Paradoxo da Corte

Ampliação do cabimento do recurso de agravo de instrumento

Autor

  • José Rogério Cruz e Tucci

    é sócio do Tucci Advogados Associados ex-presidente da Aasp professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e do Instituto Brasileiro de Direito Processual e conselheiro do MDA.

18 de julho de 2017, 8h05

Apenas e tão-somente depois da entrada em vigor do novo Código de Processo Civil é que são descobertos os verdadeiros problemas e dificuldades, a evidenciar os inexoráveis desacertos do legislador.

Pois bem, restringindo a amplitude da recorribilidade das decisões interlocutórias, o artigo 1.015 do novel diploma processual traz um rol de hipóteses de cabimento do recurso de agravo de instrumento.

Fica muito claro que o legislador procurou catalogar situações nas quais, seja do ponto de vista substancial, seja pela perspectiva prática, a solução de determinadas questões delineia-se prejudicial à marcha normal do procedimento. Invoco, como exemplo, o ato decisório de primeiro grau que exclui, no início da demanda, um dos litisconsortes (artigo 1.015, inciso VII). Seria realmente um alto preço a pagar se o exame dessa questão fosse relegado para o julgamento da apelação, pondo tudo a perder, caso provido tardiamente o pedido de reinclusão do litisconsorte equivocadamente extrometido do processo.

A doutrina e os tribunais, de um modo geral, têm interpretado o rol do referido artigo 1.015 como “taxativo”, não admitindo exceções.

Todavia, tenho observado, até com certa frequência, que há outras questões, especialmente aquelas em que a matéria é de ordem pública, cuja análise e julgamento não podem ficar postergadas para a apelação.

Na verdade, se mantido o entendimento de que não se apresenta cabível o agravo de instrumento nessas hipóteses, porque não explicitadas no elenco do artigo 1.015, haverá inarredável ofensa ao princípio da duração razoável do processo, que vem expressamente contemplado em nosso ordenamento jurídico.

Com efeito, afinando-se com as modernas tendências do Direito Processual, o legislador pátrio, por meio da Emenda Constitucional 45, acabou inserindo o inciso LXXVIII no artigo 5º da Constituição Federal, que tem a seguinte redação: “A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

O texto constitucional passou então a assegurar a garantia do processo, judicial e administrativo, sem dilações indevidas, a todos os jurisdicionados. Determinou, outrossim, a implementação de meios que garantam a economia e a celeridade processual.

Observe-se, em primeiro lugar, que tal norma tem como destinatários não apenas os membros do Poder Judiciário, como, igualmente, todos os demais operadores do Direito, isto é, advogados e promotores.

É certo, contudo, que o juiz é o primeiro protagonista a zelar pelo andamento célere do processo, devendo coibir, de um lado, qualquer tentativa de dilação indevida e evitando, de outro, diligências e atos processuais desnecessários.

Tenha-se presente que, entre os poderes do juiz, o artigo 139, inciso II, do Código de Processo Civil preceitua que lhe incumbe: “Velar pela duração razoável do processo”. Diversos dispositivos do novo diploma processual concedem ao magistrado o poder de controlar e reprimir atos que possam colocar em risco a celeridade processual. Confira-se, por exemplo, os artigos 113, parágrafo 1º, 672, inciso III, 685, parágrafo único. O artigo 139, inciso VI dispõe que o juiz dirigirá o processo, adequando as suas determinações às exigências da causa.

Desse modo, a introdução de expedientes e mecanismos aptos a fomentar a duração razoável do processo não deve, em qualquer situação, vulnerar o princípio fundamental do devido processo legal, ao relegar para oportunidade posterior o exame de nulidades absolutas ou mesmo de outras questões, insuperáveis, determinantes da extinção do processo.

Tenho convicção de que, a rigor, essa foi a ideia do legislador ao estruturar as hipóteses do rol do supra mencionado artigo 1.015, que parece ter uma extensão menor do que realmente se desejava.

Daí porque entendo que é acertada a interposição de agravo de instrumento quando a matéria importar imediato exame, mesmo que não conste da enumeração tida como taxativa. Não se pode, com efeito, interpretar literalmente a aludida regra legal e deixar o procedimento fluir, depois de considerável tempo, para só então ser reexaminada, por exemplo, a arguição de ilegitimidade de parte ou de prescrição, ao ensejo do julgamento da apelação.

A esse propósito, recente notícia informa a comunidade jurídica que a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, no julgamento do Agravo Regimental 1404141-14.2016.8.12.0000, decidiu que, de conformidade com o artigo 1.015 do novo Código de Processo Civil, não cabe agravo de instrumento contra decisão interlocutória que rejeita alegação de prescrição durante a tramitação do processo. O posicionamento assentado pelo colegiado foi extraído da apreciação de recurso interposto por uma seguradora, que alegava que o autor havia perdido o direito de ação visando ao recebimento de indenização. Os respectivos desembargadores seguiram fielmente a restrição do rol de cabimento do agravo de instrumento.

No entanto, abstração feita de que, pelo sistema do código, prescrição é matéria de mérito (e, portanto, passível de agravo: artigo 1.015, inciso II), entendo insustentável que o próprio texto legal (artigo 1.015) vulnere o princípio da duração razoável do processo, sobretudo quando o acolhimento do agravo determina a extinção do processo. Levá-lo adiante, porque incabível o agravo de instrumento, seria um inominado contrassenso.

Assim é que a decisão interlocutória que tiver por objeto a matéria constante dos incisos IV, V, VI e IX do artigo 485 do Código de Processo Civil, ou, ainda, que afastar a arguição de prescrição ou decadência, desafia o recurso de agravo de instrumento, a despeito de não estar explicitamente arrolada no indigitado artigo 1.015.

Contestar essa orientação seria, a um só tempo, advogar em prol da parte que não tem direito e — o que é pior — conspirar contra a duração razoável do processo, em detrimento do litigante que tem razão.

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