Direito Civil Atual

Dano moral de pessoa jurídica só
pode ser observado de forma objetiva

Autor

  • Thiago Rodovalho

    é professor-doutor da PUC-Campinas. Doutor e Mestre em Direito Civil pela PUC-SP com estágio pós-doutoral no Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Privatrecht em Hamburgo Alemanha.

9 de janeiro de 2017, 7h00

Com o presente texto, faço hoje minha estreia na prestigiosa Coluna Direito Civil Atual, produzida pela Rede de Pesquisa em Direito Civil Contemporâneo, criada pelos eminentes professores Ignácio Poveda Velasco, Otavio Luiz Rodrigues Junior, José Antonio Peres Gediel, Rodrigo Xavier Leonardo e Rafael Peteffi, e publicada no renomado portal Consultor Jurídico.

É uma enorme honra e satisfação poder contribuir para esta importante coluna, que abre um democrático espaço ao debate no Direito Privado.

Nesta primeira participação, abordarei um ponto controverso na prática forense, que diz respeito ao fundamento jurídico apto a embasar pedido de indenização por dano moral em favor de “pessoa jurídica” .[1]

Como é cediço, como regra, para a caracterização do dano moral são necessários os seguintes elementos: a) o ato, b) o dano, c) nexo de causalidade entre o ato e o dano, e d) o dolo ou a culpa do agente causador do dano.[2] Demais disso, toda e qualquer responsabilidade civil repousa na ofensa a um bem jurídico.[3]

No caso do dano moral, esse “bem jurídico”  ofendido consubstancia-se na lesão a “direitos da personalidade” . Ofendem-se, assim, a dignidade da pessoa humana, seu íntimo, sua honra, sua reputação, seus sentimentos de afeto.[4]

Contudo, em se tratando de “pessoas jurídicas” , a extensão dos direitos da personalidade não  é ampla e irrestrita, como, em verdade, decorre da própria dicção legal do CC artigo 52 (“Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade”, destacamos), o que, inclusive, é consentâneo com o conceito analógico de pessoa jurídica de Lamartine Corrêa, para quem a própria ideia de pessoa jurídica é uma criação jurídica por analogia, isto é, a pessoa jurídica é pessoa de modo analógico à pessoa natural.[5]

Nesse contexto, os direitos da personalidade são “imanentes”  à pessoa humana, podendo ser em certas situações extensíveis às pessoas jurídicas,[6] mas nunca aqueles direitos cuja própria existência esteja direta e indissociavelmente ligada à personalidade humana.

Assim o é, na clássica lição de Walter Moraes, na situação da honra, não sendo a pessoa jurídica titular de “honra subjetiva” , mas sendo titular de honraobjetiva” .[7] Trata-se de “honra objetiva”  da pessoa jurídica, que é distinta da honra subjetiva dos indivíduos que a compõem (sócios, v.g.).

Aqueles danos que podem ser causados exclusivamente à honra subjetivanão”  podem ser experimentados pela pessoa jurídica, tais como, angústia, dor, sofrimento, abalos psíquicos, dignidade, humilhação, autoestima, desestabilidade emocional, desconforto etc.

Isto porque, a pessoa jurídica “não” é titular de corpo ou psiquismo, não sendo capaz, portanto, de experimentar dor ou emoção (= sofrimento físico ou sofrimento psíquico ou emocional). “Essa” distinção entre honra subjetiva e honra objetiva para fins de indenizabilidade de dano moral da pessoa jurídica já foi feita em paradigmático acórdão do Superior Tribunal de Justiça, da relatoria do ministro Ruy Rosado de Aguiar.[8]

Deste modo, a verdadeira quaestio iuris não é saber “se”  a pessoa jurídica pode experimentar dano moral, o que já é matéria, inclusive, sumulada (STJ 227: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral”), mas, sim, “quando e como”  a ela pode sofrer dano moral.

E, em se tratando de pessoa jurídica, o “dano moral”  sempre será “objetivo”  e nunca subjetivo, haja vista, como dito, não ser ela titular de honra subjetiva, e apenas e tão somente de honra objetiva.

Essa é a razão pela a qual a doutrina proclama que, nessa temática, “indeniza-se o dano moral em função do atentado à honra objetiva da pessoa jurídica”,[9] pois a pessoa jurídica apenas e tão somente pode ser atingida em sua honra objetiva (seu bom nome, reputação ou imagem), é dizer, somente pode sofrer abalo ao conceito público que projeta na sociedade, uma vez que ela “não” possui honra subjetiva.

Portanto, para caracterização de dano moral à pessoa jurídica, faz-se necessária a comprovação dos danos que sofreu em sua imagem e em seu bom nome comercial, que se consubstanciam em atributos “externos” ao sujeito, e, por isso, dependentes de prova específica a seu respeito.

Assim, a indenização por dano moral da pessoa jurídica somente pode ser deferida diante da demonstração de provas concretas que evidenciem que seu nome no mercado (honra objetiva) sofreu, de fato, graves danos, não se podendo “presumir” o dano moral em prol da pessoa jurídica, como se admite quando se busca aferir dano à honra subjetiva da pessoa humana, que, por referir-se, exclusivamente, à dor moral que afeta o psiquismo, é, por essa razão, insuscetível de prova.

Assim, íntimo das pessoas, angústia, sofrimento, sentimento, decoro, paz interior, crenças íntimas, sentimentos afetivos de qualquer espécie, liberdade, vida e integridade física, consubstanciam-se “todos” em direitos da personalidade, cuja própria existência é direta e indissociavelmente ligada à personalidade humana (pessoa humana), nunca podendo ser experimentados pela pessoa jurídica, cuja ausência de corpo e psiquismo a tornam incapaz de experimentar dor ou emoção (sofrimento físico ou sofrimento psíquico ou emocional).

Por fim, mero abalo a patrimônio igualmente “não” se traduz em dano moral, que justamente é caracterizado pela extrapatrimonialidade, sendo que patrimônio é dano “patrimonial” (= dano material). Afinal, o dano que for patrimonial não é moral.[10]

Entender-se de forma diversa equivaleria a dizer que toda e qualquer disputa comercial entre empresas, ou impontualidade no pagamento, incumprimento contratual, gerariam sempre o dever de indenizar moralmente a pessoa jurídica lesada, o que não nos parece verdadeiro.

*Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Porto, Girona, UFMG, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC, UFBA e UFMT).


[1] Que a pessoa jurídica pode sofrer dano moral não há dúvida, o tema já se encontra, inclusive, sumulado (STJ, Súmula n. 227:"A pessoa jurídica pode sofrer dano moral"), de sorte que a vexata quaestio consiste em saber quando a pessoa jurídica pode experimentar dano moral.
[2] A esse respeito, v. Thiago Rodovalho. Contributo para o estudo sobre os pressupostos do ato ilícito e da responsabilidade civil, in Thiago Rodovalho, Jamil Miguel, André Nicolau Heinemann Filho, Fabricio Peloia Del Alamo e Alexandre Gindler de Oliveira. (Orgs.). Temas de Direito Contemporâneo – Estudos em homenagem ao professor Paulo de Tarso Barbosa Duarte, Campinas: Millennium Editora, 2013, pp. 341/359.
[3] Caio Mario da Silva Pereira. Responsabilidade civil, 9.ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2001, n. 44, p. 53.
[4] Henri Mazeaud, Léon Mazeaud e André Tunc. Traité théorique et pratique de la responsabilité civile délictuelle et contractuelle, t. 1.º, 5.ª ed., Paris: Montchrestien, 1957, n. 308, p. 387.
[5] Lamartine Corrêa. Conceito da pessoa jurídica, Curitiba: Tese de Livre-Docência, 1962, pp. 164/165.
[6] Cfr. STJ, 3.ª T., REsp 1032014-RS, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 26.5.2009, DJ 4.6.2009: "O dano moral corresponde, em nosso sistema legal, à lesão a direito de personalidade, ou seja, a bem não suscetível de avaliação em dinheiro […] Certos direitos de personalidade são extensíveis às pessoas jurídicas, nos termos do art. 52 do CC/02 e, entre eles, se encontra a identidade".
[7] Walter Moraes. Direito à honra, in Rubens Limongi França (coord.). Enciclopédia saraiva de direito, v. 25, São Paulo: Saraiva, 1977, p. 208.
[8] STJ, 4.ª T., REsp 60.033-2-MG, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 9.8.1995, DJ 27.11.1995, verbis: "Quando se trata de pessoa jurídica, o tema da ofensa à honra propõe uma distinção inicial: a honra subjetiva, inerente à pessoa física, que está no psiquismo de cada um e pode ser ofendida com atos que atinjam a sua dignidade, respeito próprio, auto-estima, etc., causadores de dor, humilhação, vexame; a honra objetiva, externa ao sujeito, que consiste no respeito, admiração, apreço, consideração que os outros dispensam à pessoa. Por isso se diz ser a injúria um ataque à honra subjetiva, à dignidade da pessoa, enquanto que a difamação é ofensa à reputação que o ofendido goza no âmbito social onde vive. A pessoa jurídica, criação da ordem legal, não tem capacidade de sentir emoção e dor, estando por isso desprovida de honra subjetiva e imune à injúria. Pode padecer, porém, de ataque à honra objetiva, pois goza de uma reputação junto a terceiros, passível de fi car abalada por atos que afetam o seu bom nome no mundo civil ou comercial onde atua".
[9] Yussef Said Cahali. Dano moral, 3.ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, n. 8.7, p. 387.
[10] Agostinho Neves de Arruda Alvim. Da inexecução das obrigações e suas conseqüências, Rio de Janeiro: Ed. Jurídica e Universitária, 1965, p. 215.

Autores

  • é doutorando e mestre em Direito Civil pela PUC-SP, com Pós-Doutorado no Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Privatrecht em Hamburgo, Alemanha. Membro da Lista de Árbitros da CAM-FIEP, do CAESP, da CARB, da CAE, CBMAE, do CEBRAMAR, e da ARBITRANET.

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