Foro íntimo

Acusada de parcialidade por julgar ações de assistente, juíza nega suspeição

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22 de fevereiro de 2017, 7h26

A atuação de uma juíza da cidade de Barracão, no Paraná (com 10 mil habitantes), está sendo questionada na Justiça depois de ela ter julgado diversas ações movidas por sua assistente — todas a favor da servidora. A juíza nega que exista parcialidade e afirma que não há motivo para qualquer suspeição ou impedimento.

Diferentes empresas condenadas em primeira instância pela juíza Branca Bernardi, passaram a questionar a atuação dela depois de notarem que ela decidiu favoravelmente a diversos funcionários de sua comarca, entre eles uma assistente direta, que exerce cargo de confiança. Somente esta assistente ingressou com 13 ações de reparação por danos morais por problemas na área do Direito do Consumidor. Todas foram julgadas procedentes por Branca, com indenizações que variam de R$ 7 mil a R$ 12 mil.

Em um dos casos, a condenação foi por uma cobrança indevida de apenas R$ 11. Na sentença, a empresa de telefonia foi condenada a pagar, ao todo, R$ 14 mil. Somados, os valores das condenações em primeira instância favoráveis à assistente ultrapassam R$ 167 mil.

O artigo 144, inciso VI, do Código de Processo Civil de 2015 diz que há impedimento do juiz, sendo-lhe vedado exercer suas funções no processo for empregador de qualquer das partes. Já o artigo 145 diz que há suspeição do juiz quando este for amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes ou de seus advogados.

Com base nesses argumentos, três das empresas condenadas pediram a suspeição ou impedimento da magistrada, uma vez que a assistente trabalha diretamente em seu gabinete. Em nenhum dos três casos o mérito do pedido de suspeição foi analisado até esta terça-feira (21/2).

Em um dos processos, o pedido foi negado, mas sem discutir o mérito da questão. Isso porque a parte não entrou com uma ação específica para pedir a suspeição ou o impedimento, conforme julgou o juiz Marcelo de Resende Castanho, da 2ª Turma Recursal do Tribunal de Justiça do Paraná, em despacho proferido nesta segunda-feira (20/2).

Relação de emprego
Uma dos pedidos de suspeição foi feito pelo escritório Mehler Chiaverini Advogados. Nele, os advogados alegam que há uma relação de emprego entre a assistente e a juíza, por isso, deve ser aplicado o impedimento previsto no artigo 144 do novo CPC — que veda o juiz de exercer suas funções no processo quando for empregador de qualquer das partes.

"Ainda que quem remunere a funcionária seja o Estado, e a rigor a relação de trabalho seja firmada com o Estado, é certo que quem a colocou no exercício da função jurisdicional foi a própria magistrada, por se tratar de cargo em comissão, sem qualquer estabilidade, pois seu provimento é sempre feito à título precário", diz trecho da petição, que tem circulado em grupos de WhatsApp de advogados.

Os advogados apontam ainda que existe no caso vínculo de subordinação, típica da relação de trabalho, sendo certo que para os jurisdicionados a assessoria implica em auxílio no encaminhamento e redação de decisões judiciais. A petição aponta ainda, com base em fotos e mensagens do Facebook, uma amizade íntima entre a magistrada e sua assistente.

Sem impedimentos
Conhecida no Paraná por seu trabalho com a reintegração de presos, à frente da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC), a juíza Branca Bernardi nega que haja motivo para suspeição pois, em seu entendimento, nenhuma das causas de suspeição listadas no artigo 145 do novo CPC se materializa no Judiciário de Barracão.

"A equipe é organizada, disciplinada, capacitada, porém não há qualquer relação de amizade entre esta magistrada e os serventuários, senão no estrito limite profissional, no âmbito do Judiciário", afirmou a juíza. De acordo com ela, as imagens publicadas no Facebook não comprovam uma amizade íntima, sendo apenas fotos no ambiente de trabalho.

"Sinto-me absolutamente à vontade para julgar qualquer causa ajuizada em Barracão, seja ou não de serventuários. Minha postura sempre foi absolutamente clara, transparente, no julgamento de todas as causas. Foi a primeira vez, em toda minha carreira, que fatos foram distorcidos desta forma. Naturalmente que o Judiciário jamais agradará a todos, mas atacar, violentamente, o convencimento de um juiz, promovendo divulgação dos fatos da forma como houve, é atitude injustificável, mesmo para uma parte que perdeu uma demanda judicial e está condenada ao pagamento de uma indenização no importe de R$ 7 mil", declarou a juíza.

Ações de serventuários
A ação judicial para buscar uma reparação por um problema consumerista deveria ser a última alternativa, somente após o esgotamento das vias administrativas. Com o intuito de evitar a chamada banalização do dano moral, o Superior Tribunal de Justiça já definiu que não cabe indenização se não houver repercussão em direito de personalidade.

Na ação em que questiona a imparcialidade da juíza, o escritório Mehler Chiaverini Advogados diz que em Barracão alguns serventuários recorrem ao Judiciário com frequência para resolver seus problemas consumeristas e, quase sempre, têm seus pedidos julgados procedentes pela juíza Branca Bernardi.

Além da assistente que teve mais de uma dezena de pedidos aceitos pelo Judiciário local, outros casos chamaram a atenção do escritório de advocacia que listou 13 funcionários que também tiveram êxito em ações. Um deles teve 33 ações julgadas procedentes. Já um estagiário da comarca conseguiu que uma fabricante de margarinas fosse condenada a pagar R$ 10 mil de danos morais porque comprou um pote que descrevia ter 500g, mas na verdade era de 250g.

"Em regra as ações são julgadas antecipadamente sem a realização de audiência de instrução, possuem a mesma fundamentação e os valores das condenações e multa por descumprimento de decisão liminar são arbitrados em valores elevados, sem critério específico para cada caso, sendo na maioria das vezes uma condenação de R$ 12 mil ou R$ 7 mil", afirmam os advogados.

Distorção da realidade
Questionada sobre essas acusações, a juíza Branca Bernardi afirma que há uma tentativa dos advogados de distorcerem a realidade para que se tenha a aparência de que no foro só há ações de funcionários, o que, segundo a magistrada, não é verdade.

"As ações mencionadas na petição de impedimento são ações ajuizadas de 2007 a 2016: quase 10 anos de trabalho. Ou seja, extraíram todas as ações ajuizadas por serventuários, em um  intervalo de 10 anos, o que evidenciou um exagero nas somas apresentadas e na interpretação dos fatos", afirma Branca.

Em dados apresentados pela juíza, de todas as 5.206 ações julgadas em 2016 na comarca, apenas 15 (0,29%) foram ajuizadas por serventuários. No ano anterior, das 3.980 ações julgadas, 37 eram de funcionários (0,92%). Nesses dois anos de trabalho, a juíza afirma que das 52 sentenças, 12 transitaram em julgado sem recurso; 24 foram mantidas pela Turma Recursal; três reformadas; um baixou em diligência; 11 aguardam julgamento de recurso; uma aguarda eventual recurso.

Segundo ela, o princípio básico na Comarca de Barracão, como em todas as demais comarcas do país, é a igualdade entre as partes, bem como entre todas as pessoas que ajuízam ações. "Diante disso, jamais há possibilidade de concordar com a expressão de que causa estranheza as causas julgadas favoravelmente aos serventuários. O mesmo perfil e entendimento é adotado em todas as causas julgadas na comarca".

Branca Bernardi ressalta ainda que tirar um juiz do julgamento de uma ação é algo gravíssimo, que afeta a própria estrutura do Poder Judiciário, "edificado sobre a certeza de ter um juiz corajoso, livre de pressões externas, capaz de julgar conforme o próprio sentimento de Justiça, sem medo das consequências de suas decisões". De acordo com a magistrada, somente as causas expressamente previstas em lei podem gerar o afastamento de um juiz do julgamento da lide.

Decisões idênticas
Sobre a acusação de que, em regra suas ações são julgadas antecipadamente sem a realização de audiência de instrução, possuem a mesma fundamentação e os valores das condenações idênticos, a juíza confirma que "as indenizações fixadas são absolutamente idênticas em todas as ações, quando idênticas as situações fáticas".

"As pessoas que ingressam com ações alegando os mesmos fundamentos (falhas do produto; cobranças indevidas) recebem exatamente o mesmo valor pela indenização de dano moral. As fundamentações são exatamente as mesmas, quando os fatos narrados são idênticos", explica.

"Houve um período em que apreciei causas ajuizadas diante de falhas na prestação de serviço das telefônicas. As sentenças eram absolutamente idênticas umas às outras, mudando-se somente o nome das partes", complementa.

A juíza conta que as indenizações que fixa, nos processos dos Juizados Especiais Cíveis, orbitam de R$ 7 mil a R$ 12 mil, se há comprovação do direito alegado. O valor, segundo ela, deve ser capaz de desestimular a empresa a replicar a postura, forçando-a a respeitar o consumidor, tratá-lo com a consideração e a dignidade necessárias. Ela aponta que há juízes que fixam, para as mesmas causas, indenizações de até R$ 37 mil.

Segundo a magistrada, as indenizações se prestam, inclusive, a esclarecer para a outra parte que o consumidor deve ser respeitado em todos os seus direitos, na medida do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 1990), sob pena de a empresa ser condenada a pagar indenização. "É uma forma, inclusive, de premiar os fornecedores que cumprem adequadamente a missão de atender ao mercado consumidor", complementa.

Apoio da comunidade
A juíza, que faz questão de manter contato com a comunidade de Barracão (inclusive disponibilizando seu celular e e-mail), se defende afirmando que os advogados e o povo de Barracão são as pessoas mais certas para esclarecer todos os fatos.

"São pessoas que acompanham o trabalho desta magistrada, nos sábados, domingos, feriados, madrugadas, com toda a atenção. Amo imensamente o meu trabalho. Amo ser juíza. Amo colaborar com a mudança de valores, de paradigmas, sempre a caminho da realização e da construção de uma sociedade livre, justa e solidária (Constituição Federal, art. 3, I), em que cada homem, sobre a Terra, tenha o mesmo valor", registrou.

De acordo com a juíza, logo que houve a divulgação dos fatos, ela recebeu mensagens de solidariedade de advogados, jornalistas e da população atendida pela comarca. Os advogados, inclusive, fizeram uma moção de apoio a juíza.

O escritório acusado por Branca de distorcer os dados foi procurado pela ConJur mas não quis se manifestar sobre o caso.

Processos em que houve pedido de suspeição:
0002746-67.2014.8.16.0052
0004502-43.2016.8.16.0052
0004412-35.2016.8.16.0052 

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