previamente determinado; o dispute adjudication board, em que os especialistas proferem decisões que vinculam as partes desde o início, independentemente da insatisfação dos contratantes; e os combined dispute boards, que podem emitir recomendações ou decisões, dependendo das circunstâncias do caso concreto[7].

Câmaras e instituições internacionais como Chartered Institute of Arbitrators (CIArb), International Chamber of Commerce (ICC), Institution of Civil Engineers (ICE), American Arbitration Association (AAA) e Dispute Board Federation possuem regulamentos que disciplinam a adoção e o funcionamento de dispute boards. No Brasil, a Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CAM-CCBC), a Câmara de Mediação Arbitragem do Instituto de Engenharia e a Câmara de Arbitragem Empresarial – Brasil (Camarb) também possuem regulamento sobre o método.

Espera-se que, seguindo a tendência mundial, os dispute boards passem a fazer cada vez mais parte da realidade brasileira. Seguramente, quem atua no mercado de construção civil e infraestrutura em muito se beneficiará com um método que busca evitar controvérsias e, quando isso não é possível, as soluciona poupando dinheiro e tempo e obtendo um grande nível de satisfação das partes envolvidas.


[1] MARCONDES, 2011 apud VAZ, Gilberto José. Os Dispute Boards como método alternativo de resolução de disputas na indústria da construção. Revista de Arbitragem e Mediação. Vol. 11, São Paulo: Ed. RT, abr-jun/2014, p. 327.
[2] Sobre os disputes boards na Câmara de Arbitragem Empresarial Brasil (Camarb). Disponível em: <http://camarb.com.br/dispute-board- db-ou-junta- de-consultores>. Acesso em 23/5/2017.
[3] VAZ, Gilberto José. NICOLI, Pedro Augusto Gravatá. Os Dispute Boards e os contratos administrativos: são os DBs uma boa solução para disputas sujeitas a normas de ordem pública? Revista de Arbitragem e Mediação. Vol. 38, São Paulo: Ed. RT, jul-set/2013, p. 134.
[4] MIERS, Christopher. Real Time Dispute Resolution in Rio de Janeiro. Since you Cannot Delay the Olympic Games. Disponível em: <http://kluwerarbitrationblog.com/2015/05/25/real-time-dispute-resolution-in-rio-de-janeiro-since-you-cannot-delay-the-olympic-games/> Acesso em 10/1/2016.
[5] Publicação International Chamber of Commerce, 2015, Disponível em: <http://www.iccbrasil.org/resolucao-de-litigios/dispute-boards/> Acesso em 10/1/2016.
[6] VAZ, Gilberto José. Os Dispute Boards como método alternativo de resolução de disputas na indústria da construção. Revista de Arbitragem e Mediação. Vol. 11, São Paulo: Ed. RT, abr-jun/2014, p. 327.
[7] VAZ, Gilberto José. Os Dispute Boards como método alternativo de resolução de disputas na indústria da construção. Revista de Arbitragem e Mediação. Vol. 11, São Paulo: Ed. RT, abr-jun/2014, p. 329.

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