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Estado mínimo criou colapso dentro e fora de presídios brasileiros

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23 de janeiro de 2017, 13h45

Há pelo menos 40 anos o Ministério Público tenta, pela via judicial, obrigar o Estado a humanizar os presídios. E o Judiciário, na maioria das vezes, demonstrou entender serem discricionárias as decisões do Poder Executivo a respeito. Não se cuida, contudo, de política humanitária, mas de cumprimento da lei, que proíbe a superlotação de presídios e impõe, por exemplo, a separação dos presos condenados dos acusados ainda não julgados, bem como a observância de condições mínimas de segurança, salubridade e dignidade dos presos.

Tratar com abuso inaceitável quem foi privado da liberdade, justamente por ter cometido abusos inaceitáveis, indica desordem institucionalizada, provocando naturais rebeliões.

É certo que, até a década de 1980, o sistema carcerário ainda estava sob controle. Também fora dos presídios ainda havia segurança. Uma pessoa podia andar pela cidade, mesmo à noite, sem ser incomodada.

Tudo saiu do controle na década de 1990, quando o governo aderiu à cartilha da globalização econômica que, entre outras maldades sociais, impôs as teorias do Estado mínimo e da contenção de movimentos sociais.

Deveria a globalização unificar o comportamento das nações em todos os campos das relações humanas, especialmente na aceitação de diferenças raciais e religiosas, na cultura, educação, ciência e tecnologia. Isolando-se, entretanto, na área econômica, em vez de reduzir, acabou acentuando desigualdades.

Seria aceitável também a teoria do Estado mínimo se defendesse a menor intervenção estatal nas atividades privadas e a redução criteriosa da máquina administrativa ao tamanho do necessário à prestação eficiente dos serviços públicos essenciais à sociedade. Quando, todavia, desqualifica os serviços públicos e promove o sucateamento da máquina pública, com o objetivo de escolher beneficiários de privatizações e terceirizações, com concessões e vendas dirigidas, essa teoria pode acarretar sérios danos à organização social.

Não é verdade, a priori, que o que é público é ruim e só tem bom resultado o que parte da iniciativa privada. Há instituições públicas e privadas de excelência. Há algumas décadas, aliás, as melhores escolas, em todos os níveis, hospitais e empresas do país eram públicos.

É necessário compreender que ideologias político-partidárias estatizantes ou privatizantes iludem, mas não existem, apenas servindo para dar formal roupagem ao seu verdadeiro objetivo, que é a acomodação da gestão de recursos públicos e sociais nas mãos de grupos adeptos desta ou daquela facção.

Por esse equivocado caminho, a teoria do Estado mínimo cria governos fortes e enfraquece o Estado, tendendo sempre a beneficiar, assim, pequeno número de poderosos grupos econômicos que, continuam, num circulo vicioso, a financiar eleições do mesmo núcleo de poder, numa troca de favores entre corruptos. Não é o governo que deve ser forte, mas o Estado.

Só o Estado forte, com a meritocracia e a profissionalização de seus recursos humanos e com o investimento em adequada estrutura material, pode produzir saúde, educação e segurança pública de qualidade. Deve, assim, ser do tamanho do necessário, nem mínimo, nem máximo.

Nada impede que a iniciativa privada suplemente a atividade pública. Funções típicas do Estado, todavia, não podem ser delegadas a empresários, até tendo em vista os conflitos de interesses. Não há lugar para a promiscuidade entre o público e o privado.

De outra parte, só se podem conter movimentos sociais legítimos atendendo-se as reivindicações ou demonstrando-se a impossibilidade de fazê-lo. É temerária e até criminosa, porém, a deliberada criação de uma fila de desempregados, como ocorreu na década de 1990, com a finalidade de acabar com a possibilidade de greve, principal instrumento de negociação trabalhista, e, assim, aniquilar a ação sindical.

O certo é que tais teorias políticas debilitaram os órgãos públicos, incluindo a polícia, e levou o índice de desemprego nos grandes centros a mais de 20%, acabando por empurrar legiões de jovens à vadiagem e, em seguida, ao uso de drogas e, depois, ao tráfico, ao roubo e daí por diante, até chegar ao crime organizado ultraviolento.

Deu no que deu. A polícia tornou-se insuficiente e menos qualificada para vigiar e coibir a ação dos delinquentes dentro e fora dos presídios, o que só se agravou com a dita fila de desempregados e a consequente explosão da população carcerária.

Se um condenado corre riscos dentro do presídio, aqui fora não é diferente, pois o cidadão honesto corre a toda hora risco de vida em assaltos e barbáries à luz do dia, em qualquer lugar e até trancafiado dentro de casa. Uma terra sem lei, de salve-se quem puder, em que só o bandido está armado.

A privatização ou terceirização de atividades típicas do Estado, como a administração de presídios, além de aumentar despesas públicas com o superfaturamento, só potencializa o risco de rebeliões, como já comprovado.

Assim, a solução da guerra nos presídios passa necessariamente pela existência de honesta política de trabalho e emprego, pelo fortalecimento da segurança pública fora dos presídios e, enfim, pelo restabelecimento do Estado.

É preciso que a globalização recomece por outros caminhos. É preciso que a ética prevaleça sobre a economia.

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