Olhar Econômico

Pesquisas do CNJ contribuem para a celeridade processual no país

Autor

  • João Grandino Rodas

    é sócio do Grandino Rodas Advogados ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP) professor titular da Faculdade de Direito da USP mestre em Direito pela Harvard Law School e presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes).

6 de julho de 2017, 10h03

Spacca
Da mesma forma que cada grupamento social possui um conjunto de regras jurídicas que os regem, cada um deles é dotado de um sistema para solucionar as controvérsias surgidas em seu seio. Nas sociedades antigas, dentre os muitos poderes do chefe, havia o de resolver contendas. Com o aumento do número de habitantes e a complexidade crescente dos grupamentos humanos, o chefe passou a delegar esse poder, até que o múnus de julgar foi cometido a corporações profissionais – os magistrados –, que, no Ocidente, com a disseminação da teoria da tripartição dos poderes, assumiu a função de poder do Estado.

A teoria da soberania absoluta fez com que, tanto o direito substantivo quanto o direito processual dos ordenamentos jurídicos nacionais fossem construídos de maneira autóctone, sem que houvesse compromisso de coerência com os dos demais Estados. O modo como a prestação da Justiça iniciou-se e desenvolveu-se – serviço prestado pelo soberano ou pelo Estado – contribui para explicar o apego à jurisdição e a dificuldade de as partes resolverem suas próprias contendas. Afinal, por largo tempo, a mediação e a arbitragem eram meios próprios de Estados resolverem seus problemas; enquanto a pessoa humana era mero súdito.

A solução de contendas no Brasil independente, trilhando a tradição portuguesa, manteve as características jurisdicionais – decisão dos litígios, feita por juízes em nome do Estado. Somente o quarto ordenamento processual civil brasileiro, o Código de Processo Civil de 1973, estatuiria a conciliação prévia obrigatória (artigos 447 e 448). A arbitragem somente aportaria no Brasil por meio da Lei 9.307/1996 e seria aperfeiçoada pela Lei 13.129/2015. Por seu turno, a conciliação entraria em nosso ordenamento, unicamente pela Lei 13.140/2015[2].

Pesquisa intitulada O Uso da Justiça e o Litígio no Brasil concluiu, a partir do exame dos 100 maiores litigantes nas 11 unidades da Federação pesquisadas, que “um número extremamente reduzido de atores é responsável por pelo menos a metade destes processos”.[3]

De acordo com a pesquisa Os 100 Maiores Litigantes, publicada em 2012 pelo Conselho Nacional de Justiça, (i) os quatro maiores litigantes perante a Justiça Federal eram: o Instituto Nacional de Seguro Social (com 34,35% do total de processos), a Fazenda Nacional (com 12,89%), a Caixa Econômica Federal (com 12,71%) e a União Federal (com 11,51%). Segundo o estudo, ressalte-se (ii) a Federação, os estados, os municípios e os bancos eram os responsáveis por mais de 82% dos processos em tramitação na Justiça Federal.

“O grande número de ações judiciais em andamento pode dar a falsa impressão de que vivemos em cenário de amplo acesso à Justiça. Entretanto, análise detida dos dados do CNJ (…) demonstra que parcela considerável dos processos em tramitação tem como parte o próprio Poder Público, ou seja, o Poder Executivo servindo-se do Poder Judiciário como cobrador de impostos, ou grandes empresas com intuito procrastinatório”[5].

Em 2013, segundo o relatório Justiça em números 2014, importante subsídio para a gestão judiciária brasileira, editado pelo CNJ, o número de processos em tramitação na Justiça brasileira ultrapassou os 95 milhões. Em 2014, o número beirou 99 milhões. Desses, aproximadamente 70% já estavam pendentes. O acervo processual brasileiro tem crescido, desde 2009, a um percentual médio de 3,4%. No relatório Justiça em números 2016, ano base 2015, que acaba de vir a lume, a ”série histórica aponta crescimento no número de casos novos até o ano de 2014, com uma redução de 5,5 em 2015. Com exceção da Justiça do Trabalho (+ 1,7%)”, todos os demais segmentos tiveram queda na demanda”[7].

Embora recomende-se exame aprofundado de todos os dados contidos no Justiça em números 2016, destaque-se de imediato o fato de, pela primeira vez, o CNJ ter passado a mensurar o volume de processos resolvidos por meio de acordos (mediações e conciliações), indicando ter sido de 11% o índice médio de conciliação do total de sentenças prolatadas, o que equivale a, aproximadamente, 2,9 milhões de processos finalizados de maneira consensual[8]. Esse dado permite observar a importância e a contribuição do consenso para a solução de conflitos e, consequentemente, para a redução do número de processos no Brasil; permitindo, ademais, avaliar o impacto das recentes alterações feitas pelo CPC. Importa frisar que a Justiça do Trabalho está mais bem colocada em relação ao índice de conciliação, pois mais de 25% das sentenças e decisões são obtidas consensualmente; chegando a quase um milhão os acordos homologados.

O consenso está contribuindo para a redução do número de processos, mas será necessário avanço cultural e legislativo, ainda não identificado no Brasil, para que possa impactar também nos litígios em que o Poder Público figure como parte.

Além do ponto relevante do Relatório que acaba de ser apresentado, suas quatrocentos e duas páginas contêm, outros aspectos dignos de nota:

(i)Nível de execução das políticas judiciárias; (ii) Impacto dos processos de execução na litigiosidade e retrato da sazonalidade da litigiosidade brasileira; (iii) Avanço da atuação institucional do Judiciário; (iv) Índices de produtividade comparada da Justiça; (v) Parâmetro dos diversos tribunais brasileiros; (v) Justiça digital e evolução da implantação dos processos judiciais eletrônicos; e vi) Tempo do processo[10], item de difícil apuração, por serem quase imensuráveis as combinações de circunstâncias fáticas e jurídicas de cada ação judicial. Outrossim, a média desfaz os extremos!

O aumento de conhecimento sobre o Judiciário, que o CNJ vem propiciando, possui emanações benéficas inclusive sobre os processos. Afinal como lê-se no Justiça em Números 2016, “só se aprimora aquilo que se conhece” e “Só se melhora o que se mensura, e quanto melhor se mensura, maiores são as chances de aprimorarem-se os aspectos mais urgentes e necessários”. Resta à doutrina brasileira, em que se incluem as dissertações de mestrado e teses de doutorado, passar a se utilizar mais dos dados disponibilizados pelo CNJ, plenos de realismo


[1] Súdito, particípio passado do verbo subjugar, significa subjugado, dominado.

[2] Rodas, João Grandino, Conciliação, mediação e arbitragem não podem ser cortina de fumaça, Revista Eletrônica Conjur, de 9 de julho de 2015; e Rodas, João Grandino, Contencioso jurídico de empresas no Brasil, na Argentina e no Chile, Revista Eletrônica Conjur, de 3 de novembro de 2016.

[3]Rodas, João Grandino, Ética e decoro devem, também, ser levadas em conta para ingressar com ações, ConJur, de 15 de dezembro de 2015.

[4] O Índice de Conciliação indica a percentagem de decisões ou sentenças homologatórias de acordos em relação ao total de decisões de sentenças terminativas.

[5] Entendido como percentual de processos iniciados em anos anteriores e que ainda não tiveram solução.

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    é professor titular da Faculdade de Direito da USP, presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (CEDES) e sócio do escritório Grandino Rodas Advogados.

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