Opinião

Bancos saem ganhando de consumidores em acordo de planos econômicos

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24 de julho de 2017, 10h22

Há alguns dias a Folha de S. Paulo deu a notícia de que o acordo entre os bancos e os poupadores (representados pela Febrapo) deve, enfim, ser concluído em agosto. Apesar do enorme e louvável esforço da Advocacia-Geral da União, o movimento dos bancos até aqui é dissimulado. 

No início do ano, a Febraban visitou a presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Carmen Lúcia, para anunciar que, enfim, estavam dispostos a fazer um acordo no caso dos planos econômicos. Fosse verdade, a notícia seria um alento aos poupadores que esperam há três décadas. Aliás, boa parte faleceu sem ver o caso resolvido. O alento seria também ao próprio Poder Judiciário.

O relatório Supremo em Ação, produzido pelo Conselho Nacional de Justça e divulgado no último dia 30 de junho, mostra que mais de 650 mil processos estão paralisados no Brasil à espera da definição do tema. O número é impressionante: de cada dez processos sobrestados no país, sete referem-se a perdas de poupadores nos planos econômicos. Não por acaso, os presidentes de tribunais, à unanimidade, pediram à presidência do Supremo, no início da atual gestão, que o tema fosse julgado de uma vez.

Infelizmente, o aceno da Febraban em promover um acordo não era e não é para valer. A estratégia é outra, como agora está demonstrado. No material que deixaram com a presidente do Supremo, os bancos condicionam o acordo a alguns parâmetros aparentemente inocentes. Quase escondido entre as condições apresentadas estava um em especial: teriam direito apenas associados que autorizaram a ACP e constaram da lista juntada com a inicial (item 2, “b”, do título “condições mínimas para acordo” – documento entregue ao STF).

Na prática, este critério reduz praticamente a zero o número de poupadores em condições de executar as ações coletivas. Sobrariam apenas as ações ordinárias, restringindo a um número limitadíssimo os poupadores em condições de receber o ressarcimento pelas perdas. 

A demonstrar que a proposta de acordo não era realmente para valer, os bancos seguiram atuando no Superior Tribunal de Justiça para extinguir o direito de todos os poupadores beneficiados por ações coletivas. Em público, a Febraban mantém o discurso do acordo, não apenas perante o Supremo, mas também em reuniões na AGU. Dissimulam. 

Na vida real, o único movimento para valer é a busca no STJ de uma decisão que condicione a possibilidade de execução de ações coletivas à prévia filiação às entidades autoras de ações coletivas (como o Idec, por exemplo). Ora, como bem sabem os bancos, menos de meio por cento (isso mesmo: menos meio por cento) dos poupadores eram filiados. A decisão, de uma vez só, sepultaria o direito de mais de quinhentos mil poupadores.

O STJ dá sinais de que a estratégia dos bancos (simular interesse no acordo para, neste ambiente, zerar a conta das ações coletivas) pode estar próxima do sucesso. Em agosto será julgado o recurso repetitivo sobre o tema. A decisão representaria uma surpreendente viragem de jurisprudência contra os poupadores no tema dos planos econômicos. Não seria a primeira. Os processos estão sobrestados pelo STF há sete anos, desde 2010. De lá para cá, os bancos colecionam vitórias no STJ, sempre alterando entendimentos consolidados em favor dos poupadores.

Em 2010, o STJ considerou prescritas quase todas as ações civis públicas propostas depois de cinco anos(virando antiga jurisprudência). Das 1.030 que tramitavam, sobraram menos de 30 ações coletivas. Depois, em 2013, o STJ reconheceu que o prazo de cinco anos se aplica também para as execuções individuais(também virando antiga jurisprudência). A partir desta decisão, restou pouco espaço remanescente para estas execuções. Mais recentemente o STJ, noutra virada de orientação, retirou a cumulação de juros remuneratórios e moratórios, o que também provocou redução do valor. Agora, com a exigência de filiação prévia, a conta das ações coletivas seria zerada.

A verdade é que os bancos simplesmente não falam sério quando cogitam acordo. Há uma mera dissimulação. A ideia é apenas melhorar o ambiente e tentar colher vitórias no STJ enquanto o STF – há sete anos – paralisou todos os processos no Brasil. Parece claro que os bancos já não apostam no julgamento da ADP 165, com a discussão de fundo. Sugerem acordo para paralisar o STF ao mesmo tempo em que atuam no STJ. Aliás, a estratégia de desidratar a conta no STJ foi tão exitosa que o Supremo, se confirmar o direito dos poupadores, estará resolvendo uma pequena fração do valor devido aos poupadores.

No mérito propriamente, já tem mais de duas décadas que o STF, o STJ, os 27 Tribunais de Justiça e os cinco TRFs reafirmam que é indiscutível o direito dos poupadores. Nunca houve uma única decisão contrária em nenhum tribunal brasileiro. Cientes da dificuldade de fazer o Supremo, na ADP, dizer que tudo não passou de um engano, os Bancos trataram de esvaziar o conteúdo econômico da decisão lá no STJ. E com inegável êxito. O gran finale pode estar no tema da filiação prévia.

No AGU, no STJ, no STF e em público os bancos falam em pacificação social pelo acordo. Dissimulação pura e simples. A ideia é outra: esvaziar no STJ, em temas laterais, o alcance da decisão de mérito favorável aos poupadores.

Há outra passagem do documento que os Bancos entregaram à presidência do STF que não pode passar incólume. Na parte introdutória, os bancos repetem a tese inicial da ADPF segundo a qual não teria havido ganho por parte das instituições financeiras. Isso porque, insistiram os bancos na visita à ministra Carmen Lúcia, havia uma equivalência entre os valores e índices da poupança e do financiamento imobiliário.

Ora, uma perícia da PGR há muito tempo já desmentiu categoricamente este dado. A perícia mostrou que havia um descasamento entre os valores do SFH e a poupança que deu pelo menos 25 bilhões de reais de ganho aos bancos com a ilegal aplicação retroativa dos índices menores aos poupadores. Os bancos nunca questionaram este ponto da perícia da PGR, mas levaram à ministra Carmen Lúcia a informação desmentida como se verdade fosse. Conduta, no mínimo, inadequada.

Os poupadores foram lesados (como reconheceram todos os tribunais) há três décadas. E os bancos ganharam com isso. Não é mais possível acreditar na seriedade do discurso dos bancos em torno de um acordo. É hora de o STF julgar a ADPF 165 antes que os bancos, simulando interesse no acordo, consigam esvaziar ainda mais o alcance da decisão no Superior Tribunal de Justiça. Uma derrota dos poupadores e do próprio Poder Judiciário. Seria uma triste vitória por via transversa.

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