Modernidade líquida

Realidade descrita por Zygmunt Bauman desafia o Direito e a Justiça

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9 de janeiro de 2017, 20h24

“Nossos acordos são temporários, passageiros, válidos apenas até novo aviso.” A frase é do sociólogo e filósofo Zygmunt Bauman, morto nesta segunda-feira (9/1) e considerado um dos maiores pensadores do século XXI. Seu conceito de que vivemos uma era líquida, sem solidez e constantemente em mutação influencia o Direito, que, a princípio, se baseia em normas e precedentes rígidos.

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Para Zygmunt Bauman, nossas formas de nos organizar não funcionam mais direito, mas ainda não estabelecemos alternativas.
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Lidar com isso é um dos desafios da Justiça, segundo o historiador Leandro Karnal: “O mundo líquido é onde eu diluo a autoridade, onde as realidades são rápidas. Vivemos mudanças permanentes e as mudanças não dependem da minha consciência, da minha vontade ou não vontade e só tenho duas opções: ou eu me transformo rapidamente junto ou eu paro e a transformação passa por mim”.

Bauman nasceu na Polônia em 1925 e, judeu, fugiu do regime nazista com sua família, indo para a União Soviética. Posteriormente, retornou à Polônia e deu aulas na Universidade de Varsóvia, mas foi afastado da instituição e do Partido Comunista depois de ter obras censuradas. Entre seus livros mais importantes estão Modernidade Líquida, Amor Líquido e Vida Líquida. A causa de sua morte não foi divulgada.

Ao comparar a atualidade com o século XX, o sociólogo e filósofo dizia que vivemos em um interregno, no qual as formas como aprendemos a lidar com os desafios da realidade não funcionam mais.

“As instituições de ação coletiva, nosso sistema político, nosso sistema partidário, a forma de organizar a própria vida, as relações com as outras pessoas, todas essas formas aprendidas de sobrevivência no mundo não funcionam mais direito. Mas as novas formas, que substituiriam as antigas, ainda estão engatinhando. Não temos ainda uma visão de longo prazo, e nossas ações consistem principalmente em reagir às crises mais recentes, mas as crises também estão mudando”, declarou em entrevista ao programa Milênio, publicada pela ConJur.

A “liquefação” das relações sociais, descrita na obra de Bauman, é usada inclusive para explicar o aumento do número de prisões no Brasil. O professor Alamiro Velludo Salvador Netto, professor de Direito Penal da Faculdade de Direito da USP, exemplificou, em entrevista à ConJur: os amigos passam a ser circunstanciais. A tradição, como o cultivo da família, vai se esvaindo. A instabilidade da dinâmica social e da economia causa incertezas, o que gera medo, sensação de risco permanente. E para buscar essa proteção, a sociedade busca o recrudescimento do Direito Penal.

Outra característica da pós-modernidade essencial para esse quadro de uso cada vez maior da lei penal está no modelo do Estado, afirma Salvador Netto. A redução da intervenção do Estado na sociedade conduz à aplicação do Direito Penal Máximo. Em vez de políticas assistenciais, o Estado aplica penas.

Esta seria a forma de o Estado punir quem não tem capacidade de integrar a sociedade de consumo, também descrita e criticada por Bauman em sua obra.

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