Sistema do caos

Gilmar Mendes aponta descriminalização e mutirão como soluções para presídios

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6 de janeiro de 2017, 12h19

A descriminalização das drogas, um mutirão do Judiciário para analisar casos de presos provisórios e fazer com que a precariedade do sistema prisional sejam um tema na pauta da sociedade e dos partidos políticos. Essas são algumas das medidas que o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, propõe para a questão da segurança pública no Brasil.

Gil Ferreira/SCO/STF
O ministro Gilmar Mendes ressaltou que sua gestão no CNJ privilegiou os mutirões para presos provisórios. Gil Ferreira/STF

O ministrou foi entrevistado pela BBC Brasil horas após o presidente da República Michel Temer e o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, anunciarem a construção de pelo menos mais um presídio em cada estado como resposta ao massacre em Manaus. O ministro do STF concorda que é necessário construir novas penitenciárias, mas afirma que isso não irá resolver o problema.

“A questão não se resolve agora com construção de presídios. É óbvio. Até porque um presídio para ser construído vai levar três, quatro anos, com todos os incidentes que ocorrem, licitações e tudo o mais. É evidente que tem que se construir presídios e tem que melhorar a situação dos presídios atuais. Mas tem que ter ação imediata nesses presídios que estão por aí”, afirmou Gilmar Mendes.

A descriminalização das drogas, disse Mendes à BBC,é um dos caminhos para solucionar a questão prisional. “Se a gente for olhar, uma boa desse recrudescimento das prisões está associado ao tráfico de drogas. E aí vem aquela situação do usuário que também trafica para suprir o vício. E a Justiça não consegue distingui-lo”, disse. Em um 2016, em julgamento no Supremo, Gilmar Mendes votou pela descriminalização de todas as drogas.

Mutirões do Judiciário
O ministro fez um chamado para as instituições do Judiciário entrarem na questão prisional. “Eu acho que é hora de resgatar a função do Conselho Nacional de Justiça e Conselho Nacional do Ministério Público para fazer com que juízes e promotores atuem nesse sistema. Eu acho que tem que fazer um grande pacto em torno desse tema. Não se trata apenas de direitos humanos, mas também se segurança pública, que vem sendo negligenciado”, opinou.

Mendes ressaltou que em sua gestão como presidente do CNJ, de 2008 a 2010, foram lançados mutirões carcerários. Ele conta que em 1 ano e 6 meses, foram liberados 22 mil presos. “Esse número é quase 10% da população de presos provisórios no Brasil”. 

Punitivismo é a causa
Em entrevista à ConJur, os ministros Marco Aurélio e Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, além de juízes e advogados, afirmaram que as mortes em Manaus têm como causa, em última instância, o punitivismo do Estado. O decano da corte, ministro Celso de Mello, concorda que “o Estado é o grande responsável pela gravíssima crise que afeta, há décadas, o modelo penitenciário tal como praticado no Brasil”.

Questionado pela ConJur sobre o caso de Manaus, Marco Aurélio lembrou da ADPF 347, na qual a corte proibiu a União de contingenciar o dinheiro do Fundo Penitenciário Nacional: "[O Estado] Deve atentar para a obrigação constitucional de preservar a integridade física e moral do preso que um dia voltará ao convívio social. É dele a responsabilidade pelo estado de coisas inconstitucional existente, como ressaltei em voto na ADPF da qual sou relator".

Entidades se manifestam 
A Anistia Internacional no Brasil pediu que as autoridades façam uma investigação imediata, independente e completa do massacre. A seccional amazonense da Ordem dos Advogados do Brasil também se envolveu e entrou com um processo contra o estado do Amazonas por causa das péssimas condições de seu sistema penitenciário. A entidade argumenta em ação civil pública que o problema está na ausência de ações emergenciais concretas.

Entidades que representam a magistratura divergem sobre a melhor forma de evitar novos massacres em unidades prisionais. Enquanto a Associação dos Juízes Federais do Brasil propõe mais investimentos em presídios federais — “verdadeiras ilhas de excelência em um sistema falido” —, a Associação Paulista de Magistrados declarou que essa seria uma forma de enfraquecer o Judiciário estadual.

PCC x FDN
A rebelião no Compaj começou na tarde de domingo e terminou na manhã da segunda-feira (2/1). Segundo o secretário de Segurança Pública do Amazonas, Sérgio Fontes, a chacina é resultado da rivalidade entre duas organizações criminosas que disputam o controle de atividades ilícitas na região amazônica: a Família do Norte (FDN) e o Primeiro Comando da Capital (PCC).

Aliada ao Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro, a FDN domina o tráfico de drogas e o interior das unidades prisionais do Amazonas. Desde o segundo semestre de 2015, líderes da facção criminosa amazonense vêm sendo apontados como os principais suspeitos pela morte de integrantes do PCC, grupo que surgiu em São Paulo, mas já está presente em quase todas as unidades da federação.

O secretário de Segurança Pública afirmou que o estado, sozinho, não tem condições de controlar uma situação como essa. Agentes penitenciários da empresa terceirizada Umanizzare e 74 presos foram feitos reféns. Parte desses detentos foram assassinados, e ao menos seis, decapitados. Corpos foram arremessados por sobre os muros do complexo.

Poucas horas antes do início da rebelião no Compaj, dezenas de detentos tinham conseguido escapar de outra unidade prisional de Manaus, o Instituto Penal Antônio Trindade (Ipat). O próprio secretário chegou a afirmar a jornalistas que a fuga do Ipat pode ter servido como “cortina de fumaça” para acobertar a ação no Compaj. Com informações da Agência Brasil. 

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