Herança processual

Acervo de Teori no Supremo é composto de diversos temas de interesse do governo

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25 de janeiro de 2017, 8h09

A julgar pelos processos que estavam sob responsabilidade do ministro Teori Zavascki no Supremo Tribunal Federal, seu substituto terá bastante responsabilidade com a pauta fiscal do governo. Segundo o tribunal, o ministro deixou um acervo de 7,5 mil processos no gabinete. Entre esses e os que o ministro havia pedido vista há casos fundamentais para a estabilidade econômica do país e para a agenda do governo federal.

Depois da morte do ministro, na quinta-feira (19/1), o presidente Michel Temer passou o fim de semana definindo quais seriam os critérios a seguir para a indicação do substituto de Teori. Entre os assuntos mais importantes, os planos econômicos e as reformas trabalhista e previdenciária e a emenda constitucional que instituiu um teto de gastos para o governo federal.

Teori seria fundamental em todas essas discussões. Embora de perfil reconhecidamente técnico, o ministro também era conhecido por concordar com a prioridade do interesse público sobre o privado. Foi esse o pensamento por trás de todas essas reformas, entende o governo.

O caso mais tumultuoso da pauta do Supremo hoje é o dos planos econômicos. Em cinco processos, o tribunal discute a constitucionalidade dos expurgos inflacionários decorrentes dos planos, desenvolvidos entre os anos 1980 e 1990 para tentar derrubar a hiperinflação. Os expurgos seriam a diferença entre a inflação da época e os índices de correção da caderneta de poupança. Poupadores reclamam o direito à soma em dinheiro; o governo e os bancos discordam.

Não há consenso a respeito dos valores envolvidos nessas discussões. De todo modo, são bilhões de reais, o suficiente para prejudicar os maiores bancos privados do país. Os casos são relatados pelos ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Dias Toffoli, mas o debate será apertado. Os ministros Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Luiz Edson Fachin se declararam impedidos, e o caso será julgado com quórum mínimo para questões constitucionais.

Isso significa que o ministro a ser nomeado não pode ter relação com esse processo, ou também não poderá julgá-lo, inviabilizando a discussão. Portanto, cada voto conta. E Teori era contado como um voto a favor do governo — e dos bancos.

Remédios
O ministro Teori havia pedido vista dos recursos que discutem se o Estado é obrigado a fornecer remédios de alto custo não registrados pela agência reguladora do setor, a Anvisa. Ele ainda não havia devolvido o caso nem pedido pauta para julgamento. O julgamento já conta com os votos do relator, ministro Marco Aurélio, e dos ministros Luiz Edson Fachin e Luís Roberto Barroso.

Marco Aurélio entendeu que o Estado só deve ser obrigado a fornecer os remédios não autorizados no Brasil se eles já tiverem sido aprovados em outros países, nos casos em que o paciente não possa pagar e se estiver comprovada a indispensabilidade dos medicamentos para o tratamento. Fachin o acompanhou.

Barroso divergiu em parte. Disse que o Sistema Único de Saúdo (SUS) deve bancar o tratamento se ele estiver na lista do órgão. Caso não esteja, a decisão deve ser do juiz do caso.

O caso é de extremo interesse tanto da União quanto dos estados e municípios, já que a Constituição diz que a saúde é de responsabilidade compartilhada de todos os entes federais. E de acordo com o Ministério da Saúde, o número de ações judiciais sobre o tema vem aumentando ao longo dos anos. O ministro da Saúde, Ricardo Barros, na época em que o processo entrou na pauta do Supremo, disse que a judicialização da saúde custa R$ 7 bilhões ao país e desestrutura o SUS.

Telecomunicações
Um dos casos célebres que era de relatoria do ministro Teori é o mandado de segurança que tenta impedir a sanção da lei que reformou a Lei Geral de Telecomunicações. O texto, já aprovado pelo Congresso, muda o regime da telefonia fixa de permissão para autorização e é de grande interesse para as empresas do setor. Havia pedido de liminar no mandado de segurança, mas a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, não viu urgência no assunto e encaminhou o processo para o gabinete do relator.

As companhias comemoram o fato de a nova lei ter permitido a transformação das multas aplicadas a elas pela Anatel, agência reguladora do setor, em investimentos. Também o fato de a lei permitir que os bens de propriedade da União hoje usados pelas operadoras sejam transferidos a elas, desde que se comprometam a investir o que economizarem. Pela lei original, esses bens deveriam ser devolvidos em 2020.

De acordo com as contas do Tribunal de Contas da União, a transferência dos bens resultará em economia de R$ 87,3 bilhões. Das multas, só a Oi tem R$ 20 bilhões a pagar.

Já o governo acompanha o caso de perto justamente por causa da Oi, de quem é acionista. A empresa acumula R$ 65 milhões em dívidas, e a transferência dos bens da União para ela e um alívio nas multas pode ajudar nas negociações e nos problemas de caixa do governo.

Teori também era relator de um recurso extraordinário com agravo que discutia a constitucionalidade da terceirização de serviços por empresas de telecom. O caso teve a repercussão geral reconhecida, estava pronto para ser julgado e chegou a ser pautado. Teve a discussão suspensa porque o ministro Luís Roberto Barroso, relator de uma ADPF que discute o tema, também liberou o voto, mas o caso não foi incluído na pauta. Por determinação legal e regimental, processos objetivos têm preferência sobre processos subjetivos.

Responsabilidade fiscal
Um desses casos antigos, esquecidos na pauta do Supremo, também andou chamando a atenção do governo. É uma ação direta de inconstitucionalidade contra diversos dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal. Especialmente o artigo 20. O ministro Teori era o relator, mas a ação foi inicialmente distribuída ao ministro Ilmar Galvão, em 2000.

O dispositivo estabelece o chamado “subteto” para gastos com pessoal. O artigo 19 estabelece tetos globais para os gastos com pessoal para a União, para os estados e para os municípios. Já o artigo seguinte estabelece tetos específicos para o Legislativo, para o Judiciário, para o Ministério Público e para o Executivo, em todas as esferas.

De acordo com os autores da ação, os partidos PCdoB e PT, o artigo é inconstitucional por violar o pacto federativo e o poder regulamentador dos entes federados. Em 2007, o Supremo rejeitou o pedido de liminar na ação, e o mérito nunca foi discutido até hoje.

O governo acompanha a tramitação desse processo por causa dos reflexos federativos. Hoje, estados e municípios se declaram em crise — no caso do Rio de Janeiro, em “calamidade pública” — justamente por causa de gastos com folha de pagamento. Os limites com gasto de pessoal foram criados pela LRF para tentar impor a administradores públicos limites com a vinculação de suas receitas. Caso o Supremo declare o artigo inconstitucional, a pauta corporativa inevitavelmente passará a dominar os debates legislativos nos estados e municípios.

Teori havia sido sorteado como novo relator e já havia pedido pauta em setembro de 2016. Antes dele, o ministro Cezar Peluso, que entrou na vaga de Galvão, já havia sido relator e nunca liberou o caso para julgamento.

No Supremo, a tendência é que a discussão de mérito siga a decisão na cautelar, mas a composição que discutiu o dispositivo em 2007 era muito diferente: inicialmente, em 2000, participaram do julgamento os ministros Ilmar Galvão, Carlos Velloso, Octávio Gallotti, Néri da Silveira, Celso de Mello e Marco Aurélio. Um ano depois, votaram Sepúlveda Pertence, Ellen Gracie e Nelson Jobim. Entre 2002 e 2007, outros pedaços da lei foram discutidos, contando com votos dos ministros Maurício Correa, Ayres Britto e Eros Grau. O ministro Gilmar Mendes chegou ao tribunal em 2002, mas se declarou impedido por ter sido advogado-geral da União na época da elaboração da lei, de autoria do governo federal.

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