Limite Penal

Por que a testemunha precisa depor em juízo no Processo Penal?

Autor

20 de janeiro de 2017, 7h00

Spacca
Um aluno me perguntou por que eu insisto com a tese de que é imprescindível que uma testemunha/informante, já ouvida na investigação preliminar, tenha seu depoimento “novamente” tomado em juízo, quando a ampla jurisprudência pensa o contrário? Respondi dizendo que as informações produzidas na investigação preliminar podem ser classificadas, prima facie, em: a) perícias; b) documentos; c) testemunhos; e d) interrogatório.

Na fase da investigação preliminar inexiste contraditório, categoria essencial à validade democrática do elemento capaz de ser utilizado para condenar alguém, bem assim imediação judicial na colheita das provas, além de ausente ampla defesa e contraditório. A distinção é amplamente trabalhada, valendo conferir o novo Direito Processual Penal (Saraiva, 2017), de Aury Lopes Jr. e no meu Guia do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos, no prelo.

Para tanto, no tocante aos documentos e perícias, surge a possibilidade do contraditório diferido, a saber, depois de instaurada a ação penal, o acusado poderá impugnar:

a) os documentos argumentativamente, por contraprova ou incidente de falsidade (CPP, art. 145);

b) as perícias com prova testemunhal, contraprova (se possível), inclusive com assistente técnico (CPP, artigo 159);

c) a prova testemunhal deve ser renovada para o fim de adentrar a porta do contraditório, justamente porque na investigação preliminar não houve – nem se está defendendo que haja – produção em contraditório. Perceba-se que nem mesmo há possibilidade de contraditório diferido, dada a impossibilidade, por definição, de se indagar o depoente ausente. Tanto é assim que, se for urgente, é cabível a produção antecipada de provas (CPP, art. 156, I). O próprio sistema reconhece que a entrada válida do depoimento, em casos de urgência e relevância, deve ser feita pela via do contraditório e da imediação judicial, não obstante, em geral, ausente imputação formalizada. O que não pode ocorrer é uma entrada pela abertura forçada da regra do art. 155 (O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas) do CPP, porque o conjunto referenciado é das irrepetíveis, situação diversa da prova testemunha; e

d) o interrogatório do acusado, dado que tem o direito de mentir e não há acusação formalizada, também, para fins de prova processual é inservível, a uma, por ausente imputação, a duas, por ausente contraditório; a três, porque se tratava exclusivamente de investigação preliminar (ou flagrante), tendo franca liberdade de não produzir prova contra si mesmo.

Em síntese, o trajeto de aquisição válida da informação/prova capaz de ser considerado para fins de decisão judicial, demanda a passagem necessária pelo contraditório diferido nos casos de perícias e documentos, com a exigência democrática de que a prova oral seja produzida em face do contraditório e da imediação jurisdicional.

Sequer trata-se de “renovação”, já que o ato processual, em contraditório, é originário, sendo preguiçosa, abusiva e manipuladora da denominada mera confirmação do que foi dito na fase policial. Enquanto não se entender a função democrática do processo, continuaremos com práticas autoritárias. Se o contraditório não é necessário, qual a razão de se gastar com processo, com Ministério Público e juízes?

Daí que durante a fase anterior à ação penal executam-se “atos de investigação”, desprovidos da garantia de Jurisdição, do contraditório e da ampla defesa, dentre outros. O estabelecimento, sem mais, de vasos comunicantes entre os atos de investigação e os atos probatórios judiciais é estranho ao devido processo penal substancial, até porque deve-se ler o CPP conforme o disposto na Constituição e não o contrário. Somente a leitura obtusa e alheia ao contraditório continua aceitando que declarações da investigação preliminar, aptas à decisão de recebimento da imputação, sejam levadas em conta na decisão judicial.

Autores

  • Brave

    é juiz em Santa Catarina, doutor em Direito pela UFPR e professor de Processo Penal na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e na Univali (Universidade do Vale do Itajaí).

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!