Inferno na terra

Má distribuição de presos piora sistema penitenciário do Rio, diz advogado

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2 de junho de 2017, 12h40

Que o sistema penitenciário do Rio de Janeiro (e do Brasil) é superlotado, todos sabem. O problema, porém, não é só o número excessivo de prisões ou a falta de vagas, mas também a má distribuição dos detentos pelo sistema. Afinal, das 45 cadeias do estado, 15 têm quantidade de presidiários proporcional à sua capacidade.

Antonio Cruz/Agência Brasil
Participantes da audiência pública afirmaram que aumento de prisões não reduziu a criminalidade no Rio.
Antonio Cruz/Agência Brasil

É o que afirma o presidente do Conselho Penitenciário do Rio de Janeiro, o criminalista Bruno Rodrigues, sócio do Bruno Rodrigues Advogados. Em audiência pública sobre o sistema carcerário promovida na terça-feira (30/5) pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, o advogado criticou a má distribuição de presos na região fluminense.

Hoje, são 51.215 pessoas encarceradas no Rio, 23.544 a mais do que as penitenciárias do estado comportam, apontou Rodrigues. Só que há cadeias com 216% de ocupação acima de sua capacidade, enquanto outras, como a nova unidade de Resende, têm vagas sobrando. Esses dados, segundo o criminalista, mostram como o sistema está desbalanceado.

Um dos principais culpados por tal cenário é o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, afirmou o presidente do Conselho Penitenciário. “Prende-se muito e mal”, avaliou, alfinetando a corte por não participar da audiência pública. “O TJ não está presente porque não quer ouvir críticas.”

Para ilustrar seu argumento, ele citou que, ao visitar há pouco a prisão de Resende, encontrou lá um homem de 84 anos, que não conseguia ficar em pé sozinho e sequer sabia por que estava detido. No entanto, a Vara de Execuções Penais do Rio negou seu pedido para ser transferido para prisão domiciliar, alegando que ele tinha condições de cumprir sua pena naquele estabelecimento.

Rodrigues atacou a atitude de policiais de rasgar documentos dos presos, ressaltando que 8,6% dos encarcerados não têm registro civil. A falta desses documentos, explicou, dificulta o cumprimento das penas.

Medida ineficaz
Presente na audiência, o presidente da comissão de Direitos Humanos da Alerj, deputado Marcelo Freixo (Psol), afirmou que o aumento no número de prisões, de 18 mil, em 2003, para 51 mil, em 2017, não reduziu a violência. Por isso, defendeu uma reunião entre promotores e defensores das varas criminais para tratar do assunto.

"Nos últimos 10 anos, dobramos o número de presos, e a violência tem aumentado. O cárcere do jeito que é hoje aumenta a violência do lado de fora, por isso precisamos reunir os promotores e defensores públicos das varas criminais. São eles que colocam ou não as pessoas nos presídios", disse.

Freixo lamentou a ausência de representantes do Judiciário na reunião, mas afirmou que se reuniria com o presidente do TJ-RJ, Milton Fernandes de Souza, para tratar da superlotação dos presídios. No encontro, o deputado defenderá as audiências de custódia como forma de diminuir o alto índice de presos provisórios no sistema — cerca de 40% dos encarcerados ainda não foram condenados.

Mortes nas prisões
Já a integrante do Fórum Permanente de Saúde do Sistema Penitenciário Nilvone Costa destacou que as mortes dentro das prisões vêm aumentando. Em 2015, foram 183 mortes, mas em 2016 o número chegou a 254, conforme dados da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap). Neste ano, já foram 98 mortes, sendo que quatro das vítimas poderiam estar em liberdade. A superlotação carcerária é a grande causa dessas mortes, segundo o defensor público Emanuel Queiroz.

Nilvone Costa também chamou a atenção para o número insuficiente de profissionais de saúde que atuam nos presídios. "São 550 técnicos, entre médicos, assistentes sociais, psicólogos e biólogos, para atender a 51 mil presos. É humanamente impossível essa equipe conseguir dar assistência a toda a demanda. Não tem sequer analgésicos nas unidades prisionais. Os poucos médicos que ainda existem no sistema muitas vezes tiram dinheiro do próprio bolso para levar esses medicamentos."

O secretário de Administração Penitenciária do Rio, coronel Erir Ribeiro, disse que há falta de medicamento nas unidades prisionais e que hoje estão vivendo de doações dos hospitais.

"As próprias empresas fornecedoras participam de doações emergenciais, mas na hora de pegar o empenho elas querem a garantia do pagamento, e como não tem acabam não fazendo as entregas." O secretário esclareceu ainda que não é da Seap a responsabilidade do pagamento, e sim da Secretaria de Fazenda.

Já o ex-detento Samuel Lourenço falou sobre as dificuldades que enfrentou nos nove anos em que esteve preso. "Não há espaço nas celas, não temos itens de higiene, e as doenças vão se alastrando. Passamos calor, os cobertores que colocamos no chão para dormir ficam com cheiro de suor e nos falta água para lavar. Falta água também para o nosso consumo, e a nossa família não pode levar."

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