Futuro carcerário

Massacre em presídio gera controvérsia entre juízes estaduais e federais

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5 de janeiro de 2017, 7h40

Entidades que representam a magistratura divergem sobre a melhor forma de evitar novos massacres em unidades prisionais, após a morte de 60 pessoas em Manaus. Enquanto a Associação dos Juízes Federais do Brasil propõe mais investimentos em presídios federais – “verdadeiras ilhas de excelência em um sistema falido” –, a Associação Paulista de Magistrados declarou que essa seria uma forma de enfraquecer o Judiciário estadual.

O presidente da Ajufe, Roberto Veloso afirmou que o modelo federal é uma saída viável para “um sistema falido que nem pune e nem recupera”, pois as quatro penitenciárias sob o comando do Departamento Penitenciário Nacional têm registrado “uma experiência exitosa”. Para ele, é necessário isolar líderes de facções em locais de segurança máxima.

Veloso se diz ainda completamente contrário à terceirização de presídios, lembrando que o Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), onde ocorreram os assassinatos, é privado.

Reprodução/TV Globo
Rebelião no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, em Manaus, começou no dia 1º de janeiro e registrou 60 mortos.
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Já a Apamagis critica o que chama de “soluções heterodoxas”: diz que a proposta de federalização seria incapaz de evitar crimes e ignora que esses presídios já estão superlotações.

“É um verdadeiro desserviço ao cidadão não enfrentar essa triste realidade. Pior ainda é tentar usar o massacre em proveito de conceitos puramente corporativos ou movidos por sentimento de revanchismo”, declarou a entidade.

A associação também é contra o argumento de que o massacre em Manaus é resultado de uma política de Estado que acredita no encarceramento para enfrentar a criminalidade, como opinaram ministros, juízes e advogados à revista eletrônica Consultor Jurídico.

Para a Apamagis, “a tragédia não aconteceu porque policiais prenderam, ou promotores acusaram, ou juízes estaduais condenaram”, e sim “porque os assassinos acreditam na impunidade decorrente de uma legislação falha; confiam na facilidade com que recebem e guardam armas; e contam com essa eterna e estéril divisão entre os entes do Estado”.

Leia a íntegra das notas:

Roberto Veloso, presidente da Ajufe
“O sistema penitenciário brasileiro vive momentos de intensa ineficiência, quando facções criminosas dominam os presídios estaduais. Nesse contexto, as penitenciárias federais têm se mostrado, verdadeiras ilhas de excelência em um sistema falido que nem pune e nem recupera.

Esse modelo federal de presídio se apresenta como uma saída para o isolamento dos líderes dessas facções e para punição de crimes graves. Investir no sistema penitenciário federal representa uma alternativa viável para a inaceitável situação dos presídios estaduais, não só do Estado do Amazonas, mas de todo o Brasil.”

Diretoria da Apamagis
“O massacre perpetrado em Manaus, que ceifou covardemente a vida de dezenas de pessoas sob a tutela do Estado, revela outra tragédia: os diversos grupos que tentam ampliar sua influência, com soluções heterodoxas, que variam da proposta de terminar com as prisões cautelares, passam pela federalização de crimes e culminam na abertura de portões dos presídios. A última proposta, de tão absurda, não merece comentário.

A tragédia não aconteceu porque policiais prenderam, ou promotores acusaram, ou juízes estaduais condenaram. Ao contrário. Ocorreu porque os assassinos acreditam na impunidade decorrente de uma legislação falha; confiam na facilidade com que recebem e guardam armas; e contam com essa eterna e estéril divisão entre os entes do Estado.

É um verdadeiro desserviço ao cidadão não enfrentar essa triste realidade. Pior ainda é tentar usar o massacre em proveito de conceitos puramente corporativos ou movidos por sentimento de revanchismo.

Necessário delinear as responsabilidades no episódio. De modo estranho, propaga-se a confusão entre administração penitenciária e Judiciário. Registre-se de maneira cristalina: não é o juiz estadual o responsável pela administração dos presídios, tarefa delegada pela Constituição Federal ao Poder Executivo.

No que tange à federalização, defendida por aqueles que incessantemente buscam enfraquecer o juiz estadual, seria o caso de indagar se a alteração simplesmente faria com que os crimes deixassem de existir. Também seria conveniente que alguém explicasse onde os eventuais condenados cumpririam as eventuais penas aplicadas, principal causa da tragédia de Manaus. Certamente não nos pouquíssimos presídios federais já superlotados.

Parece óbvio que o momento exige coesão e busca de correções, nunca a cisão nos representantes do Estado que, caso se concretizasse, apenas reduziria a capacidade de lidar com um problema que se revela de altíssima complexidade.

O pretendido enfraquecimento da Justiça Estadual, com o devido respeito, oferece riscos palpáveis de aumentar a impunidade e, assim, elevar a violência a um nível sem precedente.

Igualmente oportuno lembrar que as medidas cautelares como prisão preventiva e provisória são absolutamente essenciais para a efetividade da tutela jurisdicional. Não é demasiado frisar que muitas vezes não é possível esperar o trânsito em julgado para segregar pessoas que, entre outros crimes bárbaros, cortam cabeças de seres humanos, estupram mulheres e crianças ou praticam latrocínio.

É preciso enfrentar o problema e combater o crime organizado com eficiência, agilidade, inteligência e, sobretudo, união. É chegado o momento de discutir instrumentos que realmente evitem a repetição dessa barbárie. E a magistratura estadual de São Paulo, como sempre esteve, estará no lugar certo. Ao lado da sociedade.”

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