Segunda Leitura

Judiciário, símbolos e comunicação: a eterna batalha para uma perfeita sintonia

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8 de janeiro de 2017, 7h00

Em um passado já meio distante da era das redes sociais, o apresentador Abelardo Barbosa, o Chacrinha, já dizia: “Quem não se comunica se trumbica”.  

A despeito das modificações sociais e tecnológicas dos últimos tempos, o eterno bordão ainda continua em voga. A comunicação, nos mais diversos momentos, é algo essencial para se demonstrar o sentido de algo ou de alguém para outrem.

Quando destronado por Nasser no final da década de 1940, dizem que o então Rei Faruk do Egito afirmou que “em breve sobrarão apenas cinco reis, os do baralho e o da Inglaterra”. Outras monarquias ainda sobrevivem, mas a britânica é certamente o principal caso de sucesso e que soube estabelecer uma ligação de sintonia entre os símbolos do Poder e a mídia, entendendo que a sua sobrevivência e credibilidade como instituição dependem da maneira como a sociedade os entende.

Afinal, os símbolos são a base do atuar na coletividade, sendo que o ser humano costuma agir em razão de como as coisas são apresentadas em sociedade por meio da comunicação, funcionando por meio de uma estrutura de símbolos e rituais.

Torna-se algo sensível a maneira como a notícia será exposta ao grupo social. A essência do que a maioria vai pensar será a base para se imaginar que ocorreu um consenso e daí formar-se a opinião pública. Um determinado fato pode passar a ser considerado legítimo. “O homem é, além de gregário um animal simbólico por natureza e embora a atividade comunicativa e a troca de informações possam ser detectadas em praticamente todo ser vivo, a linguagem e a criação de símbolos e de diferentes meios e canais de comunicação são habilidades humanas.”[1]

Algumas vezes, a falta de coordenação entre os fatos narrados pela mídia e oriundos do Judiciário não advém totalmente de uma responsabilidade deste último, justamente em decorrência de consecução de interesses próprios por parte dos veículos de imprensa que podem fugir ao que busca a sociedade, mas eventualmente podem passar a ser a principal opinião em decorrência de um consenso formado.                          

Nesse momento é que o Judiciário deve procurar seu caminho de comunicação, agindo com qualidade e razoabilidade, com atuação institucional, evitando-se que magistrados quebrem as determinações da sua lei orgânica e que atuem com prudência na questão da manifestação sobre processos.

E aí observa-se que o problema de relacionamento da Justiça e da mídia ultrapassa as fronteiras nacionais e estabelece nos mais diversos países uma busca pela adequação. O Centro da Justiça Federal (Federal Center Justice) nos Estados Unidos, em seu sítio na internet[2], traz um guia explicativo da Justiça Federal norte-americana para auxiliar os trabalhos dos jornalistas que costumam atuar junto às cortes federais do país[3].

Realmente, a tradição do silêncio rondou por anos o sistema judicial. Mas a sociedade deve saber o que ocorre e deve entender como se passa o processo. E daí a evolução terá início.

Como exemplos de uma maior abertura podemos citar o Supremo Tribunal Federal, que passou a ter suas sessões plenárias com discussões televisionadas ao vivo, com transmissão por meio de rádio e no canal YouTube da corte. A Suprema Corte do Reino Unido e a do Canadá transmitem suas sessões (sem discussões entre os julgadores, dentro do estilo de ambos os países) ao vivo, e a primeira também no canal no YouTube. A Suprema Corte dos Estados Unidos, a despeito de não apresentar ao vivo as suas sessões, possui todas gravadas desde 1955, conforme consta em sua página na internet, e as disponibiliza para o público.

Talvez uma experiência interessante ocorra em alguns países da União Europeia com o incentivo da Rede Europeia de Formação Judiciária que baliza uma nova forma de interação do Judiciário Europeu com a imprensa, sendo certo que também dentro da União Europeia os sistemas judiciais são criticados por eventual falta de transparência na comunicação[4]. O projeto da rede de formação passou a identificar pontos para uma melhoria nas relações com a mídia.

Vários países da comunidade possuem alguém que funciona como um tipo de porta-voz, sendo que, em alguns locais, esse papel é feito por um juiz ou servidor. Por exemplo, na Holanda, um juiz, acompanhado de jornalistas do próprio Judiciário, costuma reunir-se com a imprensa duas vezes por ano para troca de experiências dos meses anteriores. As reuniões buscam aclarar fatos e estabelecer condutas a serem seguidas pelos jornalistas. Na Inglaterra e em Gales, os juízes responsáveis pelo contato com os jornalistas são treinados anualmente com visitas a estúdios de televisão e rádios. Desde 2010, a Dinamarca vem modificando a estratégia de comunicação com a realização de pesquisas de opinião abrangendo a população e os jornalistas, com a verificação da visão acerca das cortes do país, tendo descoberto que, a despeito de a credibilidade ser alta, existe um certo desconhecimento acerca do sistema legal do país.  

Exemplos assim podem nos auxiliar a vencer a dificuldade de relacionamento entre a Justiça e os meios de comunicação, sendo certo que as duas instituições funcionam de modo diverso e se agrupam dentro desse pensamento de diferenças. Conforme o jurista francês Pierre Truche, “o tempo da justiça não é o tempo dos meios de comunicação; e isto em um duplo sentido: não é concebível que a imprensa espere a fase pública do processo para dar uma notícia, e por outro lado, qual é o meio de comunicação que pode dedicar a uma questão o tempo que a justiça lhe consagra?”[5].

Devemos chegar a um meio termo, já que, ao mesmo tempo em que o Judiciário não se deve guiar pela mídia ao julgar, a fiscalização dos julgados pela opinião pública é necessária para que se evitem posicionamentos contraditórios, cabendo ao julgador assimilar os anseios do corpo social, mantendo a devida isenção ao decidir. Ao mesmo tempo, não se pode, por certo, aceitar eventual sensacionalismo, evitando-se uma administração da Justiça fora do sistema, guiada pela mídia. "O imediatismo informacional contrasta com o segredo de instrução e com a morosidade característica dos processos; a prudência da judicatura e o respeito pela presunção de inocência do arguido contrasta com os apressados juízos críticos e interpretativos inerentes quer à narrativa noticiosa, quer à própria interpretação dessa narrativa; a reserva das salas de audiência contrasta, necessariamente, com um espaço 'metatópico' onde a informação, os julgamentos de opinião e, sobretudo, os rumores se propagam à velocidade da luz."[6] 

Ponderação, como sempre, deve ser a palavra de ordem no relacionamento entre as duas instituições. Dentro do Estado Democrático, o direito de informar e de ser informado é essencial, mas deve andar ao lado da observância de valores que gizam o atuar da vida em sociedade. O direito de livre expressão está limitado por outros direitos que se fazem presentes na vida em sociedade e deve ocorrer uma harmonia em busca da devida proporcionalidade, caminhando para a construção de uma congruência harmônica entre as lógicas distintas do Judiciário e da mídia.  

Afinal, buscando uma maior interação com o corpo social, o Judiciário poderia agir de modo mais proativo, dando maior apresentação a casos individuais, selecionando aqueles que teriam maior atenção da sociedade, ao mesmo tempo em que poderia oferecer uma divulgação maior da maneira como o sistema judicial funciona, sempre de modo rotineiro, com o treinamento de juízes na área de comunicação e com o estimulo à utilização das redes sociais.

No fim, tudo passa pela questão da gestão no serviço judiciário, com a eventual possibilidade de um norte ofertado pelo Conselho Nacional de Justiça na questão da comunicação para que os vários tribunais do país tivessem algum padrão a seguir e, com isso, aumentar o contato do corpo social com seus juízes, tudo em perfeita sintonia na tentativa de melhorar o serviço público judiciário.

Afinal, citando Hannah Arendt, “não se pode dizer como a vida é, como a sorte ou o destino trata as pessoas, a não ser contando a história”.


[1] Heinrich, Ana Geni dos Santos. A Comunicação no Poder Judiciário: um estudo do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Porto Alegre. 2006.
[2] www.fjc.gov.
[3] A Journalist’s Guide to the Federal Courts.
[4] www.encj.eu.
[5] Truche, Pierre. Revista Espírito, Paris, 210, 1995. 
[6] Prior, Helder. A Comunicação Social e o Discurso Judiciário. Nueva Epoca. 2013

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