Reflexões Trabalhistas

Cerceamento de defesa por negativa de prestação jurisdicional

Autor

  • Raimundo Simão de Melo

    é consultor Jurídico advogado procurador regional do Trabalho aposentado doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP professor titular do Centro Universitário do Distrito Federal-UDF/mestrado em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho e autor de livros jurídicos.

17 de fevereiro de 2017, 9h56

Spacca
São comuns no dia a dia da atuação jurisdicional o proferimento de decisões judiciais rejeitando Embargos de Declaração sob o fundamento de que não podem eles ser utilizados para obter novo reexame da causa, nem mesmo para fins de prequestionamento, pois o juiz não é obrigado a responder e acompanhar pontualmente toda a argumentação das partes.

Realmente não é possível e nem se deve buscar decisão judicial que aprecie todos os argumentos levantados pelas partes nos processuais. Todavia, como decorre de preceito fundamental, é dever/obrigação do julgador enfrentar os fundamentos relevantes e a prova existente nos autos e dizer ao jurisdicionado porque acolheu ou não a sua pretensão. Não agindo assim o órgão julgador afronta os princípios do devido processo legal e da ampla defesa, consagrados na Constituição Federal como cláusulas pétreas (artigo 5º, inciso LV).

Quando ocorre esse tipo de negativa de prestação jurisdicional, grave prejuízo sofre o jurisdicionado, pela falta de fundamentação sobre questão fulcral, fundamento relevante, decisivo para o deslinde da causa.

Realmente é grave para o jurisdicionado quando o julgador não diz, mesmo diante de embargos à decisão, uma palavra sequer sobre relevantes fundamentos postos para sua análise e provas existentes nos autos, o que caracteriza grave vício de nulidade da decisão judicial, por negativa de prestação jurisdicional, como preconizam os arts. 93, inc. IX da Constituição Federal, 489 e inc. II do CPC e 832 da CLT (TST – RR-654.007/2000), os quais prescrevem:

CF/Art. 93. … IX – “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação” (grifados).

CPC/Art. 489 – “São elementos essenciais da sentença:

I – …

II – os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito” (grifados).

CLT/Art. 832 – “Da decisão deverão constar o nome das partes, o resumo do pedido e da defesa, a apreciação das provas, os fundamentos da decisão e a respectiva conclusão” (grifados).

Como estabelecem a Constituição Federal, o CPC e a CLT, cabe ao julgador apreciar os fundamentos relevantes das partes e as provas existentes nos autos e fundamentar a sua decisão, sob pena de ser a mesma declarada nula. A seguir, decisão do C. TST ao enfrentar essa questão:

EMENTA: EMBARGOS. NULIDADE DO ACÓRDÃO PROLATADO PELO TRIBUNAL REGIONAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 896 DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO.  Os artigos 93, IX, da Constituição da República, 832 da Consolidação das Leis do Trabalho e 458 do Código de Processo Civil impõem ao julgador o dever de expor os fundamentos de fato e de direito que embasam a sua convicção, exteriorizando-a na decisão, mediante a análise pormenorizada das alegações relevantes para o desfecho da controvérsia. Nessas circunstâncias, se, a despeito da interposição de embargos de declaração, o Tribunal Regional deixa de examinar questão relevante para o desfecho da lide, impõe-se dar guarida à arguição de nulidade do julgado, por negativa de prestação jurisdicional. Recurso de embargos conhecido e provido (E-RR – 69749/2002-900-07-00; LELIO BENTES CORRÊA, Ministro Relator; PUBLICAÇÃO: DEJT – 18/09/2009).

No corpo do voto constou: “A obrigação de prestar a tutela jurisdicional de forma completa e fundamentada, sob a cominação de nulidade, constitui dever do Estado-juiz e garantia do cidadão. A resistência injustificada à explicitação de ponto relevante para o desfecho da controvérsia caracteriza vício de procedimento, com manifesto prejuízo à parte interessada, na medida em que impede a veiculação do recurso de natureza extraordinária, em face da não consignação, no julgado de origem, dos elementos necessários à perfeita compreensão do tema controvertido. Nesse contexto, resta configurada a negativa de prestação jurisdicional, encontrando-se caracterizada, na hipótese, a violação dos artigos 93, IX, da Constituição da República, suficiente a autorizar o processamento do recurso de revista interposto pelo reclamado. Impõe-se reconhecer, daí, que a egrégia Turma, ao deixar de conhecer do recurso de revista empresarial, no particular, violou a literalidade do artigo 896 da CLT… (grifados)”. “Conhecidos os embargos por violação do artigo 896 da CLT, porque demonstrado que o recurso de revista interposto pelo reclamado merecia processamento por afronta ao artigo 93, IX, da Constituição da República, consequência lógica é o seu provimento para, reformando a decisão proferida pela Turma, por meio da qual não se conhecera do recurso de revista interposto pelo reclamado no particular, determinar o retorno dos autos ao TRT de origem, a fim de que proceda a novo exame dos declaratórios veiculados às fls. 246/251, pronunciando-se especificamente acerca do depoimento prestado pelo gerente da agência de Quixeramobim, bem como sobre os documentos carreados aos autos por meio dos quais se teria comprovado a aposentadoria de uma empregada e a rescisão do contrato de trabalho de outras duas, todas da mesma agência de Quixeramobim …” (grifados). 

O problema é que, levar a discussão ao TST não é nada fácil, em primeiro lugar pelas conhecidas dificuldades no recebimento do Recurso de Revista pelo Regional, depois porque a Corte Superior demorará anos para decidir o caso. Se anular a decisão, vai determinar o retorno dos autos às instâncias inferiores para bem apreciar e fundamentar a decisão, mas o grave prejuízo já foi causada à parte interessada e para isso não haverá nenhuma reparação.

Autores

  • Brave

    é consultor jurídico e advogado. Procurador Regional do Trabalho aposentado. Doutor e Mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP. Professor titular do Centro Universitário UDF. Membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho. Autor de livros jurídicos, entre outros Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador.

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