Opinião

Precisamos falar sobre a violência contra crianças e adolescentes

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28 de janeiro de 2017, 6h15

Partindo da reflexão que fiz na obra coletiva Eu Não Quero Mais[1],  com o tema "Crianças e adolescentes em tempos sombrios: uma breve história antiga e recente da violência contra crianças e adolescentes na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro", onde menciono a notícia da morte de uma criança de quatro anos, Micaella, tendo como acusados e presos em flagrante o pai e a madrasta, infelizmente é possível constatar que a violência tem sido um grave problema a enfrentar para a proteção de crianças e adolescentes, em especial do direito à vida com prioridade absoluta.

Após um ano da morte da menina de apenas quatro anos, encontrada em casa no dia 19 de janeiro de 2016, no dia 17 de janeiro de 2017 é noticiada a morte de uma menina de 11 anos, Tiffany, após haver sido sequestrada no dia 15 de janeiro quando brincava na rua com outra amiga.

É necessário refletirmos sobre o dever de todos nós, família, sociedade e Estado, protegermos crianças e adolescentes, colocando-os a salvo de toda forma de negligência, discriminação, violência, exploração, crueldade e opressão, como determina a Constituição de 88 no seu artigo 227.

Vemos o debate sobre a infância e juventude ser pautado, principalmente em nosso Estado, pela discussão do aumento de atos infracionais atribuídos a adolescentes, e pouco se fala e discute sobre as crianças vítimas de violência, seja na família, seja nos espaços públicos.

Talvez porque não incomode a ninguém a criança que sofre silenciosamente a violência nos espaços onde deveria ser protegida, como a família, ou porque quando pede socorro não se garante devidamente o direito a ser ouvida e ter sua opinião considerada, um dos princípios fundantes da Convenção da ONU sobre Direitos da Criança de 1989, internalizada no Brasil em 1990 por meio do Decreto 99.710, ao lado do desenvolvimento e sobrevivência, não discriminação e interesse superior.

No caso da Micaella, morta em razão da violência sofrida em casa, sendo acusados a madrasta e o pai, não se tem notícia oficial de comunicação das suspeitas ao Conselho Tutelar, órgão incumbido pela sociedade de zelar pelos direitos da criança e do adolescente.

No lamentável e estarrecedor caso mais recente, da menina sequestrada enquanto brincava na rua, também exercendo um direito assegurado na normativa nacional e internacional, embora não se considere o direito a brincar, não se poderia prever e, por isso, evitar a ocorrência do crime, tendo a família sido muito atenta ao registrar no dia seguinte a ocorrência do desaparecimento.

É importante ressaltar, nessa hipótese, que o desaparecimento de crianças e adolescentes deve ser imediatamente comunicado à autoridade policial, sem prejuízo de outras providências, para as necessárias providências de investigação e tentativa de localização, sendo um mito aquela velha ideia de se esperar 24 horas.

O artigo 208, parágrafo 2º da Lei 8069/90, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, prevê que “a investigação sobre o desaparecimento de crianças e adolescentes será realizada imediatamente após a notificação aos órgãos competentes, que deverão comunicar o fato aos portos, aeroportos, Polícia Rodoviária e companhias de transporte interestaduais e internacionais, fornecendo-lhes todos os dados necessários à identificação do desaparecido (incluído pela Lei 11.259/2005)”.

Também no estado do Rio de Janeiro é importante destacar o excelente trabalho feito pelo Programa SOS Criança Desaparecida, mantido pela Fundação para a Infância e Adolescência, que pode ser procurado pelas famílias logo após registro de ocorrência policial.

A sensação de todos nós, atores do Sistema de Garantia de Direitos, previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente como conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais para desenvolver a política de atendimento dos direitos de crianças e adolescentes, a cada morte de uma criança, especialmente em razão de violência, seja no âmbito familiar ou praticada por qualquer outra pessoa, é de que morremos um pouco e perdemos a esperança na humanidade. Se a morte em si é um grande drama da humanidade, aquela decorrente de violência e tendo como vítima uma criança, que deveria ser acolhida no mundo pela família, pela sociedade e pelo Estado para um adequado crescimento como pessoa em condição peculiar de desenvolvimento, a merecer todo respeito e ter seus direitos assegurados, nos leva a uma desumanização.

Precisamos cada vez mais de políticas públicas desenvolvidas pelo Estado de mãos dadas com a sociedade civil nos espaços de discussão da política de atendimento, como os conselhos de direitos nas esferas nacional, estadual e municipal, para que possamos cumprir a promessa constitucional de proteção integral.


[1] Eu Não Quero Mais. Organização Márcia Gatto, Elizabeth Serra Oliveira, 1ª edição, Rio de Janeiro, Imperial Novo Milênio, 2016.

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