Opinião

Julgamento monocrático incrementou os poderes do relator

Autor

  • Arnaldo Quirino de Almeida

    é pós-graduando em Direito Corporativo e Compliance (Escola Paulista de Direito) pós-graduado em Direito Penal Econômico e Europeu (Universidade de Coimbra Portugal) e em Direito e Processo Penal (Universidade Mackenzie) e especialista em Governança Corporativa Compliance Controle de Riscos e Lavagem de Capitais (Saint Paul Escola de Negócios).

18 de fevereiro de 2017, 16h20

O Direito Processo Civil brasileiro, desde as alterações pontuais que sofreu nos últimos anos, até o surgimento do Código de Processo Civil de 2015, caminhou na direção da valorização e eficácia da jurisprudência consolidada pelos tribunais superiores.

Iniciamos a mudança de paradigma ainda na vigência do Código de Processo Civil de 1973, com a redação dada ao artigo 557 pela Lei 9.139/1995, permitindo ao relator negar seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou contrário à súmula do respectivo tribunal ou tribunal superior, com recurso de agravo (legal) para o órgão colegiado, sendo o caso. Nessa redação, o artigo ao referir-se ao recurso de agravo, na verdade tratava do agravo de instrumento.

Convém mencionar que mesmo antes, com a Lei 8.038/1990, o seu artigo 38 conferiu poderes ao relator no Supremo Tribunal Federal ou no Superior Tribunal de Justiça para decidir monocraticamente o pedido ou recurso.

O artigo 557 sofreu nova alteração através da Lei 9.756/1998 para fazer acrescer ao seu caput a possibilidade do relator negar seguimento ao recurso, nas mesmas condições supramencionadas, desde que em confronto com súmula ou jurisprudência dominante dos tribunais.

A referida lei, acrescentando o § 1º-A ao artigo 557, também possibilitou ao relator dar provimento monocraticamente ao recurso, desde que a decisão recorrida estivesse em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do STF ou de tribunal superior, com a possibilidade do agravo (legal) à parte prejudicada (e previsão de juízo de retratação).

Em período posterior tivemos a incorporação da sistemática do Recurso Especial Repetitivo (Lei 11.672/2008) e da Repercussão Geral em Recurso Extraordinário (Lei 11.418/2006), com a clara vocação de tentar obstar o efeito nefasto do tempo sobre o julgamento dos recursos, ocasionado, de regra, pela repetição ou multiplicidade de processos que versam sobre a mesma questão de direito. Mencione-se, outrossim, nesse mesmo desiderato, a Emenda Constitucional 45/2004 e seu sistema de súmulas vinculantes.

Conjugadas tais técnicas de julgamento – (a) decisão monocrática do relator; (b) RESP repetitivo; (c) REX com repercussão geral (repetitivo); (d) súmulas vinculante (EC 45/2004) -, o legislador sinalizou sua intenção de aperfeiçoar a demanda recursal nos tribunais: dar celeridade ao processo e maior efetividade à jurisprudência dos tribunais superiores.

O método implantado, por certo, em muito contribui aos seus propósitos, é inegável. Todavia, algumas situações experimentadas pela casuística evidenciam que o sistema de Direito Jurisprudencial estruturado pelo legislador processual até então era passível de aprimoramento, impedindo incoerências ou iniquidades da demanda recursal.

Não é raro que no âmbito de um determinado tribunal tenhamos a consolidação de entendimento acerca de uma questão jurídica em certo sentido (jurisprudência dominante) e, em outra região do País, analisando a mesma matéria, outro tribunal tenha entendimento diverso.

A diversidade de posicionamentos também poderá dar-se em um mesmo tribunal no qual haja Seção, Turma ou Câmara Especializada, conforme estrutura própria regulada nos respectivos Regimentos Internos (artigo 96, inciso I, alínea “a”, da Constituição Federal), sendo possível a ocorrência de dissenso minoritário em algum dos órgãos fracionários que compõem aqueles órgãos colegiados; ou ainda, pela alteração circunstancial na composição do órgão fracionário (p.ex.: turma ou câmara julgadora com composição integrada por juízes de primeiro grau convocados durante período de férias ou licença dos magistrados que a compõem).

São hipóteses nas quais, invariavelmente, a decisão monocrática fundada em tese jurídica, acórdão ou jurisprudência divergente seria contrastada pelo Agravo (legal), não somente com a finalidade de buscar uma decisão de consenso e a mais justa possível do órgão colegiado, mas também como forma de viabilizar a admissibilidade de eventual Recurso Especial ou Extraordinário suprindo possível ausência de prequestionamento da matéria (esgotamento das instâncias recursais ordinárias), considerado o conceito de causa decidida – art. 102, inciso III, e art. 105, inciso III, da Constituição Federal.

Não sem críticas de lado a lado, como é natural em qualquer reforma legislativa ampla como foi a da norma processual civil brasileira, fato é que, no ponto, o artigo 932, incisos IV e V, do CPC/2015, pretendeu conferir maior coesão e celeridade ao sistema de julgamento monocrático fundado em precedentes dos tribunais, sumulados ou derivados de enunciados de julgamentos de casos repetitivos.

Segundo o preceito legal, ao relator somente é autorizado decidir monocraticamente, negando provimento ao recurso que for contrário: a súmula do STF, do STJ ou do próprio tribunal; ao acórdão proferido em julgamento de casos repetitivos pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça; ao entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência.

Se a decisão recorrida for contrária àquele marco jurisprudencial e sumular, igualmente o relator poderá decidir monocraticamente o recurso, dando-lhe provimento. Tal possibilidade de provimento ou improvimento de recurso através de julgamento monocrático fundamentado em “jurisprudência estabilizada” remete-nos a firme orientação constante dos artigos 927 e 928 do CPC de 2015, vocacionados a estimular que sejam estritamente observados os enunciados de súmulas e acórdãos proferidos em demandas repetitivas.

Em relação ao artigo 557 do CPC de 1973, suprimiu-se a possibilidade do julgamento monocrático fundado em jurisprudência dominante não consolidada em enunciados sumulados, pelo menos em tese, segundo a orientação textual do artigo 932, incisos IV e V, do CPC/2015.

Mas é de se indagar se realmente a alteração legislativa é peremptória ao vedar (implicitamente) que o relator decida monocraticamente quando se colocar em face de jurisprudência dominante (pacificada) ainda não sumulada.

A indagação se justifica na medida em que pela dinâmica das atividades dos tribunais poderá ocorrer situação na qual, por exemplo, órgãos fracionários que compõem uma Seção, Turma ou Câmara Especializada, estejam decidindo à unanimidade ao analisar uma específica tese jurídica, conquanto o tribunal por várias razões ainda não tenha cumprindo a regra estabelecida no artigo 926, § 1º, do CPC/2015 (“os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante”).

A hipótese requer reflexão que conduza a possibilidade de mitigar aquela orientação do artigo 932 do CPC de 2015. Se o tribunal possui entendimento firme e dominante acerca da melhor interpretação do direito ou de matéria que sabidamente é repetitiva, impõe-se a edição de súmula, independentemente de provocação da parte ou interessado (quiçá por meio de instrumentos tais como o incidente de assunção de competência – art. 947 -, ou do incidente de resolução de demandas repetitivas – art. 976).

Quando o tribunal não se antecipa editando a necessária súmula, atendendo a novel orientação da norma processual que instaurou um microssistema de valorização do precedente, vocacionado à resolução das demandas no menor tempo possível, à tutela da segurança jurídica e ao princípio da isonomia, é salutar possibilitar ao relator decidir monocraticamente com fundamento em jurisprudência dominante na hipótese mencionada, apesar da redação atual do art. 932, nesse aspecto, diversa daquela que era prevista para o art. 557 do CPC/1973.

A afirmação é tanto mais coerente se fizermos uma leitura atenta do artigo 489, § 1º, incisos V e VI (a contrario sensu), na medida em que, s.m.j., o preceito legal autorizaria decisão fundada não somente em enunciado de súmula, mas também em jurisprudência ou precedente que veiculam tese jurídica ainda não sumulada ou submetida ao procedimento de julgamento de recursos repetitivos.

Sobre esta intrigante questão é pertinente mencionar, em síntese, os comentários do eminente processualista e professor da PUC-SP, o Doutor Cassio Scarpinella Bueno (Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Ed. Saraiva, 2ª ed., 2016, pp. 597-598), na tentativa de esclarecer o alcance dos diversos usos que o CPC/2015 confere às nomenclaturas “jurisprudência, jurisprudência dominante, precedente, súmula e enunciado de súmula”. Segundo o ilustre processualista, “mais que o nome a ser dado ao resultado do emprego daquelas técnicas para os fins dos arts. 926 e 927, importa estudar, em substância, as próprias técnicas e o seu próprio resultado”.

A reflexão encontra lugar muito apropriado em questões tributárias onde avultam discussões que gravitam em torno de matéria unicamente de direito, cujo entendimento dominante ou pacificado (na linguagem do CPC de 2015) nem sempre é objetivado em enunciado de súmula pelos tribunais, muito embora saibamos que a práxis indica, de ordinário, que a última palavra nessa seara será invariavelmente do STF ou do STJ.

Apesar da decisão monocrática do relator não contrastada pelo agravo interno equivaler em eficácia e efetividade ao acórdão típico de decisão colegiada, não é dado descurar da interposição do agravo (e embargos de declaração, p.ex.) caso seja intenção da parte alcançar o STF ou o STJ por meio do Recurso Extraordinário ou do Recurso Especial, respectivamente, observadas as hipóteses de cabimento específicas e indissociáveis destes recursos excepcionais.

A assertiva deve-se muito em conta ao conceito de “causa decidida” (artigos 102, inciso III, e 105, inciso III, da Constituição Federal), que nos remete ao necessário prequestionamento da matéria (controvertida, não sumulada) ou ao esgotamento das instâncias recursais ordinárias, como já tivemos a oportunidade de lembrar: ausente esse requisito objetivo-constitucional, os recursos excepcionais não cumprem regular pressuposto de admissibilidade conforme entendimento enunciado nas Súmulas 282 e 356 do STF e Súmula 211 do STJ. 

Por ser pertinente, é relevante uma importante observação sobre o agravo interno, que, no sistema recursal do CPC/2015, é rigorosamente o meio de impugnação cabível para se irresignar a parte prejudicada pela decisão monocrática do Relator, fundada no chamado "direito jurisprudencial".

Não é equivocado afirmarmos que, em certo sentido, o agravo interno trata-se de recurso de “fundamentação vinculada”, notadamente quando manejado para provocar a reforma de decisão monocrática prevista nos incisos IV e V, do artigo 932, do CPC/2015.

Se o agravo interno pretende contrastar decisão unipessoal não fundamentada em “direito jurisprudencial”, ou seja, que não esteja amparada em súmula ou acórdão proferido em casos repetitivos, é natural a conclusão de que não estava o relator autorizado a decidir monocraticamente, ensejando a nulidade da referida decisão, situação na qual, o magistrado, acolhendo os argumentos do agravante, poderá retratar-se desde logo tornando sem efeito a decisão agravada, determinando, incontinenti, a inclusão do recurso de origem em pauta de julgamento, submetendo-o ao órgão julgador. Este um dos procedimentos que poderá ser adotado.

De certo modo, esse já era o entendimento esposado no STJ. Aquele tribunal superior, ainda na vigência do art. 557, § 1º, do CPC/73, produziu intensa jurisprudência afirmando que o agravo deve enfrentar a fundamentação da decisão agravada, ou seja, deve demonstrar que não é caso de recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.

Essas premissas foram preservadas na gênese do agravo interno, nos levando a deduzir que o entendimento proposto pelo c. STJ se aplica integralmente mesmo sob a égide do CPC/2015 (STJ, AGREsp n. 545.307-BA, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 06.05.04 e REsp n. 548.732-PE, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 02.03.04).

Caso o agravante não logre êxito em provar a inexistência de súmula ou acórdão produzido em julgamento de casos repetitivos – ou não se desincumbir do ônus de demonstrar a necessária distinção existente entre o direito jurisprudencial (e a tese jurídica nele consagrada) -, que serviu de supedâneo à decisão monocrática, e o corresponde caso concreto submetido ao relator, mas pretenda, na verdade, a mera rediscussão ou análise novamente do mérito recursal de origem (o reexame, na integralidade, dos fundamentos do recurso de apelação, por exemplo), é de se concluir que o agravo interno sequer deve ser conhecido, por ausência de hipótese de cabimento, já que não cumpre o preceito do § 1º, do art. 1.021 do CPC/2015, sujeitando o recorrente, s.m.j., as sanções de que fala o § 4º, do mesmo dispositivo da norma processual.

Isso porque, é importante destacar, é equivocado trasladar para o agravo interno interposto para confrontar o "direito jurisprudencial” – na perspectiva aqui mencionada (art. 932, incisos IV e V, do CPC/2015) -, o efeito devolutivo inerente ao recurso de apelação, na sua acepção própria: possibilidade de amplo conhecimento de toda a matéria debatida e decidida em primeiro grau, com as ressalvas pertinentes no que respeita a matéria de ordem pública, que pode ser conhecida a qualquer tempo e grau de jurisdição, desde que não se verifique no processo a preclusão máxima representada pelo fenômeno da coisa julgada.

Portanto, encontra-se consagrada também à luz do novo Código de Processo Civil a possibilidade de julgamento monocrático nos tribunais, decorrência da evolução legislativa que incrementou os poderes do relator, iniciada em alguns casos com autorização excepcional constante de regimentos internos, posteriormente positivados pelas sucessivas alterações do CPC/1973 e reeditados no novo CPC/2015.

Referências
Bueno, Cassio Scarpinella. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Ed. Saraiva, 2ª ed., 2016. 

Cunha, Leonardo Carneiro da, e Didier Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil, vol. 3. Salvador: Ed. JusPODIVM, 13ª ed., 2016. 

Machado, Antônio Alberto. Teoria Geral do Processo Penal. São Paulo: Ed. Atlas, 2009. 

Medina, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil comentado. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 4ª ed., 2016. 

Neves, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil. São Paulo: Ed. Método, 3ª ed., 2016. 

Tucci, Rogério Lauria. Direitos e garantias individuais no Processo Penal brasileiro. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2ª ed., 2004.

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