Opinião

Crise moral não justifica fim da presunção de inocência

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2 de junho de 2017, 18h30

Um dos efeitos negativos da operação "lava jato" foi a (in)utilização do princípio da presunção de inocência. Isto, porque, basta nos confrontarmos com as últimas prisões que foram determinadas nos últimos meses.

É triste, senão lamentável, que, em pleno Século XXI, um acordo de delação premiada tenha a a pachorra de (des)qualificar, não só o Presidente da República, como dezenas de pessoas citadas, sem o material mínimo de corroboração. A intranquilidade trazida no bojo da delação da empresa JBS passa não só pela duvidosa constitucionalidade da ação controlada dos irmãos Batista, mas também pelo prazo concedido aos anexos das pessoas “sem tanta expressão”.

Não é novidade que, para se obter um bom acordo de colaboração premiada junto ao Ministério Público Federal, é imprescindível que o conteúdo abale a República. Contudo, a sensação que se tem é que a figura de Nero jamais foi tão bem representada como a nos dias atuais, pois, em que pesem as descobertas (supostamente) não republicanas, estas trazem efeitos catastróficos para a economia do país.

Perguntados inúmeras vezes sobre tais efeitos, os procuradores e os juízes à frente do caso (operação “lava jato” e suas ramificações) fazem como Pilatos, em suma, alegam que nada fizeram, comparativamente, afirmam que não são responsáveis pelos reflexos negativos do mercado econômico. A divergência fática sobre o real motivo do incêndio de Roma faz com que duas versões surjam também para o atual comportamento daqueles, pois, em Roma, a divergência histórica ainda persiste (i) a de que o imperador Nero teria ordenado o incêndio, com o propósito de construir um complexo palaciano, já que o senado romano havia indeferido o pedido de desapropriação para a obra ou (ii) a de se atribuir ao imperador a condição de demente, uma vez que ele provocara o incêndio para inspirar-se, poeticamente, e poder produzir um poema, como Homero ao descrever o incêndio de Troia.

Analogicamente, não necessariamente alternativo, o item (i) serviria para dar um protagonismo que o Ministério Público jamais teve ou (ii) o poético martelo da justiça servira como ferramenta para livros, destaques em periódicos e trampolins para acatapultar jovens “juristas” como justiceiros, de um povo tão inocente e cheio de ingenuidade como os brasileiros.

Triste, porque a Justiça depende, para o seu bom funcionamento, do diálogo entre todas as instituições, notadamente, entre aquelas que são, reconhecidamente, indispensáveis à sua Administração, circunstância esta que um juiz de direito, a quem cabe aplicar as leis e fiscalizá-las, jamais deveria desconhecer.

Dante Alighieri, em A Divina Comédia, destaca que os lugares mais sombrios do inferno estão reservados àqueles que se mantiveram neutros em tempos de crise moral. A história certamente se levantará para tentar traduzir o sentimento dos inocentes citados e, por não serem tão importantes assim, sofrem calados aguardando a conclusão de investigações que não se sabe nem ao certo quando irão começar.

No momento em que os advogados se dispuserem a continuar um bate-boca com os jogadores deste processo penal, que hoje são aplaudidos por Roma, estarão abdicando de sua seriedade, e se despojando da sua dignidade, para fazerem um jogo a que não podem se prestar, dada a sua importância, dada a sua projeção (e tradição) e, sobretudo, o seu munus público.

Sigamos em frente na luta em defesa da Constituição, da cidadania, da justiça social, da ordem jurídica e dos direitos humanos. Esqueçamos estes genuínos “míopes do direito”, açodados por poder e seus escusos talentos acusatórios, pois a história, certamente, haverá de esquecê-los. Exemplo disso é que todos se lembram de Sócrates, mas ninguém se lembra do nome do seu carrasco.

Em nome dos citados e esquecidos, a vontade, como nunca pode ser satisfeita, é a causa de toda dor. Assim, vivemos mergulhados na dor para termos apenas alguns limitados momentos de prazer. O prazer de um dia ver que a tal presunção está tão viva quanto a nossa economia.

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    é advogado criminalista, especialista em crimes financeiros, professor de processo penal da Universidade Cândido Mendes, sócio do escritório RSFARIA advogados.

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