Drástico e polêmico

Uso das Forças Armadas para fiscalizar presídios é inconstitucional

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17 de janeiro de 2017, 19h31

O governo Michel Temer autorizou nesta terça-feira (17/1) a atuação das Forças Armadas nos presídios para fazer inspeções rotineiras de materiais proibidos, como armas, celulares e drogas, e reforçar a segurança nas unidades. No entanto, especialistas ouvidos pela ConJur avaliam que a medida é inconstitucional, pois extrapola as funções dos militares, e não terá grande impacto na superação da crise carcerária pela qual o país passa, e que já gerou 134 vítimas em 2017.

Exército Brasileiro
Fiscalização de presídios não é uma atividade atribuída pela Constituição
ou outra lei às Forças Armadas.
Exército Brasileiro

O artigo 142 da Constituição afirma que as Forças Armadas “destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”. Por sua vez, a Lei Complementar 97/1999, que regulamenta as atividades dos militares, prevê, em seu artigo 16-A, que os oficiais podem participar de ações preventivas ou repressivas, mas apenas contra “delitos transfronteiriços e ambientais”.

A mesma norma autoriza, nos artigos 17, 17-A e 18, que o Exército, a Marinha e a Aeronáutica auxiliem na repressão aos “delitos de repercussão nacional ou internacional”, respectivamente, no território brasileiro, áreas marinhas, fluviais e portuárias, e espaço aéreo e campos aeroportuários.  Contudo, os três dispositivos só permitem que tais ajudas sejam feitas “na forma de apoio logístico, de inteligência, de comunicações e de instrução”.

Para o advogado e colunista da ConJur Aury Lopes Jr., a medida do governo é “uma tentativa desesperada de resolver um problema bem mais complexo” e representa um desvio das finalidades constitucionais das Forças Armadas.

Nessa mesma linha, o criminalista Fernando Augusto Fernandes avalia que o governo somente poderia usar as Forças Armadas para intervir em presídios se o Brasil estivesse em estado de defesa ou de sítio – que exigem graves ameaças à ordem pública ou à paz social. Mesmo assim, a ação teria que ser aprovada pelo Congresso, como fixa o artigo 34, VII, “b”, da Constituição.

Bruno Marins/OAB-RJ
Para Marcelo Chalréo, uso de militares como policiais e agentes carcerários é "absolutamente inconstitucional"
Bruno Marins/OAB-RJ

Já o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Seccional do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil, Marcelo Chalréo, aponta que a proposta do governo é “absolutamente inconstitucional”, e “um completo desvirtuamento" das funções das Forças Armadas. “É lamentável que um presidente que foi professor de Direito Constitucional e autor de diversos livros sobre o assunto apresente uma sugestão dessas”, reclama.

Por sua vez, o criminalista e constitucionalista Adib Abdouni entende que as Forças Armadas só podem ser usadas em penitenciárias se o governo estadual local declarar sua impossibilidade momentânea de controlar a situação. Tal admissão de incapacidade, porém, teria “nítidos impactos desfavoráveis” para o Executivo dos estados que a fizessem.

Outro lado
Além dos constitucionalistas Michel Temer e Alexandre de Moraes — ministro da Justiça —, outros advogados apoiaram o uso das Forças Armadas na fiscalização de materiais ilícitos em presídios. De acordo com a especialista em Direito Constitucional Vera Chemim, somente com a cooperação entre os três Poderes que será possível vencer as facções criminosas.

Embora opine que a medida “parece uma ação desesperada”, que “traz um significado de convulsão social, de alarmismo, de pânico”, o criminalista Fabrício de Oliveira Campos sustenta que os militares poderiam ser usados de maneira excepcional e temporária quando solicitado pelos estados.

Ação ineficaz
Além de ter sua constitucionalidade discutível, o uso de militares em presídios é um ato ineficaz e demagógico, e não ataca as reais causas da crise carcerária, apontam especialistas no assunto. Para a socióloga Julita Lemgruber, ex-diretora do Sistema Penitenciário do Rio de Janeiro, o governo Temer deveria direcionar sua atuação para combater a superlotação das prisões.

Dessa forma, Julita ressalta que prioridade máxima teria que ser articular com Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, um grande mutirão para retirar dos estabelecimentos os presos provisórios (que representam 40% da população carcerária) que não tem geram riscos à investigação ou às ordens pública e econômica, e aqueles que já têm direito de progredir de regime, obter livramento condicional ou indulto, ou cumprir a pena em casa ou de outra forma.

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Maíra Fernandes avalia que o governo só tem tomado medidas "fáceis e imediatas", e que não resolvem a crise.
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A criminalista Maíra Fernandes, ex-presidente do Conselho Penitenciário do Estado do Rio de Janeiro, tem visão semelhante. Segundo ela, o uso das Forças Armadas para fiscalizar itens proibidos em presídios é uma medida “demagógica” do governo Temer, que passa uma imagem de segurança para a sociedade sem atacar o principal problema do sistema prisional: a superlotação.

A seu ver, enquanto nada for feito para diminuir o número de presos provisórios e reformar a Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), responsável por 28% dos detentos do país, as facções criminosas continuarão dominando as penitenciárias e assassinando outros encarcerados.

Julita e Maíra ainda declaram que os integrantes das Forças Armadas não têm capacitação técnica para atuar na inspeção de materiais em prisões.

O criminalista Daniel Bialski, por seu turno, afirma que as varas de execução penal também devem ser mais céleres, e evitar que pessoas continuem em regime fechado quando já poderiam estar no semiaberto ou no aberto.

Governo na contramão
Autorizar a ação de militares em presídios não é a única medida anunciada por Michel Temer que, segundo especialistas, não resolve os problemas da questão carcerária.

O presidente prometeu repasses de R$ 800 milhões para a construção de, pelo menos, uma nova penitenciária em cada estado, além de cinco novas cadeias federais para criminosos de alta periculosidade.

Na mesma linha de seu chefe, o ministro Alexandre de Moraes afirmou em dezembro que lançará em breve um plano de redução de homicídios focado em ações policiais, sem a participação de pastas da área social. Entre as medidas estarão o aumento do tempo necessário para progressão da pena (atualmente, o condenado deve cumprir um sexto de sua punição para ir para outro regime; se cometeu crime hediondo, mas é réu primário, dois quintos; se já tivesse antecedentes, três quintos) e a intensificação do combate às drogas.

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