Fiscalização ilegal

Fisco não pode usar informações recebidas da Suíça por meio de acordo de cooperação

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21 de julho de 2017, 6h52

O acordo de cooperação entre Brasil e Suíça para questões penais não autoriza a Receita a usar informações prestadas por bancos suíços para instruir autos de infração. Foi o que decidiu a 2ª Câmara da 1ª Turma Ordinária da 2ª Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) ao anular parte de uma autuação fiscal que se baseou em provas produzidas sem autorização judicial. A decisão é do dia 7 de junho deste ano, e o acórdão foi publicado no dia 20 do mesmo mês.

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Receita não pode usar informações conseguidas por meio de acordo de cooperação penal com a Suíça para fins de processo administrativo fiscal, decide Carf.
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Por unanimidade, o colegiado decidiu que a Receita Federal descumpriu decisão do relator de uma ação penal no Tribunal Regional Federal da 2ª Região e usou provas que a lei não permite usar. O Carf seguiu o voto da relatora, conselheira Dione Jesabel Wasilewski, que se baseou em relatório da Delegacia de Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), do Ministério da Justiça, e concluiu pela ilegalidade das provas.

De acordo com o relatório, o Tratado de Cooperação Jurídica em Matéria Penal entre o Brasil e a Suíça proíbe o uso de informações recebidas pelo Estado brasileiro para instauração de processos administrativos fiscais. A regra está no item 1, letra c, do artigo 3 do tratado, ratificado no Brasil por meio do Decreto 6.974/2009.

“A partir dessa leitura, o lançamento feito com base nessas informações encontra­-se maculado em sua origem e não há possibilidade de qualquer decisão posterior tornar lícita a utilização ilícita de uma prova”, afirmou a relatora, em seu voto. A decisão descontou R$ 24,5 milhões da autuação fiscal.

O processo é o braço tributário de um dos casos penais mais famosos do Rio de Janeiro, conhecido como “escândalo do propinoduto”. A ação penal ainda não terminou, mas 18 réus tiveram suas condenações por lavagem de dinheiro e formação de quadrilha confirmadas pelo Superior Tribunal de Justiça em dezembro de 2014. Por unanimidade, a 6ª Turma do STJ, no entanto, trancou a ação penal quanto aos crimes de sonegação fiscal, evasão de divisas e corrupção.

De acordo com a acusação, os réus, auditores da Secretaria de Fazenda do Rio, montaram uma quadrilha para extorquir empresas em troca de não autuá-las por dívidas tributárias. Segundo o Ministério Público Federal, a quadrilha enviou a bancos suíços mais de US$ 30.

A decisão do Carf tratou da autuação fiscal a Rodrigo Silveirinha Corrêa, conhecido por Silveirinha, secretário de Administração Tributária do Rio durante o governo de Anthony Garotinho, entre 1999 e 2002. O caso foi descoberto em 2003, depois que autoridades suíças avisaram o governo brasileiro de que um grupo de pessoas ligadas ao governo do Rio havia aberto contas que pareciam clandestinas.

O Fisco teve acesso às informações depois que o TRF-2 garantiu à Receita o compartilhamento das informações enviadas pelas autoridades suíças ao Ministério da Justiça. Mas o desembargador que autorizou o acesso deixou claro que a Receita só poderia usar as informações prestadas às investigações pelos bancos brasileiros.

A Receita não obedeceu. Silveirinha acabou autuado por omissão de rendimentos por causa de depósitos bancários sem comprovação de origem e por omissão de ganhos de capital na liquidação de operações financeiras em moeda estrangeira. O Fisco só teve acesso a essas informações porque os bancos suíços as enviaram à DRCI do Ministério da Justiça.

“Não resta sombra de dúvida de que não há amparo legal para utilização dos documentos obtidos no âmbito da Cooperação Jurídica Internacional com a Confederação Suíça”, concluiu a conselheira Dione.

"Esta decisão do Carf tem grande importância, sobretudo, na atual conjuntura pois reconhece que os dados e contas bancárias no exterior não podem ser objeto de prova para tributação sem autorização judicial, além de vedar a utilização daquelas enviadas por tratados de cooperação que não tenham cunho fiscal", avalia o tributarista Fabio Pallaretti Calcini, sócio do Brasil Salomão e Matthes.

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