Prova da defesa

Inserir material pornográfico infantil em processo não viola o ECA, diz TJ-RS

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1 de janeiro de 2017, 9h38

Anexar material pornográfico infantil em processo, para ser utilizado como prova da defesa, não é o mesmo que difundir a pedofilia, crime tipificado no artigo 241-A do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990). Por isso, tal conduta não serve para embasar a abertura de outro processo criminal, por pretensa violação desse dispositivo do ECA.

Com esse fundamento, a 6ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul determinou o trancamento de uma ação penal ajuizada pelo Ministério Público contra a mãe de uma adolescente e duas advogadas numa comarca do interior. O colegiado entendeu que o fato de as rés disponibilizarem esse material no processo em que o companheiro da mãe é acusado de ter abusado da menor não configura qualquer crime.

O caso
Segundo o processo, o homem foi denunciado pela prática de estupro de vulnerável contra sua enteada. Instaurada a ação penal, durante a instrução do processo, a mãe da vítima fez referência ao comportamento sexualizado da filha, citando conversas íntimas dela, travadas numa rede social. Atentas à oitiva, as advogadas do réu pediram à mãe provas da conduta da filha, já que interessava à defesa mostrar à Justiça que a menor não era tão ingênua como ‘‘aparenta ser’’.

A mãe concordou em colaborar. Junto com as advogadas, acessou o computador e o celular da filha e ‘‘printou’’ uma série de diálogos e fotos, envolvendo a garota — frases libidinosas, fotos íntimas da menor e outros registros contendo cena pornográfica. O material foi, então, juntado ao processo-crime.

Ciente do fato, o Ministério Público entendeu que a juntada do material ao processo constrangeu a vítima. Por isso, pediu que o juiz responsável pela ação penal desentranhasse os documentos dos autos e os enviasse à autoridade policial, para investigação de possível prática do crime tipificado no artigo 232 do ECA — ‘‘submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento’’ —, o que foi deferido pelo juiz.

A polícia recebeu o material, mas não indiciou ninguém. O MP, no entanto, ofereceu denúncia contra as três mulheres, dando-as como incursas no artigo 241-A do ECA, na forma  do artigo 29, caput (concurso de pessoas), com incidência do artigo 61, inciso II, alínea “e” (agravado por ter o agente praticado o delito contra descendente) — ambos do Código Penal.

Como o juízo da comarca de origem aceitou a denúncia do MP, a mãe da menor, por meio de defensor público, impetrou Habeas Corpus para trancar a ação penal. Em sede de liminar, o pedido foi deferido pelo desembargador Ícaro Carvalho de Bem Osório, da 6ª Câmara Criminal. Em sede recursal, o MP pediu que, na análise de mérito, fosse dado improvimento ao recurso.

Sem escrutínio público
Relator do HC no colegiado, o desembargador manteve sua decisão, por entender que o tipo penal foi criado para reprimir a conduta de expor pornografia com menores na internet, criminalizando a exposição pública — o que não foi o caso da mãe da adolescente e das advogadas que defendem o denunciado. Em síntese, elas não teriam promovido a ‘‘difusão da pedofilia’’, como é denominado esse artigo do ECA em algumas obras doutrinárias. Antes, a exposição já havia sido feita pela própria menor, ao colocar o material no Facebook.

‘‘As cenas de suposta pornografia infantojuvenil — não acostadas a estes autos e a cujo teor registro não ter acesso — não foram levadas a escrutínio público, o que, para todos os efeitos, me parece não ser compatível com a semântica específica do verbo nuclear elegido pelo Parquet. Note-se que a divulgação de determinado conteúdo está necessariamente atrelada à publicidade, à propagação de algo; por consequência, sem qualquer cautela relacionada à privacidade. O cenário fático apontado pelo Ministério Público envolve ação penal sigilosa, com extrema reserva das informações nela abarcadas, sob pena de responsabilização funcional e, inclusive, penal para quem as vazar’’, explicou no acórdão.

Segundo o relator, não seria plausível falar nem mesmo em violação à intimidade ou à privacidade da menor, pois a mãe tem o dever e a responsabilidade de fiscalizar os atos da filha nas redes sociais. Por outro lado, o intuito de submeter tais conteúdos à apreciação da Justiça, como medida para traçar o perfil da adolescente, não se reveste de imoralidade, assim como não tem relevância penal.

O desembargador disse que atipicidade da conduta deve ser reconhecida, também, com relação às advogadas, pois nenhuma delas divulgou o material. ‘‘As advogadas utilizaram o material em favor de seu cliente, no âmbito da defesa deste, não repassando a terceiros ou expondo em locais de livre acesso público. Nesta esteira, às corrés se estendem as presentes disposições, como concretização do art. 580 do Código de Processo Penal, na medida em que a fulminação do processo-crime não reside em caráter exclusivamente pessoal, muito embora versada na petição unicamente em favor de E.,’’ afirmou o relator. O acórdão foi lavrado na sessão do dia 12 de dezembro.

Clique aqui para ler o acórdão.

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