Segunda Leitura

Congresso internacional aponta caminhos para aprimorar a Justiça

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

16 de julho de 2017, 8h05

Spacca
O Congresso Internacional Excelência em Escala Global, promovido pela International Association for Court Administration (Iaca)[1] e a National Association for Court Management (Nacm)[2], realizado em Washington D.C. (EUA) de 9 a 13 de julho, certamente foi o maior e mais produtivo encontro do mundo destinado a discutir os assuntos relacionados com a administração da Justiça. Durante quatro dias, quase 800 participantes de 45 países discutiram as melhores e mais modernas práticas na área.

Vale a pena conferir os motivos de tal afirmação, comparar o planejamento e os resultados do evento, tudo visando aproveitar as boas práticas e trazê-las, quando possível, face às diferenças sociais, econômicas e culturais, ao Brasil. Vejamos os diversos aspectos:

1. O primeiro aspecto a merecer referência é o fato de que duas entidades da sociedade civil promoveram o evento: Iaca, de abrangência internacional, e Nacm, direcionada aos 50 estados norte-americanos. Ocorre que, nos EUA, o estudo do Poder Judiciário é feito por dezenas de institutos e ONGs, com fortes raízes nas universidades[3]. No Brasil, ele é praticamente realizado pelo CNJ e por tribunais, sendo poucas as exceções como, no âmbito da sociedade civil, o Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus)[4] e, na área acadêmica, a Fundação Getulio Vargas (FGV)[5].

2. Foi cobrado, a título de inscrição, o valor de US$ 570 para associados e US$ 700 para não associados, o que equivale, respectivamente a R$ 1.813 e R$ 2.227. No Brasil, tais congressos costumam ser gratuitos, porque têm forte apoio do poder público. Também é comum o fato de parte dos inscritos, algo em torno de 20%, não comparecer nem cancelar a inscrição. Assim agem porque nada tiveram que pagar. O dinheiro arrecadado com as inscrições, mais os financiamentos de empresas, permitiram que se servisse aos participantes breakfast pela manhã, almoço em alguns dias e uma visita ao estupendo edifício da Biblioteca do Congresso. Nos EUA, nenhuma irregularidade existe no fato de um órgão público cobrar pela visita às suas dependências.

3. A ausência de salamaleques é outro fator a merecer registro. Nada de abertura com mesa oficial com 15 pessoas, cujos cargos são mencionados detalhadamente, 10 que não foram chamadas e ficam ofendidas, sete que discursam e repetem o nome e cargo de todos os que estão na mesa, tudo importando em perda de uma hora ou mais em inúteis referências. Apenas a palavra dos presidentes das duas entidades promotoras, dando boas-vindas aos presentes, três minutos para cada um.

4. Cumprimento de horário: aí um ponto crucial. Tudo, exatamente tudo, começando e terminando na hora exata do programa. Nenhum minuto a mais, nenhum minuto a menos. O respeito à assistência foi absoluto. No Brasil, cada vez mais marca-se o horário e os responsáveis pela organização ficam, com os palestrantes e autoridades, em animada conversa em uma sala privativa. Às vezes aguardam por uma hora uma autoridade de maior graduação, que chega com grande atraso e com ares de vítima de seus inúmeros compromissos. E os inscritos que esperem no auditório. É um desrespeito lamentável. Seria bom que, um dia, um participante mais aguerrido levantasse e, em alto e bom som, dissesse aos organizadores “poucas e boas”.

5. A escolha de temas e convidados foi feita mediante discussão em comissões. Muitos opinaram dizendo porque a matéria é importante e apontaram alguém para palestrar. Nada de convites em razão do cargo. Só os reconhecida e sabidamente bons tiveram acesso. Ninguém tem tempo a perder ouvindo alguém que ali está somente porque ocupa uma alta posição na hierarquia judiciária. A formação dos palestrantes transitou por pessoas da área jurídica, Psicologia, Jornalismo, Tecnologia, Arquitetura e, evidentemente, administradores judiciais, estes com formação em Administração Pública, e não em Direito.

6. Os que financiaram o evento promoveram a exibição de seus produtos em uma feira montada no local. Nada mais natural. Eles financiam porque querem vender seu material e nisso nada há de errado. Assim, barracas exibiam produtos que permitiram agilizar os processos eletrônicos, firmas que auxiliam os que não possuem cartão de crédito a pagar custas judiciais ou multa, escritórios de arquitetura judiciária que exibiam projetos para fóruns, tribunais, e presídios eficientes[6], e até — pasmem — escritórios  particulares especializados em cobrança de créditos fiscais, evitando as nossas surreais varas de Execuções Fiscais, onde centenas de milhares de processos tramitam com um grau de efetividade inexpressivo.

7. As palestras foram de ótimas a espetaculares. Começou reunindo em cinco poltronas uma perspicaz entrevistadora e quatro importantes autoridades judiciárias, sendo três deles ministros de Supremas Cortes da África do Sul (presidente), Belize (presidente) e China e, o quarto, o desembargador presidente do Conselho de Presidente dos Tribunais Estaduais americanos. Entre os palestrantes, um defensor público falando das dificuldades na defesa dos pobres, um professor discorrendo sobre sentenças judiciais que utilizaram tecnologia de ponta (como a descoberta de um criminoso a partir de seu DNA), liderança, relacionamento com a sociedade, transparência nos tribunais e outros. O Brasil foi muito bem representado pelos juízes federais Paulo Neves e Luciana Ortiz, que falaram sobre o programa de gestão e inovação em São Paulo (Inovajusp)[7], e Fabrício Cruz, de Ponta Grossa (PR), que expôs o programa brasileiro de conciliação por via eletrônica, que já resultou em   cerca de 60 mil acordos sem necessidade de locomoção e perda de tempo.

8. Em sua palestra, a juíza federal Allyson Duncan, do 4º Tribunal de Circuito (equivalente ao nosso TRF), falou sobre a existência de um Comitê em Relações Internacionais Judiciais, composto de juízes de tribunais federais, desde a Suprema Corte até a primeira instância, cuja missão é pautar as relações do Judiciário norte-americano com os de outras nações. Em ação semelhante, a França designou o juiz Jean-Philippe Rivaud, magistrado de Ligação da Embaixada da França no Brasil, com a finalidade de estreitar as relações entre as Justiças brasileira e francesa, auxiliando cidadãos dos dois países em situações de necessidade de medidas junto ao Judiciário. Com a globalização, tal tipo de iniciativa será cada vez mais necessária, pois as pessoas se deslocam com facilidade e inúmeros problemas decorrem dessa situação (por exemplo, guarda de filhos e trabalho ilegal).

9. Networking: óbvio que um evento de tal porte não se limita às palestras e painéis. Muito se aprende no café da manhã, almoço, eventos sociais, até turísticos (como passeio de ônibus à noite), quando se fazem contatos e se trocam ideias e experiências.

10. Avaliação: à noite, os participantes recebiam uma mensagem eletrônica, pedindo manifestação quanto às atividades do dia. Todos os palestrantes foram avaliados e os que não corresponderam às expectativas, com certeza, não serão convidados para outros eventos. Meritocracia é a ordem.

Outros pontos positivos poderiam ser citados, entre outras a organização de 10 painéis simultâneos em salas diversas, a criação de um aplicativo com todo o programa, a transmissão de palestras ao vivo por videoconferência aos associados que não puderam ir e posterior colocação nos sites e a realização de uma corrida de 5 km, marcada para as 5h30, com entrega solene da premiação.

Ao final, os participantes saíram do evento culturalmente enriquecidos e motivados. Com certeza, não participarão do grupo daqueles que em tudo veem defeitos e se colocam na cômoda posição de desiludidos, a criticar sempre, sem nada resolver. Bem ao contrário, os que lá estiveram, ao voltar aos seus países ou estados, no caso dos americanos, aplicarão tudo o que viram e aprenderam, cientes de que nem sempre será fácil, mas que é preciso lutar, enfrentar as dificuldades internas e externas, não se render jamais.

Resumindo, o congresso passou a mensagem de que se deve buscar sempre fazer o melhor, mesmo que as dificuldades se acumulem no caminho. Sem capitular, vamos em frente.


[1] www.iaca.ws
[2] www.nacmnet.org
[3] Por exemplo, Institute for the Advancement of the American Legal System (Iaals, da University of Denver, Sturm College of Law, em: lawcareerblog.law.du.edu/blog/2016/02/05/institute-for-the-advancement-of-the-american-legal-system-iaals-research-intern-position
[4] www.ibrajus.org.br
[5] http://direitosp.fgv.br/node/66110, em São Paulo, e http://direitorio.fgv.br/programa-de-capacitacao, no Rio de Janeiro.
[6] Nos Estados Unidos existe uma Academia de Arquitetura para a Justiça. Página no Facebook: www.facebook.com/aiaaaj
[7] www.jfsp.jus.br/inovajusp

Autores

  • é desembargador federal aposentado do TRF da 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Presidente da International Association for Courts Administration (IACA), com sede em Arlington (EUA). É vice-presidente do Ibrajus.

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