Conduta penal atípica

Arrendar terra indígena para o plantio de grãos não é crime, diz TRF-4

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24 de fevereiro de 2017, 8h44

O ato de arrendar terras sob o domínio de indígenas fere o artigo 18 do Estatuto do Índio (Lei 6.001/73), e não o artigo 2º da Lei 8.176/91, que define os crimes contra a ordem econômica e cria o Sistema de Estoques de Combustíveis. Logo, manter atividades agropecuárias nessas áreas, por contrato de arrendamento, se revela conduta ilícita, mas penalmente atípica.

Por isso, a 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região manteve sentença que absolveu um indígena e três agricultores denunciados pelo Ministério Público Federal por formalizarem um contrato de arrendamento na Terra Indígena de Ivaí, município de Manoel Ribas (PR). A área, com cerca de 650 hectares, abrigava cultivos de soja, milho e trigo, cuja produção era vendida a uma grande cooperativa agropecuária.

Segundo a inicial do MPF, a instrumentalização do arrendamento ilícito deu-se por intermédio da Associação Caingang Indígena de Ivaí (Aciva), representada pelo ‘‘Cacique Dirceu’’, vereador na região. Ele e os demais agricultores foram denunciados pela violação do artigo 2º, parágrafo 1º, da Lei 8.176/91 — produzir bens ou explorar matéria-prima em áreas da União sem autorização legal. Na apresentação da denúncia, em 21 de janeiro de 2013, foi decretada a prisão dos agricultores. O líder indígena já estava cumprindo pena de prisão preventiva, depois de ser preso pela Polícia Federal.

Bens minerais da União
O titular da 1ª Vara Federal de Guarapuava (PR), juiz Marcelo Adriano Micheloti, constatou que o dispositivo que proíbe o arrendamento de terras, no Estatuto do Índio, não inclui pena criminal. Ou seja, não criminaliza essa conduta ilícita.

Já o referido dispositivo da Lei 8.176/91, discorreu o juiz federal, não tem por objetivo proteger o meio ambiente. O que ele persegue é o controle da exploração de riquezas minerais, bens da União, conforme sinalizam os artigos 20, inciso IX, parágrafo 1º; 176; e 177 — todos da Constituição. E não só: também o pagamento de compensação financeira decorrente dessa exploração. Com isso, a conduta é atípica, pois arrendar terras é algo bem diferente de explorar bens minerais da União.

Em apoio ao seu entendimento, citou precedente da 1ª Vara Federal de São Carlos (SP). Segundo a sentença da Ação Penal 0000451-52.2004.4.03.6115, a fruição, inconfundível com a usurpação, não envolve a produção; isto é, o esgotamento de recursos.  ‘‘Pela fruição se dá o aproveitamento de frutos, civis ou naturais, que não esgotam o bem. Em razão desta fundamental diferença, não se pode dizer que a fruição de bens da União se amolda ao restrito limite do art. 2º da Lei 8.176/91, que se refere ao aproveitamento de recursos não renováveis. A proteção, neste caso, é apenas civil (Código Civil, art. 1.216). As plantações (frutos naturais), arrendamento (que rende frutos civis) e a abertura de estradas internas não envolvem aproveitamento de bens esgotáveis. Atípica, portanto, a conduta dos acusados’’.

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