Opinião

Lei complementar 157/2016 limita autonomia de municípios

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16 de janeiro de 2017, 5h31

Além da inconstitucionalidade da incidência de ISS sobre streaming, sobre a qual já tivemos oportunidade de nos manifestar anteriormente [1], a recém publicada Lei complementar 157/2016 que alterou a LC 116/03, veicula outros tantos atropelos ao texto constitucional, ao mitigar a competência tributária plena dos municípios, no que concerne à instituição do ISS.

Uma das novas regras introduzidas pela LC 157/2016 é a fixação da alíquota mínima para o ISS em 2%, tal disposição apenas sedimentou o preceito antes veiculado pela Emenda Constitucional 37/02, que estabeleceu tal limitação de forma provisória até que lei complementar disciplinasse o disposto nos incisos I e III do § 3º do artigo 156 da Constituição Federal. Em razão de tal norma de transição, os municípios já vinham observando tal limitação desde a promulgação da referida EC, ou pelo menos deveriam fazê-lo.

Pensamos que os municípios são, no sistema brasileiro, entes federativos e federados, o que significa que integram o pacto federativo e, nessa linha de entendimento, a adoção de práticas concorrenciais em relação à cobrança de tributos, com a concessão de isenções ou redução da carga tributária, pode representar risco ao pacto federativo.

É verdade que impor uma alíquota mínima de ISS a ser observada, agride o princípio da autonomia municipal, no entanto, o que ocorre, concretamente, nesse preciso caso, é uma antinomia, um conflito aparente entre os princípios federativo e o da autonomia municipal, hipótese em que, segundo avaliamos, há de prevalecer o princípio federativo, o que nos permite concluir que a limitação em questão não está em confronto com o texto constitucional.

Para justificar tal raciocínio é necessário contextualizar a introdução de tal regra no ordenamento jurídico, a fim de que fique demostrado que a providência se mostrou necessária em face das fartas hipóteses em que vários municípios, antes da edição da EC 37/02, reduziam fortemente a carga tributária de ISS, com vistas a atrair empresas prestadoras de serviços para seus territórios. Tais condutas formam responsáveis, em um determinado período histórico, por acirrada guerra fiscal entre os Municípios, o que instaurou, em um determinado período histórico, acirrada guerra fiscal entre eles, e diante da ausência de uma regra constitucional semelhante àquela aplicável aos Estados — como é o caso do disposto no artigo 155, inciso XII, “g” da Constituição Federal —, tendente a prevenir a beligerância entre eles, concluímos que era, de fato, necessária a fixação de uma alíquota mínima para o ISS.

Pensamos, no entanto, que tal hipótese se aplica apenas às situações em que os municípios instituem concretamente o ISS, o que não significa que, nessas mesmas situações, não possam estabelecer benefícios, desde que demonstrem que as renúncias foram consideradas nas estimativas de receita orçamentária e que não afetarão a meta de resultados, indicando ainda como os respectivos montantes serão compensados, nos estritos termos do que prevê o artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) [2].

Partindo de tal premissa, importa ressaltar que as inovações introduzidas pela LC 157/2016 vão muito além de fixar a alíquota mínima, vedam ainda, de forma absoluta, a concessão de incentivos e benefícios fiscais em relação ao ISS, considerando, inclusive, ato de improbidade administrativa as ações da administração fazendária tendentes a “conceder, aplicar ou manter benefício financeiro ou tributário” [3], acarretando, inclusive, perda da função pública e suspensão de direitos políticos pelo prazo de cinco a oito anos e multa de até três vezes o valor do benefício financeiro ou tributário. [4]

Não há dúvidas de que o legislador complementar buscou dar plena efetividade às medidas implementadas, apenando rigorosamente aqueles que descumprirem as novas regras por ele criadas, no entanto cremos que algumas de tais limitações são excessivas e inconstitucionais por agredirem o exercício pleno da competência tributária municipal.

O legislador complementar, ao vedar, terminantemente, a possibilidade de concessão de incentivos e benefícios fiscais, excedeu a prerrogativa que lhe atribuiu o constituinte derivado, por meio da EC 3/93, que estabeleceu que lei complementar poderia regular a forma e as condições como isenções, incentivos e benefícios fiscais seriam concedidos e revogados, ou seja, a Constituição Federal não proíbe de forma definitiva a concessão de incentivos e benefícios fiscais, apenas estabelece a possibilidade de que a lei complementar os regule, pois pela dicção do artigo 156, § 3º, inciso III, há autorização para redução da carga tributária, desde que seja objeto de disciplina pela lei complementar.

Destacamos, inclusive, que também a LRF não veda categoricamente as renúncias fiscais, apenas impõe em seu artigo 14, como destacamos, que haja a demonstração de que as renúncias tributárias foram consideradas na estimativa de receita da lei orçamentária e que não afetam as metas de resultados, devendo ainda estar acompanhada de medidas de compensação. [5]

Reduções de carga tributária devem, por certo, ser concedidas com bastante parcimônia, eis que não raro são anti-isonômicas e prejudiciais à arrecadação, no entanto, se observado o disposto no artigo 150, § 6º da Constituição Federal [6], ou seja, o princípio da legalidade, são admissíveis, sobretudo nas hipóteses de extrafiscalidade, como é o caso da tributação fixa para autônomos e sociedades de profissionais, cujo propósito é incentivar o desempenho da atividade intelectual, consideradas as limitações e dificuldades naturais inerentes a tais atividades.

Embora, de fato, a tributação fixa, que não é, esclarecemos desde logo, tributação por meio de aplicação de alíquota fixa — já que não há qualquer alíquota que incida sobre o faturamento e sim o estabelecimento de montante fixo devido a titulo de ISS —, não observe o princípio da capacidade contributiva, é certo que o respeito à referida garantia cede diante da extrafiscalidade, ou seja, não se observa o princípio em questão, quando a cobrança de impostos tem natureza extrafiscal, como é o caso do ISS devido por autônomos e sociedades de uniprofissionais.

Assim, as regras veiculadas pelos artigos 8º-A, § 1º, 10-A e 12-A da LC 116/03, introduzidas pela LC 157/2016, são inconstitucionais, a uma por agredirem excessivamente o princípio da autonomia municipal e a duas por estarem em confronto com o disposto no artigo 156, §3º, inciso III da Constituição Federal, destacando-se afinal que, inclusive, a referida LC não revogou expressamente os artigos 11 e 14 da LRF.


2 “Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deve indiciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:

I – demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;

II – estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

§ 1º. A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.

§ 2º. Se o ato de concessão ou ampliação do incentivo ou benefício de que trata o caput deste artigo decorrer da condição contida no inciso II, o benefício só entrará em vigor quando implementadas as medidas referidas no mencionado inciso;

§ 3º. O disposto neste artigo não se aplica:

I – às alterações das alíquotas dos impostos previstos nos incisos I, II, IV e V dos art. 153 da Constituição, na forma do seu § 1º;

“II – ao cancelamento de débito cujo montante seja inferior ao dos respectivos custos de cobrança.”

3 Art. 10-A. Constitui ato de improbidade administrativa qualquer ação ou omissão para conceder, aplicar ou manter benefício financeiro ou tributário contrário ao que dispõem o caput e o § 1º do art. 8º-A da Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003."

4 IV – na hipótese prevista no art. 10-A, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 5 (cinco) a 8 (oito) anos e multa civil de até 3 (três) vezes o valor do benefício financeiro ou tributário concedido. ………………………………………………………………………………….." (NR)

5 “Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deve indiciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:

I – demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;

II – estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

§ 1º. A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.

§ 2º. Se o ato de concessão ou ampliação do incentivo ou benefício de que trata o caput deste artigo decorrer da condição contida no inciso II, o benefício só entrará em vigor quando implementadas as medidas referidas no mencionado inciso;

§ 3º. O disposto neste artigo não se aplica:

I – às alterações das alíquotas dos impostos previstos nos incisos I, II, IV e V dos art. 153 da Constituição, na forma do seu § 1º;

“II – ao cancelamento de débito cujo montante seja inferior ao dos respectivos custos de cobrança.”

6 § 6º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

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