Opinião

Boas mudanças nas regras de pagamento de precatórios

Autor

  • Bruna Lícia Pereira Marchesi

    é advogada graduada pela Unesp pós-graduada em Direito do Trabalho e em Processo Civil. Desde 2014 atua na área de Direito Administrativo – contencioso judicial no escritório Vernalha Guimarães & Pereira Advogados.

27 de janeiro de 2017, 6h26

Precatórios são requisições de pagamento expedidas pelo Poder Judiciário para cobrar da Fazenda Pública (município, estados, União, autarquias e fundações) o pagamento de condenações judiciais definitivas.[1] Os precatórios costumam demorar muitos anos para serem pagos. Porém, no final de 2016 surgiram importantes mudanças no regime de precatórios que podem alterar esta realidade: em 15 de dezembro de 2016 foi promulgada a Emenda Constitucional (EC) 94 que alterou diversos dispositivos da Constituição Federal (CF) e do seu Ato de Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), com vigência imediata.

A primeira alteração da EC 94/16 foi na redação do §2º do artigo 100 da CF para incluir, nos débitos de natureza alimentícia, a preferência também aos portadores de deficiência (além da já existente preferência aos titulares com sessenta anos de idade ou mais e portadores de doença grave).

A segunda mudança foi a inclusão dos §§ 17 a 18 no artigo 100 da CF: União, estados, Distrito Federal e municípios deverão aferir mensalmente, em base anual, o comprometimento de suas respectivas receitas correntes líquidas (definidas no § 18) com o pagamento de precatórios e obrigações de pequeno valor.

Em terceiro, a EC 94/16 também incluiu os §§ 19 e 20 no artigo 100 da CF criando novas possibilidades na forma do pagamento. Em síntese, as novas regras permitem: (i) o financiamento de dívidas de precatórios e RPV em relação ao excedente, quando o montante total de débitos em um ano ultrapassar a média do comprometimento percentual da receita corrente líquida nos cinco anos anteriores; e (ii) o pagamento de 15% da dívida no exercício financeiro seguinte e o restante parcelado nos cinco anos subsequentes, com correção monetária e juros — desde que os precatórios sejam superiores a 15% do valor dos precatórios apresentados no orçamento ou mediante acordo perante Juízos Auxiliares de Conciliação de Precatórios com redução máxima de 40% do valor atualizado da dívida.

A quarta e talvez mais interessante mudança trazida pela EC 94/16 foi a inclusão do artigo 101 no ADCT: todos os precatórios dos Estados, DF e Municípios vencidos na data base de 25 de março de 2015 deverão ser pagos até 31 de dezembro de 2020.

Para tanto, estes entes devem depositar mensalmente, em conta especial do tribunal de Justiça correspondente, 1/12 do valor calculado percentualmente sobre as respectivas receitas correntes líquidas, apuradas no segundo mês anterior ao mês de pagamento, em percentual suficiente para a quitação de seus débitos (nunca inferior à média do comprometimento percentual da receita corrente líquida no período de 2012 a 2014). Ainda, o dispositivo estabelece quais recursos orçamentários podem ser utilizados para o pagamento, ressaltando-se a possibilidade de contração de empréstimo.

O novo artigo 101, ADCT, cria a legítima expectativa de recebimento aos credores. No entanto, cabem duas observações. A primeira é que a quitação até 31 de dezembro de 2020 não foi imposta à União Federal (precatórios federais).

A segunda é a percepção de que a regra não será integralmente cumprida. Na atual situação de crise no país, em que diversos estados já declararam estado de calamidade pública financeira, parece difícil que os estados e municípios sejam capazes de atender ao comando constitucional, principalmente sem deixar de cumprir outras obrigações financeiras básicas (como pagamento de salários e investimentos mínimos em saúde e educação). O déficit financeiro dos entes públicos se mostra um empecilho de difícil ou impossível transposição para o cumprimento do artigo 101, ADCT. Por isso, não será uma surpresa se a regra vier a ser alterada pelo Legislativo ou até pelo Judiciário em decorrência de pressões políticas. Também não surpreenderá se a regra for simplesmente descumprida, hipótese em que se verá uma enxurrada de ações de responsabilização dos gestores públicos. É um risco que talvez os gestores não tenham como escapar.

E por se mencionar a possibilidade de responsabilização dos gestores públicos, convém trazer a quinta alteração promovida pela EC 94/16. Trata-se da inclusão do artigo 104 no ADCT que prevê diversas consequências para a não liberação dos recursos referidos no artigo 101. Além da responsabilização do gestor pela lei de responsabilidade fiscal e de improbidade administrativa, o ente público terá repasses retidos e estará impedido de receber transferências voluntárias[2] e contrair empréstimos (exceto para a própria quitação dos precatórios) e ainda poderá sofrer sequestro[3]

A gravidade das consequências pelo descumprimento do artigo 101 tem o evidente intuito de garantir a eficácia da regra. Ainda assim, persistirão as dificuldades realísticas e matemáticas. Caberá aos entes públicos encontrar soluções para cumprir o prazo e evitar prejuízos ainda maiores.

Mas não é só. A EC 94/16 trouxe ainda uma sexta alteração. Incluiu o artigo 102 no ADCT que prevê que, durante a vigência do regime especial (até 31/12/2020), pelo menos 50% dos recursos que forem destinados ao pagamento dos precatórios em mora serão utilizados no pagamento segundo a ordem cronológica de apresentação, respeitadas as preferências, sobre todos os demais créditos de todos os anos. O parágrafo único permite o uso dos recursos remanescentes para pagamento diante acordos (sempre mediante o Juízo de Conciliação e com desconto máximo de 40% do valor atualizado).

Além disso, como sétima alteração, houve a inclusão do artigo 103 no ADCT. Enquanto estados, DF e municípios estiverem efetuando o pagamento da parcela mensal prevista no artigo 101, eles — e suas autarquias, fundações e empresas estatais — não poderão sofrer qualquer sequestro de valores, exceto no caso de não liberação tempestiva dos recursos (isto é, se deixarem de efetuar o depósito mensal).

Por fim, a oitava alteração da EC 94/16 foi a inclusão do artigo 105 no ADCT que permite a compensação: se em 25 de março de 2015, o credor dos precatórios (seja ele o titular, o sucessor ou o adquirente) tiver um débito para com o ente público devedor[4], ele poderá, a seu critério, se utilizar do crédito para compensar a dívida. [5]

Dito tudo isto, ao se analisar a arquitetura da EC 94/2016 vislumbram-se boas mudanças, em especial, o fomento à negociação de pagamento de precatórios, a possibilidade de compensação e o notável esforço para agilizar os pagamentos de precatórios pendentes. É provável que a EC 94/2016 tenha sido demasiadamente otimista ao considerar o pagamento de todos os precatórios atrasados em 25 de março de 2015 até 31 de dezembro de 2020, principalmente pela precária situação financeira atual dos entes públicos. De qualquer forma, as regras estão vigentes e devem ser observadas por todos os entes públicos (exceto União e suas autarquias e fundações). Ao menos por ora, a EC 94/2016 é motivo de comemoração e esperança para quem possui crédito por precatórios.


[1] Ou seja, sempre que o particular (pessoa física ou jurídica) adquire um crédito em ação judicial superior ao limite de requisição de pequeno valor – RPV (que varia conforme o ente devedor – vide art. 86 do ADCT da CF/88) o pagamento é feito por precatórios, observada a ordem cronológica de apresentação, conforme prevê o art. 86 do ADCT da CF/88.

[2] Transferências voluntárias são aquelas oriundas de outros entes públicos que não derivam de lei, como, por exemplo, convênios entre órgãos públicos para obras.

[3] Apreensão de valores ou bens por ordem judicial para assegurar o pagamento devido.

[4] Parece evidente que o débito deve ser com o ente público que deve pagar os precatórios, não sendo possível a compensação quando não houver identidade entre credores e devedores. Por exemplo, se o particular possui um precatório a ser pago pelo Estado do Paraná ele não poderá se valer da compensação para saldar dívida que tenha com a União (mas apenas com o próprio Estado do Paraná).

[5] Ressalva-se, porém, que as compensações não se aplicam a qualquer tipo de vinculação, como as transferências a outros entes e as destinadas à educação, à saúde e a outras finalidades.

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