Conduta atípica

Tentar comprar sexo com menina de 11 anos não é favorecimento à prostituição infantil

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3 de junho de 2017, 8h27

Tentar comprar sexo de menor de idade uma única vez, sem nenhum contato físico ou ameaça verbal, não é crime de favorecimento de prostituição de crianças e adolescentes, tipificado no artigo 218-B do Código Penal. Assim decidiu a 6ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que, por maioria, manteve sentença que absolveu um homem denunciado depois de oferecer R$ 50 para fazer sexo com uma menina de 11 anos.

Segundo a sentença da juíza Graziella Casaril Tonial, da Vara Judicial da Comarca de Igrejinha, o "programa" só não se consumou porque a menina não aceitou a proposta. Mas a juíza entendeu que o fato narrado na denúncia não se amolda à conduta descrita no artigo 218-B — conjunção carnal ou outro ato libidinoso com menor de 14 anos para satisfazer lascívia própria ou de outrem.

"Não restou demonstrada nos autos a habitualidade da conduta, de molde a induzir ou instigar a infante à prostituição ou outra forma de exploração sexual, que são atividades que se prolongam no tempo. Para caracterizar o delito em questão, [é] necessária a presença da habitualidade, o que não ocorre no presente feito", ponderou a julgadora. Como o fato denunciado não constituiu infração penal, como prevê o artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal, o réu foi absolvido.

Conduta reprovável
O relator da Apelação na 6ª Câmara Criminal, desembargador Ícaro Carvalho de Bem Osório, concordou com a juíza. Para ele, a conduta prevista por lei é submeter criança ou adolescente à prostituição ou exploração sexual. E este contexto exige relação de poder sobre a vítima, o que não ocorreu no caso concreto. Em síntese, apesar de o réu ter oferecido dinheiro em troca de sexo, não se pode concluir que tenha havido exploração sexual da menor. 

"Ainda que na órbita moral se revele reprovável a conduta atribuída ao réu, que representa abordagem inadequada de um homem adulto a uma criança ainda em plena formação de seu caráter, a conduta do apelado não se amolda ao tipo penal denunciado que, como dito, exige habitualidade para se configurar", encerrou, sendo seguido pelo voto do desembargador Aymoré Roque Pottes de Mello.

Voto divergente
A desembargadora Bernadete Coutinho Friedrich discordou dos colegas e votou por condenar o réu por tentativa de estupro de vulnerável. 

Ela reconheceu que a conduta descrita não se amolda ao tipo penal capitulado na denúncia oferecida pelo Ministério Público. "Essa conclusão não se dá por não ter restado demonstrada a habitualidade da conduta, na medida em que submeter a infante à prostituição ou outra forma de exploração sexual prolonga-se no tempo e, sim, porque caracterizada a prática de crime diverso", explicou no voto divergente.

Para a desembargadora, em se tratando de estupro de vulnerável, nem sempre há a presença real de grave ameaça ou violência. Há quem ofereça doces à vítima, faça "juras de amor" ou use de qualquer outro artifício para convencer a criança ou adolescente a praticar algum ato libidinoso. No caso dos autos, a estratégia foi a oferta de dinheiro.

Como a peça descreve uma atitude diferente do tipo penal apontado pela acusação, seria possível reclassificá-la, procedendo à emendatio libelli [corrigir acusação no aspecto da qualificação jurídica do fato], na medida em que a conduta descrita na denúncia permanece inalterada, afirmou a desembargadora.

Ela reconheceu que não é possível dar nova definição jurídica ao fato delituoso no segundo grau, como proíbe expressamente a Súmula 453 do Supremo Tribunal Federal. Entretanto, é possível, sim, finalizou, atribuir-lhe definição jurídica diversa, na forma do artigo 383 do Código de Processo Penal. Mas ficou vencida.

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