Opinião

Homologação de acordo de delação gera expectativa de direito

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3 de julho de 2017, 6h11

O Supremo Tribunal Federal analisou um ponto de fundamental relevância para o futuro do processo penal brasileiro: a possibilidade de revisão das cláusulas de um acordo de delação premiada homologado, monocraticamente, pelo relator.

Sobre o tema, o primeiro ponto que se destaca é que a colaboração e a negociação com os agentes de persecução é uma realidade que veio para ficar. Não há mais como se posicionar “contra” ou “a favor” deste novo paradigma, pois ele é fenomênico e atualizado com a cultura contemporânea de eficácia dos sistemas (quaisquer sistemas).

O segundo ponto é que, exatamente por ser uma nova realidade, alguns limites do instituto ainda serão testados e debatidos, modificados ou eternizados. O momento em que isso ocorre é histórico. Estamos vivenciando uma revolução paradigmática que afeta profundamente o processo e nossa cultura social, permeando até mesmo a maneira pela qual iremos encarar nosso vizinho no elevador. Por tal motivo, temos que contribuir com o debate.

Dentro de tal espírito, é possível afirmar que a delação deve obedecer a critérios apriorísticos de existência, eis que somente através da satisfação dos requisitos legais exigidos para sua homologação é que se traça uma expectativa de segurança jurídica quanto à sua validade e utilização.

Neste sentido, o Plenário do STF definiu, por maioria, que o relator do procedimento de delação é competente por sua homologação, exercendo o controle da regularidade de forma, da espontaneidade da vontade de colaborar e da legalidade dos termos transacionados com o Ministério Público.

Cabe ao relator, portanto, verificar se as condições apriorísticas foram aparentemente cumpridas.

Até aí, nada demais. O verdadeiro risco estava na opção de se criar uma vinculação da Corte ao já homologado, eis que mais do que se retirar do colegiado a possibilidade de se analisar o tema, se retira do campo científico a distinção entre condições iniciais e condições finais do problema (a priori X a posteriori).

Ora, a existência de um a priori é essência do princípio da legalidade, onde a norma surge em sentido formal para, somente após o devido preenchimento de seus limites aparentes, permitir debate de cada caso, com análise do conteúdo material ou oculto de sua aplicação (vide princípio da insignificância como exemplo clássico da norma formal sem conteúdo material). Mas ele, como sua definição indica, não é tudo.

Pelo contrário, ele sugere segurança jurídica, mas a verificabilidade concreta do tema é o que a garante (tanto a delatores quando delatados).

Dessa forma, a verificação do caso concreto após esgotado seu tema é de fundamental importância, pois legitima o acordo e sua decisão homologatória com o timbre da ciência — refutabilidade da hipótese. Isso significa dizer que na delação, exatamente como nas demais normas, o acordo e sua homologação também passam por uma análise a posteriori que, se reveladora de vícios pretéritos, vícios de vontade ou inutilidade de seu conteúdo (ainda que efetivado no processo), permite sua completa revisão.

Tal opção foi aceita pelo Supremo, ao decidir que o controle e avaliação de ocorrência dos termos firmados no acordo caberiam ao colegiado. Este, portanto, ficaria adstrito à análise da regularidade do cumprimento dos deveres assumidos pelo delator, com ministro Fachin vencido na hipótese de vinculação do plenário aos termos homologados. A dissidência acompanhou o voto do ministro Alexandre de Morais entendendo que o colegiado é soberano no controle, e, nas palavras do ministro Dias Toffoli, o acordo cria apenas um direito subjetivo do colaborador.

Ousamos pensar que a decisão poderia ter ido mais longe, pois no caso da homologação do pacto, por exemplo, não há como se imaginar no sistema processual adotado em nosso país a existência de uma decisão monocrática não sujeita a nenhuma espécie de duplo grau de jurisdição logo após sua prolação (entendimento ainda adotado pelo plenário, quando afirmou que o acordo não se presta para revisão por parte de terceiros nele mencionados).

Pelo contrário, blindar a decisão judicial contra críticas e possibilidade de reversão via recurso ou ação impugnativa, a pretexto de se conceder ao delator a segurança jurídica por ele procurada, é negar ao delatado este mesmo desejo e direito, pois, sem poder questionar suas cláusulas e efeitos, suportará suas consequências até que prove sua inocência.

Enfim, deixar a verificação posterior para o colegiado era o mínimo necessário para se equalizar a balança entre delator e delatado – por exemplo, em casos de satisfação parcial dos objetivos que levaram ao acordo, vem a questão: por qual motivo todos os benefícios contratados com uma determinada expectativa se manteriam hígidos, ainda que tal expectativa não seja alcançada? Não seria o caso do Direito Civil socorrer o problema com a necessária indicação de que o delator assume uma “obrigação de fim”, e não uma “obrigação de meio”?

Vale destacar que se o parágrafo 2º do artigo 4º da Lei 12.850/13 permite, diante da relevância da delação, que “o Ministério Público, a qualquer tempo”, requeira “concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não tenha sido previsto na proposta inicial”, parece claro que o inverso é verdadeiro: constatada a irrelevância da delação, os benefícios não serão usufruídos.

Por tais considerações, é legítimo afirmar, hoje, que a homologação do acordo gera uma expectativa de direito, e não o direito adquirido de obtenção dos benefícios. Dar ao delator segurança jurídica antes de se verificar a refutabilidade do delatado, ou impedir o recurso sobre uma decisão judicial que homologa acordo que influencia na vida alheia, não é adequado. Ao contrário, o usufruto dos benefícios somente deverá estar sob abrigo da coisa julgada se, ao final dos processos que envolverem o conteúdo delatado, verificar-se a satisfação das cláusulas anteriormente contratadas. Nada mais, nada menos.

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