Sessão interrompida

Suspensa multa de R$ 18,7 imposta a advogado por suposto abandono de júri

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25 de julho de 2017, 15h55

A multa de R$ 18,7 mil imposta a um advogado por suposto abandono de tribunal do júri foi suspensa pelo desembargador Otávio de Almeida Toledo, do Tribunal de Justiça de São Paulo. Na decisão, ele argumentou que não há risco em suspender a penalidade até o julgamento de mérito do mandado de segurança apresentado.

A multa foi aplicada a Airton Jacob pelo juiz Fabrizio Sena Fusari, da 1ª Vara do Júri do Foro Central Criminal de São Paulo. O advogado defende um acusado de homicídio qualificado. Durante o julgamento, em junho deste ano, ele e o magistrado se desentenderam depois que a promotora de Justiça responsável pelo caso acusou o réu de mentir à polícia e ao juízo sobre sua dependência química.

Jacob afirmou que a promotora estaria tentando induzir seu cliente a erro, pois a dependência química já tinha sido admitida em depoimentos. O ato foi interpretado por Fusari como “juízo valorativo” da pergunta, porque, segundo o juiz, o advogado aproveitou o uso da palavra para fazer interpretação da pergunta.

“O doutor sempre fazendo o juízo valorativo sobre as perguntas. Isso demonstra, no mínimo, uma deslealdade processual”, disse o magistrado. Jacob, então, rebateu, dizendo que essa afirmação afetava sua credibilidade frente ao júri, afetando o direito de defesa plena do réu e que essa não deve ser a conduta de um magistrado, pois aparenta parcialidade.

Airton Jacob pediu que o juiz se retratasse, mas o magistrado se recusou. Em meio ao impasse, o julgador consultou a promotora e decidiu encerrar a audiência. Mesmo após decidir pelo enceramento da sessão, o magistrado questionou o advogado sobre um possível prosseguimento do julgamento, que foi condicionado à retratação. Essa condição foi recusada por Fusari.

Na ata do julgamento, o magistrado justificou o encerramento da sessão afirmando que o advogado abandonou o julgamento, mas destacou que o profissional continua na causa. “Considero que o abandono de plenário, na situação ora posta à apreciação, não encontra respaldo jurídico para assumir motivo imperioso ou razão minimamente justificável para que a sessão tivesse regular prosseguimento”, disse.

O magistrado afirmou que o advogado respondeu às perguntas feitas pelo Ministério Público no lugar do réu e que só depois disso pediu que o acusado fosse advertido do abuso da pergunta da promotora de Justiça. Ao condenar o criminalista a pagar multa de R$ 18,7 mil, ele justificou a medida citando os custos estatais com acomodação, transporte e refeições de jurados e com os policiais e oficiais de Justiça colocados à disposição.

Nulidade processual
Ao encerrar a audiência, o juiz argumentou que essa seria a melhor saída para evitar novo pedido de nulidade pela defesa. Em 2014, Jacob questionou a condenação por júri anterior porque não constou requerimento da defesa na decisão.

Ao condenar Jacob a pagar a multa de R$ 18,7 mil, o magistrado o acusou de “retardamento da tramitação” processual por causa desse recurso. O pedido criticado pelo magistrado foi concedido pelo segundo grau, que anulou o júri anterior.

Fusari acusou, ainda, o criminalista de perder prazos propositalmente para não atuar mais na causa e de atrasar a atuação jurisdicional com recursos. “Há nos autos indicativos, todos certificados, de que, na atuação para defender interesses do réu em liberdade, busca procrastinar de maneira injustificada o andamento do feito, em inequívoca postura de, com isso, retardar a regular marcha processual. Ressalte-se que houve abandono anterior, razão pela qual o feito passou a ser conduzido pela defensoria pública”, disse o juiz.

“Assim em que pese o esforço da defesa para que fosse consignado expressamente em ata somente ‘o abandono de plenário’, embora tal situação já fosse apta, em tese, à incidência de multa nos termos art. 265, CPP (conforme exposto, por abandono indireto), depreende-se no presente processo que há postura reiterada do advogado em busca da procrastinação do feito, o que reforça a necessidade, por novamente ter dado causa ao retardamento injustificado para o julgamento do processo, de imposição das sanções processuais que, a toda evidência, a defesa assumiu o ônus ao adotar tal postura”, complementou o magistrado.

Recurso contra a multa
No mandado de segurança impetrado contra a multa imposta em primeiro grau, Jacob argumenta que interferiu apenas porque a acusação, ao insistir em saber detalhes sobre a dependência química do acusado, depois de dado momento, “passou a debater com o réu sobre o conteúdo de seus depoimentos anteriores”.

“A acusação não estava mais formulando perguntas, como seria sua atribuição, mas deliberadamente afirmando que o réu nunca havia mencionado sua dependência de drogas nos depoimentos anteriores”, disse o criminalista.

Sobre a acusação do juiz, o advogado destacou que não abandonou a sessão, pois foi o magistrado que decidiu terminar o julgamento para não se retratar da afirmação de “deslealdade processual”. “Após consultar o Ministério Público, percebendo que extrapolou suas atribuições e imiscuiu-se na competência do Conselho de Sentença, determinou dissolução da sessão plenária, conforme consignado em ata”, afirmou.

Consta na ata da sessão que: “Este magistrado considerou prudente, em razão dessa situação, dissolver a sessão plenária, a fim de que não fosse realizado julgamento apto a dar causa a uma segunda nulidade processual. Antes de declarar encerrada a sessão, entretanto, perguntou ao advogado se, apesar da situação que havia sido gerada, não poderiam tentar continuar a sessão. O advogado, com a palavra, condicionou a continuidade da sessão ante a retratação do magistrado presidente quanto à menção da deslealdade processual manifestada anteriormente, o que não fora acatado e, após consultada a representante do Ministério Público, considerou prudente a dissolução da sessão”.

Drogas no motel
O crime pelo qual o cliente de Jacob é acusado ocorreu em 2011, quando ele tinha 19 anos. Segundo relatos que constam no processo, o acusado estava bebendo com um primo em um bar da zona leste de São Paulo quando um terceiro homem chegou e se ofereceu para pagar bebidas aos dois.

Quando o bar fechou, esse terceiro se ofereceu para continuar pagando bebidas e cocaína aos dois, mas apenas o réu aceitou continuar. Depois de algum tempo em outro estabelecimento, esse homem convidou o acusado para continuar usando a droga em um motel, para não correr risco de ser visto pela polícia.

Lá, algumas horas depois de terem entrado no quarto, esse homem tentou agarrar o réu, que se defendeu com socos, derrubando-o na cama. Por causa disso, o acusado fugiu do motel e se refugiou na casa de um amigo, onde continuou a usar drogas. No local, ele ligou para a polícia informando sobre o ocorrido, quando ficou sabendo que a pessoa que agrediu tinha morrido.

Segundo a defesa, o réu, por ser dependente químico na época dos fatos, foi chantageado a entrar no motel e se despir em troca de cocaína. Já a acusação argumenta que os dois seriam amantes e o homicídio teria ocorrido por causa de um desentendimento, e não por causa da droga.

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