Tripartição dos poderes

STF legisla ao criar "mutações constitucionais", diz jurista português

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28 de janeiro de 2017, 9h45

A possibilidade de criar suas próprias normas faz do Supremo Tribunal Federal a corte constitucional mais poderosa do mundo, segundo o jurista português Carlos Blanco de Morais. Para ele, de certo modo, o STF consegue legislar ao criar "mutações constitucionais”, além de tirar outros poderes da inércia, por meio do mandado de injunção.

Blanco também citou como fonte de poder do STF a Súmula Vinculante — considerada por ele uma jabuticaba. "É uma espécie de Medida Provisória do Supremo Tribunal Federal", opinou em debate com o ministro do Supremo Tribunal Federal e presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Gilmar Mendes, em São Paulo.

Como exemplo dessas "mutações constitucionais", o jurista português mencionou a interpretação da corte ao igualar as uniões homoafetivas às heterossexuais, destacando que o STF sobrepôs um princípio a uma lei. Outra fonte de poder citada por Blanco foi a possibilidade de o Supremo declarar a inconstitucionalidade de emendas constitucionais por meio de ações diretas de inconstitucionalidade e arguições de preceitos fundamentais.

Já Gilmar Mendes destacou que lidar com jurisprudência constitucional exige modéstia do Judiciário. Pois, ao contrário do Legislativo, as decisões da Justiça “são vocacionadas para não serem alteradas”, enquanto os entendimentos legislativos vão no sentido totalmente contrário, necessitando de revisões com o passar dos anos. “Não vá o sapateiro além dos sapatos”, disse, no evento produzido conjuntamente com o Instituto de Direito Público de São Paulo (IDP).

Supremo forte, mas erra
O ministro do STF ponderou que esse poder também abre margem para grandes erros, e citou os casos dos precatórios e da cláusula de barreira para partidos políticos como exemplos. O ministro do STF considerou que declarar a inconstitucionalidade de Emenda Constitucional 62/2009 “foi o maior erro do Supremo”.

Ele lembrou que a incongruência destacada na ocasião foi o índice de correção usado para o pagamento das dívidas herdadas da época da hiperinflação no Brasil. A decisão foi tão errada, segundo Gilmar Mendes, que foi pedido à corte que suspendesse os efeitos da medida até que fosse encontrado um meio termo.

De acordo com Gilmar Mendes, à época da decisão, seu colega de corte Luiz Fux elogiava o Rio de Janeiro, seu estado natal, pelos pagamentos dos precatórios dizendo que a falta de quitação por outras administrações estaduais era falta de vontade política. “Vão até o Rio de Janeiro e vejam o resultado desse projeto”, instigou Gilmar.

Em relação à cláusula de barreia, o presidente do TSE reforçou que o principal resultado negativo dessa medida foi a proliferação desenfreada de partidos — atualmente o Brasil tem 35 legendas, segundo a corte superior eleitoral. Ainda sobre eleições, Gilmar Mendes criticou a definição de doações empresariais como inconstitucionais.

O magistrado afirmou que até o pleito de 1989 — primeiro de maneira direta desde 1964 — as disputas não contavam com dinheiro de empresas, mas o caixa dois era conhecido de todos. Disse ainda que todas as eleições seguintes à eleição de Fernando Collor de Mello — que sofreu impeachment em 1992 — contaram com doações corporativas, mas ninguém sequer cogitou inconstitucionalidade.

Explicou também que, com a mudança, todos esperavam uma mudança no modelo de votação. Mas o problema, segundo ele, é que “faltou combinar com os russos”.

Guerra institucional
Durante sua exposição na Casa do Saber, promovida nesta quinta-feira (26/1), juntamente com o Instituto de Direito Público de São Paulo, Carlos Blanco traçou um modelo simples para diagnosticar se os conflitos entre as instituições tornaram-se guerra. Segundo ele, são três possibilidades: Hipertrofia do Executivo, ativismo judicial exacerbado e legislativos que assumem funções de governo.

Apesar disso, Blanco pondera que muitos Executivos pelo mundo legislam, o que não quer dizer que há guerra institucional. O jurista citou como exemplos, além do brasileiro, os governos de Portugal, Inglaterra, Alemanha e EUA.

Especificamente sobre o Brasil — que para Blanco “é um caso diferente há muito tempo” —, o português detalhou que o atual enfrentamento institucional é resultado das mudanças no balanceamento de forças entre os Poderes. Ele lembrou que até o impeachment da Dilma Rousseff o país viveu um modelo com um Executivo muito forte graças ao presidencialismo de coalizão e um Judiciário igualmente robusto.

Mas, continuou Blanco, o país viu nesses últimos 14 anos um Legislativo fraco. Porém, com a saída da então presidente petista, essa balança mudou, transferindo essa força do Executivo para o Congresso, mas mantendo o poderio do Judiciário. Nesse ponto, o jurista ressaltou que, independente da força e proeminência do Judiciário, ele “não pode cair no canto da sereia e se tornar um poder moderador” nos moldes propostos por D. Pedro I.

“O Legislativo não permitiria essa interferência”, disse, ponderando ainda, ao comparar os modelos institucionais português e brasileiro, que, no Brasil, os poderes conversam. “Em Portugal, o tribunal fala nos autos”, complementando que essa postura enclausurada da corte, principalmente em momentos de crise, irrita muito o Executivo.

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