Crise penitenciária

MP que retirou recursos do Funpen viola decisão do STF, dizem procuradores

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12 de janeiro de 2017, 19h40

A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, do Ministério Público Federal, pediu ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que conteste no Supremo Tribunal Federal a medida provisória editada pelo governo Michel Temer que retirou receitas e recursos do Fundo Penitenciário Nacional e permitiu o uso da verba em questões de segurança pública alheias ao sistema prisional. O pleito ocorre em meio a uma das piores crises do sistema prisional brasileiro nos últimos anos, que já provocou a morte de dezenas de detentos no Amazonas e em Roraima.

Os procuradores Deborah Duprat, Marlon Weichert e João Akira dizem no ofício que a MP 755/2016, de 19 de dezembro, amplia deficiências do sistema penitenciário e viola a decisão do Supremo no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 347. Na ocasião, o tribunal declarou o estado de coisas inconstitucional do sistema penitenciário brasileiro, proibiu a União de contingenciar o dinheiro do Funpen e determinou que as audiências de custódia fossem feitas em todo o Judiciário do país. O Funpen foi criado em 1994 para gerir recursos para financiar e apoiar as atividades de modernização e aprimoramento do sistema penitenciário brasileiro.

Segundo a MP, agora é possível usar o dinheiro do fundo para atividades de caráter policial, como "políticas de redução da criminalidade" e "inteligência policial", que não têm ligação com o sistema carcerário. Além disso, a fonte de receita do Funpen foi reduzida. Até então, o fundo era destinatário de 3% da receita proveniente da loteria esportiva, sua principal fonte de recursos. A MP diminuiu o percentual para 2,1%.

Na opinião dos procuradores, o reconhecimento judicial do “estado de coisas inconstitucional” impôs aos poderes do estado, nos diversos níveis federativos, que reajam de forma ativa e tomem medidas para acabar com a violação dos direitos fundamentos que acontece dentro dos presídios brasileiros todos os dias. Nesse sentido, defendem que o STF deve ser o protagonista para impedir que governos tomem medidas que podem piorar ainda mais a situação. E mais: monitorar a execução e efetividade da decisão. “O processo e a decisão judicial que reconhecem ‘o estado de coisas inconstitucional’ não são estáticas. Elas impõem uma nova tarefa à Corte, dinâmica na sua essência, que é o monitoramento das medidas de superação adotadas, inclusive com o poder de novamente intervir para afastar decisões políticas, legislativas e administrativas que não contribuam para o esforço de debelar a violação sistemática de direitos fundamentais ou, ainda pior, que terminem por agravá-la.”

Em artigo publicado na ConJur, o ministro Gilmar Mendes comentou que não existe atualmente, a despeito da importância teórica do acórdão da decisão na ADPF 347, qualquer instrumento eficiente que sirva para controlar o seu cumprimento. Por isso ele defende a necessidade de se repensar institucionalmente a forma de execução das sentenças judiciais e, mais especificamente, das sentenças proferidas em sede de controle de constitucionalidade.

Medida cabível
Os procuradores sugerem a Janot que ofereça uma reclamação ao STF para questionar a MP e explicam por que essa seria a melhor forma de atacar o ato normativo. Para eles, a reclamação, na falta de medida própria processual para invocar a jurisdição do monitoramento das decisões da corte, cumpriria a tarefa, especialmente quando existe desrespeito à autoridade do tribunal por outra decisão judicial ou ato administrativo. Ocorre que no caso concreto se trata da afronta de decisão do Supremo mediante a edição de ato normativo. A jurisprudência da corte rejeita nessas hipóteses o cabimento da reclamação, ainda mais quando é possível atacar o ato protocolando uma ação direta de inconstitucionalidade.       

Os procuradores, porém, afirmam que o tribunal, em ao menos duas oportunidades, aceitou a reclamação para aferir a inconstitucionalidade de atos normativos. E citam os precedentes. Um deles foi no julgamento da Reclamação 595, em 2002, que teve relatoria do ministro Sidney Sanches. A segunda situação identificada foi no julgamento da Reclamação 4374/PE, em 2013, cujo relator foi o ministro Gilmar Mendes. Foi afirmado nesse julgamento que as reclamações podem assumir papel relevante no controle de constitucionalidade porque ampliam as possibilidades de calibragem e efetividade da jurisdição constitucional em casos concretos.     

Caso Janot ache que a reclamação não é o melhor meio de combater a MP, os procuradores sugerem que o PGR proponha uma ação direta de inconstitucionalidade com pedido liminar, conexa à ADPF 347, ou uma medida cautelar incidental a essa arguição. O Psol, por exemplo, questionou a MP na segunda-feira (9/1) por meio de um aditamento à ADPF. O partido foi o requerente da arguição.

Clique aqui para ler o ofício. 

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