Estado da Economia

Como entender os benefícios tributários, financeiros e creditícios

Autor

  • José Maria Arruda de Andrade

    é professor associado de Direito Econômico e Economia Política da Universidade de São Paulo (USP) livre-docente e doutor pela mesma instituição professor do programa master de pós-graduação em Finanças e Economia da Escola de Economia de São Paulo Fundação Getulio Vargas (FGV EESP) foi secretário-adjunto da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda e pesquisador visitante no Instituto Max-Planck de Inovação e Concorrência em Munique (Alemanha).

9 de julho de 2017, 11h30

Spacca
Quando tratamos dos instrumentos de Direito Financeiro (aqui incluindo Tributário) de que o Estado pode dispor para intervir no domínio econômico como agente no mercado ou como regulador da própria economia. Não podemos deixar de tratar dos benefícios tributários, creditícios e financeiros.

Alguns de nossos textos nesta coluna têm abordado tais instrumentos. No presente escrito, pretendemos avançar um pouco nessa classificação dos benefícios (incluindo outra figura) para, em um segundo momento, aprofundar a perspectiva da governança executiva dessas políticas econômicas.

Começarei pela lista dos instrumentos que analisaremos: benefício tributário; regime tributário alternativo; benefício creditício; e benefício financeiro.

A Constituição Federal dispõe no parágrafo 6º do artigo 165 que o projeto de lei orçamentária será acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito dos benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia sobre as receitas e despesas[1]. Daí a crescente preocupação com a gestão desses benefícios e seu impacto nas contas públicas.

Em outras oportunidades, aqui mesmo na ConJur, já definimos três dessas quatro figuras. Retomaremos aquelas definições para apresentar uma quarta, a de regime tributário alternativo ao lado do benefício tributário.

Os benefícios tributários são favores tributários para categorias de contribuintes. Sob a perspectiva das renúncias, são tratados como gastos (tributários) indiretos. Como nas estimativas das renúncias de receitas que correspondem a esses gastos indiretos são incluídos regimes tributários que não representam verdadeira renúncia tributária do Estado, lançaremos mão da expressão “regime tributário alternativo” para chamar atenção a essa figura fora de lugar na definição corrente da Receita Federal do Brasil (responsável pela apuração das renúncias).

O ideal de toda classificação científica é ser rigorosa e útil. A que aqui apontamos não é rígida e sequer pretendemos, neste instante, criar um gênero lato para benefícios tributários com duas categorias específicas (benefícios em sentido estrito e regimes alternativos).

Por ora, queremos enfrentar as seguintes questões:

1) Se a maior parte da estimativa de renúncias feita pela Receita Federal não representa um desvio de um regime tributário padrão ou uma atuação verdadeira do governo de beneficiar setores ou bens e utilidades, por que incluir nessa categoria esses itens?

2) Por outro lado, se há uma série histórica desses regimes alternativos e é importante que toda a sociedade e os formuladores das decisões possam acompanhar tais valores, por que deixar de apontar tais valores?

Por isso mesmo, nossa proposta não pretende propor alteração nas estimativas de gastos indiretos, mas reexaminá-las com esse olhar sobre tais regimes alternativos.

Assim, em breves definições, teríamos:

Benefício Tributário: gastos indiretos do governo que configuram renúncia de receita e que se valem da legislação tributária para atender a objetivos econômicos e sociais. Há de se conjugar dois elementos: (i) uma norma jurídica que represente um desvio ao sistema tributário de referência e que possua (ii) um caráter semelhante ao do gasto público direto, mas que se vale da forma indireta, representativa da perda de arrecadação tributária potencial em favor de uma disponibilidade econômica dos contribuintes, que não foram obrigados a recolher o tributo alvo da medida.

Regime Tributário Alternativo: seria a forma de tributação distinta de outra anterior ou mais ampla e que, ainda que represente uma arrecadação inferior a daquela que seria a tradicional, não se deveria considerá-la como uma renúncia tributária de gasto indireto, já que ela (i) ou atenderia aos próprios preceitos constitucionais ou (ii) seria uma tributação cujo caráter alternativo ou de não tributação decorreria de proibição constitucional, não configurando, portanto, um ato voluntário do Poder Executivo e Legislativo.

Nessa linha, quando o Estado cria regimes de tributação diferenciada para pequenas e médias empresas (Simples Nacional), tal regime estará muito mais próximo de um regime diferenciado por conta de determinação constitucional do que de uma renúncia em relação a um padrão absoluto (as tributações não simplificadas). O mesmo vale para as várias formas de tributação do Imposto de Renda, que não seja a do lucro real.

Na mesma linha, mas por outra razão, o governo federal não renuncia a receitas quando mantem a Zona Franca de Manaus, pois é a própria Constituição que determina a vedação da tributação.

Algumas deduções de impostos também estão mais próximas de se delimitar o campo de incidência de um tributo (ao se permitir certas exclusões) do que, simplesmente, configurar renúncias tributárias (exclusões de certos gastos da renda da pessoa física, por exemplo).

Não existe um padrão de ouro da tributação, daí que definir o que é ou não desvio é sempre o maior desafio de definição dos gastos. O mesmo corre com as simplificações tributárias. Seria uma sandice, por exemplo, considerar como renúncia tributária as variações para baixo toda vez que o valor venal de um imóvel urbano é definido para fins de IPTU em um valor abaixo do que uma específica unidade pode valer economicamente. Quando se adota a praticabilidade, alguns estão abaixo da média e outros estarão acima, daí não se poder falar, aprioristicamente, em renúncia.

A soma das principais renúncias demonstra que a maior parte do que se considera como voluntarismo federal em renunciar, em verdade, seria, antes, a presença de regimes alternativos. Veja-se as estimativas do Gasto Tributário em 2016:

Gasto Tributário

Valor

Percentual

Simples Nacional

74.567.164.802

27,51%

Zona Franca de Manaus e Áreas de Livre Comércio

26.764.038.306

9,88%

Agricultura e Agroindústria – Desoneração Cesta Básica

25.178.965.765

9,29%

Entidades Sem Fins Lucrativos – Imunes / Isentas

22.668.106.859

8,36%

Rendimentos Isentos e Não Tributáveis – IRPF

20.623.308.489

7,61%

Totais

169.801.584.221

62,65%

 

Fonte: Receita Federal. DGT PLOA 2016

Nossa intenção, contudo, não é de se abandonar tais controles, mas apenas, ao interpretá-los, lembrarmos que não é correto tratar todas essas medidas como verdadeiras políticas de renúncia.

Voltando às definições, temos ainda:

Benefício Creditício: subsídios que decorrem de programas oficiais de crédito concedidos a taxas de juros inferiores ao custo de captação do governo e que são operacionalizados por meio de fundos ou programas. Em outros termos, como os créditos oferecidos a seus tomadores possuem uma remuneração de juros inferior aos juros que remuneram os títulos emitidos pelo governo, tornando-os mais acessíveis e atraentes, essa diferença é assumida pelo governo federal.

Esses gastos não aparecem, no orçamento, vinculados diretamente aos benefícios que foram concedidos e sim a outras despesas como serviços da dívida pública[2]. Por isso, são considerados implícitos, até mesmo porque não se concretizam no instante da transferência do recurso ao fundo ou programa, mas decorrem da diferença entre a taxa de juros do programa e aquela com a qual o Governo Federal se financia.

Benefício Financeiro: transferências correntes ou desembolsos efetivos realizados pelo governo federal para equalizar juros ou preços ou para a assunção das dívidas decorrentes de saldos de obrigações de responsabilidade do Tesouro Nacional. Podem ser: subvenção social, subvenção econômica ou auxílio. São considerados benefícios explícitos porque constam como gastos no próprio orçamento e representam efetivo desembolso do governo relacionado ao programa ou fundo a que se destina.

Feitas essas considerações mais terminológicas, torna-se mais fácil tratar de um dos principais aspectos desses instrumentos de Direito Financeiro e Tributário. Como criar e reforçar a governança em torno desses gastos explícitos, implícitos ou indiretos? Quais as regras legais para a criação de cada programa? Como controlar a juridicidade e economicidade de cada programa? Como atribuir responsabilidades de fiscalização e avaliação?

Pois bem, esse foi o primeiro passo para tratarmos dessa governança executiva e de sua fiscalização, o que faremos em nosso próximo texto nesta coluna.

 


[1] […] “§ 6º O projeto de lei orçamentária será acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrente de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia”.

[2] Quanto a este último aspecto, ver Charles Mathusalém Soares EVANGELISTA, Eunice Lemos Rosal DAROS, Leonardo Rodrigues ALBERNAZ, Virgínia de Ângelis Oliveira DE PAULA. “Perspectivas do Controle sobre os Benefícios Fiscais: Avaliação da Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR)” in Revista do Tribunal de Contas da União, num. 121, 2011, p. 47, disponível em http://revista.tcu.gov.br/ojsp/index.php/RTCU/issue/view/12/showToc. Ver, ainda, Francisco Carlos Ribeiro de Almeida. “Uma Abordagem Estruturada da Renúncia de Receita Pública Federal”, in Revista do Tribunal de Contas da União, vol. 31, n. 84, abr/jun 2000, pp 24-5, disponível em http://portal2.tcu.gov.br/portal/pls/portal/docs/2055468.PDF.

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    é professor associado de Direito Econômico e Economia Política da USP, livre-docente e doutor pela FDUSP, sócio da Gaia, Silva, Gaede & Associados. Foi secretário-adjunto da secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda e pesquisador visitante no Instituto Max-Planck de Inovação e Concorrência em Munique (Alemanha).

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