Mea culpa

Aragão pede desculpas a conselheiros por chamar CNMP de corporativista

Autor

27 de janeiro de 2017, 18h54

O ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão pediu desculpas aos integrantes do Conselho Nacional do Ministério Público por ter afirmado, em artigo publicado na ConJur, que o órgão era corporativista e só punia promotores e procuradores da República por suas faltas quando lhes fosse politicamente conveniente.

De acordo com o subprocurador-geral da República, a crítica foi injusta. O problema, a seu ver, é a arquitetura do controle dos integrantes do MP, a sua estrutura orgânica e os conselheiros.

Leia o artigo:

Um pedido de escusas aos conselheiros do Conselho Nacional do Ministério Público

Eugênio Aragão

Informaram-me que artigo que escrevi e foi publicado na ConJur, com o título É importante lembrar que, numa república, ninguém pode se eximir de controles, levou alguns membros do Conselho Nacional do Ministério Publico (CNMP) a se sentirem ofendidos por ataque que legitimamente entenderam injustos.

Nos meus artigos em que me confronto com a atual cultura proativa da Justiça e do Ministério Público tento expor ideias e não promover ofensas. Os tempos por que passamos são difíceis e os ânimos estão exaltados devido à extrema polarização política já advinda das eleições de 2014 e encrudescida com o golpe de 2016 e a atuação pouco cautelosa de alguns membros do Ministério Público, do Judiciário e da polícia, que promovem um show midiático com clara finalidade de se fortalecerem aos olhos da sociedade como carreira, sem preocupação dos impactos políticos e econômicos provocados.

É evidente que não fiquei imune a este ambiente conflagrado, pois, estando no olho do furacão nos últimos meses do governo legítimo da presidenta Dilma Vana Rousseff e assistindo, da primeira fila da plateia, o desenrolar da trama que urdiam os perdedores inconformados da eleição, seria pedir demais que tudo aceitasse com o asceticismo de um faquir. Mas, de forma nenhuma, pretendo, com meus escritos, ofender colegas que muito prezo e com quem tenho relação cordial há anos, como é o caso de conselheiros do CNMP. Por isso, desde logo, expresso aqui meu pedido de escusas acaso tenha ferido alguém com minhas palavras naquele artigo.

Vamos a ele. No texto, há referência ao Conselho Nacional do Ministério Público no seguinte excerto:

"Quando, na reforma do Judiciário, no curso na elaboração da EC 43/2004, se introduziu no debate a criação dos conselhos nacionais de Justiça e do Ministério Público, parlamentares cogitaram de compô-los com representantes da sociedade civil e da academia. O veto político da aristocracia judicial e parajudicial não tardou de vir, com advertências de gente do excelso sodalício de que uma tal iniciativa poderia se considerar maculada de inconstitucionalidade porque viciaria a independência dos poderes. Nada mais hilário, a representação do povo, de quem emana todo poder, ser causa de inconstitucionalidade!

O resultado desse veto está aí: temos dois órgãos de controle 'externo' que pouco têm de externo. São parte da mesma visão endógena das respectivas corporações. E punem ou poupam quando querem e lhes é politicamente conveniente, com a agravante de que esse 'politicamente', na maioria dos casos, se resolve no apoio ou na rejeição das corporações a que pertencem. Há pouquíssimo espaço, num colegiado desses, de se firmar uma maioria contramajoritária a repudiar manobras corporativistas.

No âmbito interno de cada instituição do Poder Judiciário e do Ministério Público a situação é ainda pior, com o governo da casa eleito pelos pares. Membros do Conselho Superior dos diversos ramos do Ministério Público se esmeram por serem aplaudidos pelos colegas nas decisões que tomam. Veem-se muito mais como representantes de uma categoria do que como atores do governo da instituição. Governo é controle. É capacidade de tomar decisões racionais. Com membros do colegiado escolhidos pela simpatia à causa corporativa, não há governo, não há controle e, evidentemente, não há accountability”.

O trecho que, de certo, mais causou polêmica, e não sem razão, foi aquele em que afirmo que os conselhos de controle "punem ou poupam quando querem e lhes é politicamente conveniente, com a agravante de que esse ‘politicamente’, na maioria dos casos, se resolve no apoio ou na rejeição das corporações a que pertencem. Há pouquíssimo espaço, num colegiado desses, de se firmar uma maioria contramajoritária a repudiar manobras corporativistas." Confesso que não fui feliz nessa formulação. Antes de mais nada, é preciso dizer que não pretendo fazer acusações individualizadas. Não se trata de dizer que este ou aquele membro do colegiado prevaricou ou agiu com desvio de função. Muito mais, tentei – reconheço que não com as melhores palavras – descrever uma disfunção estrutural advinda da escolha de membros de órgãos de controle por seus próprios pares. Não há, porém, um impulso voluntarista de punir “quando querem e lhes é politicamente conveniente”. Esta é uma afirmação injusta, formulada no calor da discussão e dela me penitencio.

Fui por um mandato membro do Conselho Superior do Ministério Público Federal. Quando eleito, tive votação significativa. Durante meu mandato, busquei, porém, agir sem preocupação de agradar ou desagradar, seguindo minha consciência e aquilo que entendia ser republicano. Posicionei-me contra projeto que disciplinava forças-tarefa, ao argumento de que criava um construto excessivamente poderoso e descontrolado. Votei contra a possibilidade de colega lotado sozinho em unidade do MPF obter licença para estudos fora da sede, eis que essa licença implicaria elevados custos de substituição por colegas de fora, com pagamento de diárias e passagens. Fui relator de resolução que, na regulamentação da organização interna das unidades, prescrevia o rodízio entre ofícios a cada dois anos, para garantir a todos atuação em áreas mais atrativas; esse dispositivo gerou inconformação de colegas encastelados em ofícios mais nobres, que não queriam largar o "osso"; fui insultado e xingado. Fui contrário a resolução que disciplinava indenização de plantões, por entender que essa matéria refugia da competência do Conselho Superior e porque a verba só poderia ser concedida por lei e não pela via administrativa. O resultado dessa atuação foi esperado: não me reelegi. Mas fiquei de bem com minha consciência.

Como corregedor-geral do MPF levei muita bola nas costas, não só no esforço de descentralizar a atuação da corregedoria para torná-la mais eficiente, mas principalmente também em procedimentos disciplinares, muitos arquivados ou trancados por razões pouco sólidas. Houve até enaltecimento de colega investigado. Tentei me socorrer do CNMP e nunca tive sucesso. Os processos simplesmente não andavam, sequer a tempo de evitar prescrição.

Participei, como corregedor-geral, do Conselho Nacional dos Corregedores-Gerais do Ministério Público, órgão que congrega o corregedor nacional e os corregedores-gerais de Ministérios Públicos estaduais e dos diversos ramos do Ministério Público da União. Um dos temas frequentes era a falta de limites de colegas nas manifestações em redes internas, em que lançavam suas broncas políticas, suas antipatias pessoais e seus preconceitos sem papas nas línguas, ferindo o decoro e o dever de urbanidade. Sobre esse assunto, já havia postado mensagem na rede interna do MPF, lembrando aos colegas de seus deveres funcionais em manifestações na rede. Minha mensagem chegou a ser objeto de chacota na própria rede. Nas discussões no Conselho Nacional dos Corregedores-Gerais, pedimos ao corregedor nacional que a matéria fosse disciplinada, já que muitos conselhos superiores entendiam que não se devia obstar aquilo que entendiam ser o direito de livre manifestação de opinião. Foi prometida a regulamentação que, todavia, nunca veio. O assunto é realmente muito espinhoso nas corporações.

Foi essa experiência que calçou minhas afirmações. Não houve, por óbvio, nenhuma intenção de atribuir a fulano ou beltrano a violação de seus deveres funcionais. Tenho pelos conselheiros não só respeito, mas, por muitos, também, admiração de quem os conhece há mais tempo. Sei que dão o melhor de si e têm pelo Brasil o mesmo amor que também tenho. A crítica que fiz diz respeito à arquitetura do controle, a sua estrutura orgânica e não a pessoas. Devo lembrar que muitos, como eu, quando estive no conselho superior do MPF, estão sujeitos a fortes pressões corporativas, por conta de terem sido eleitos para seus mandatos.

Fica aqui, mais uma vez, meu sincero pedido de desculpas e, também, minha garantia de que passarei a ter maior cuidado nos escritos, para não mais ferir legítimas suscetibilidades de colegas a quem quero bem".

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!