Olhar Econômico

Livre comércio entre Mercosul e União Europeia seria benéfico ao Brasil

Autor

  • João Grandino Rodas

    é sócio do Grandino Rodas Advogados ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP) professor titular da Faculdade de Direito da USP mestre em Direito pela Harvard Law School e presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes).

20 de julho de 2017, 10h33

Spacca
O século XIX ficou conhecido como o século das nacionalidades, pois nesse período os Estados-nações se solidificaram, passaram a exercer controle rígido sobre seus territórios, codificaram suas legislações e a distribuição de justiça passou a ser feita por categorias profissionalizadas guardiãs da ordem pública interna. Já o século XX foi o das organizações internacionais intergovernamentais, em razão do surgimento de entidades dotadas de poderes delegados pelos Estados, que passaram a ser sujeitos de direito internacional com o poder de concluir tratados e que se tornaram atores onipresentes do cenário global. Na primeira metade do século XX, pontificaram as organizações internacionais com objetivo geral e vocação universal (Liga das Nações e ONU, por exemplo) e as organizações especializadas, de vocação universal ou regional (OIT e OPAS).  Contudo, na segunda metade desse século, proliferaram os organismos internacionais regionais de integração econômica ou blocos econômicos (União Europeia e Mercosul). Muito embora, o GATT/OMC baseie-se em postulados de livre comércio, desde seu início permitiu, excepcionalmente, o estabelecimento desses blocos, que diferem quanto ao grau de integração econômica almejada: área de preferência tarifária, área de livre comércio, união aduaneira, mercado comum e união econômica e monetária.

Tratados europeus, pós-segunda-guerra, criaram a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (Tratado de Paris de 1951), a Comunidade Europeia de Energia Atômica e a Comunidade Econômica Europeia (Tratados de Roma de 1957); que, em             1965, unificaram os seus órgãos (Tratado de Bruxelas). Esta última tomaria o nome de Comunidade Europeia (Tratado de Maastricht de 1992) e, posteriormente, União Europeia (Tratado de Lisboa de 2009).  Possui atualmente 28 membros, incluindo o Reino Unido, cuja saída embora decidida, ainda não foi efetivada. “Essa organização internacional sui generis originaria, de um lado, o modelo de organização regional de integração econômica, que se espalharia pelo mundo; e de outro, o surgimento de uma nova vertente internacional do direito, o direito da integração[1]”.

O Mercosul, criado em março de 1991, pelo Tratado de Assunção, embora ostente em sua denominação “mercado comum”, tornou-se união aduaneira em início de 1995 e até o momento não passa de união aduaneira imperfeita, quando muito. Possui quatro membros ativos (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai), pois a Venezuela continua suspensa. Por força da Decisão 32 de 2000 do Conselho do Mercado Comum, os Estados Membros do Mercosul somente podem negociar tratados de preferências tarifárias conjuntamente. “As relações externas do Mercosul são reguladas por tratados internacionais, que fixam regras específicas, quer com outras organizações internacionais, quer com Estados, no intuito de estabelecer aproximação, em vários âmbitos, inclusive no comercial: cooperação econômica, estabelecimento de área de livre comércio etc.”.[2]

O GATT/OMC, a União Europeia e o Mercosul “embora organizações distintas … estão em simbiose obrigatória, por coexistirem na área do comércio internacional. Inobstante a primeira situe-se no âmbito multilateral e seja um acordo geral; e as demais gravitem na esfera regional, corporificando acordos localizados e de menor amplitude; todas devem compatibilizar-se. Por isso, a regularidade dos acordos regionais pressupõem … deverem evitar aumento de barreiras relativamente a terceiros; e liberalizar parte importante do mercado dentro da região. (…) Cabe ao regionalismo, em sua qualidade de exceção ao multilateralismo econômico, criar benefícios locais sem prejudicar o cenário global”.[3]

Cumprindo suas respectivas missões no âmbito do comércio internacional, é usual blocos econômicos regularem seu relacionamento por meio de tratado internacional. Assim o Mercosul, logo após ter assumido personalidade internacional e se estruturado (Protocolo de Ouro Preto de 1994), concluiu, no ano seguinte, em Madri, o Acordo-Quadro Inter Regional de Cooperação Entre a Comunidade Econômica Europeia e Seus Estados Membros, com o objetivo de estreitar os laços, institucionalizar o diálogo político e preparar condições para o estabelecimento de associação inter-regional.  Tratou-se de acordo por prazo indeterminado, em que são dignas de nota: (i) ter sido concluído entre o Mercosul e seus Estados-partes, de um lado, e a União Europeia e seus Estados-Partes, de outro; (ii) o fato de possibilitar que cada parte considere o acordo como em forma simplificada ou o submeta à ratificação; (iii) possuir dois depositários (o secretário Geral do Conselho da Comunidade Europeia e o Paraguai); bem como que,  (iv) sendo acordo-quadro, pressupõe constituir-se referência sob cuja égide  outras tratativas mais específicas pudessem ser feitas.

Nesse diapasão, negociações em continuação visando o aprofundamento das relações, entre os dois blocos, por meio da conclusão de tratado de livre comércio, foram feitas entre 1999 e 2004 e retomadas em 2010. Em 2014, o Mercosul informou estar preparado para trocar ofertas públicas sobre bens, serviços, compras governamentais e investimentos, com a União Europeia, o que se efetuou, em Bruxelas, em meados de 2016. Nesse mesmo ano, os negociadores dos blocos reiteraram seu interesse em fazer progredir as negociações. Provavelmente, a reunião do Comitê de Negociações Birregionais, a ser realizada em outubro próximo, em Bruxelas, apresentará o perfil final do acordo. A possibilidade de concluir-se o acordo (ainda em 2017 ou em 2018), tornou-se real, face à abertura econômica por parte do Brasil e da Argentina, de uma parte e da Alemanha, de outra; preocupados com o protecionismo comercial dos Estados Unidos da América, que colocou em risco o Trans-Pacific Partnership (TPP) e o Transatlantic Trade and Investment Partnership (TTIP).  Há também a apreensão decorrente do apetite da China pelos mercados latino-americanos.

O Brasil e a Argentina anteveem possibilidade de exercitar maior abertura comercial para o Mercosul, enquanto que a Alemanha mira os 300 milhões de habitantes do cone sul como consumidores de produtos da União Europeia. O assunto vem sendo negociado, multilateral e bilateralmente, e o foi, inclusive, por ocasião do recente Fórum Econômico Mundial em Davos. Contudo os problemas que se apresentam não são poucos: (i) o protecionismo agrícola, que coloca em lados opostos certos países europeus e países em desenvolvimento, responsável pela estagnação das negociações no seio da OMC, estão fortemente, presentes nas negociações Mercosul-União Europeia; (ii) o desejo europeu que o acordo trate de propriedade intelectual e do acesso, em pé de igualdade, das empresas europeias às licitações públicas no âmbito do Mercosul; (iii) há os que preferem um afastamento do cerne do que vinha sendo negociado, tido como “velha economia” e “acordo de antiga geração”,  em prol  dos novos problemas, como setores inovadores, era pós-industrial ,economia digital etc.

Com a conclusão do acordo entre Mercosul e União Europeia, o Brasil poderia melhorar os números recentemente fornecidos pela Confederação Nacional da Indústria (CNI): (i) a vantagem comparativa de 1.101 produtos que o Brasil possui, atualmente, com relação à União Europeia é minimizada por barreiras não tarifárias e cotas de importação existentes para 68% deles; (ii) os dois entes com os quais empresários brasileiros mais desejam firmar acordos comerciais são, pela ordem, Estados Unidos da América e União Europeia; (iii) os acordos com o Brasil, hoje vigorantes, cobrem 8% do comércio mundial, enquanto que os do Chile, Peru e México alcançam, respectivamente 83%, 74% e 57%. Em se firmando o acordo, o Brasil teria acesso a benefícios tarifários e diminuição de barreiras não-tarifárias relativamente a 25% dos compradores mundiais.


[1] Cezaretti, Eric R., “Estudo Jurídico Comparativo sobre Controle de Concentração de Empresas: Brasil, França e México”, (dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Direito da USP), São Paulo. s.c.p., 2017, p. 166.

[2] Cezaretti, Marcel R. ,“Brasil e as Normas dos Acordos Internacionais em Matéria Comercial”,  (dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Direito da USP) , São Paulo, s. c. p., 2017,. p. 340.

[3] Op. Cit.  p. 38.

Autores

  • é professor titular da Faculdade de Direito da USP, presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (CEDES) e sócio do escritório Grandino Rodas Advogados.

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