Opinião

Súmulas 565 e 566 do STJ não se aplicam no estado de Pernambuco

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15 de fevereiro de 2017, 6h12

Desde o ano de 2010, muito se ouviu falar sobre as tarifas bancárias inclusas nos contratos de financiamentos bancários, amplamente conhecidas como Tarifa de Abertura de Crédito (TAC) e Tarifa de Emissão de Carnê (TEC). Em alguns contratos essas tarifas são denominadas de outra forma, mas conservam a mesma natureza jurídica: Tarifa sobre Serviços de Terceiros, Registro de Contrato, Inserção de Gravame, Taxa de despachante, Avaliação de bens entre outras.

De inicio, a grande maioria dos tribunais se posicionava pela ilegalidade da cobrança das TACs e TECs por parte dos bancos e financeiras, imputando em suas decisões a devolução ao consumidor prejudicado.

Com o crescimento do número de ações, principalmente no âmbito dos Juizados Especiais, os bancos e as financeiras tomaram a postura de recorrer de toda e qualquer decisão, no intuito de mudar o entendimento que até então seria desfavorável aos recorrentes. Nesse ínterim, chegaram diversos recursos especiais e reclamações no Superior Tribunal de Justiça, que tinha se dividido quanto ao posicionamento da matéria, fato que levou o tribunal a incluir dois dos recursos (REsp 1.255.573 e 1.251.331/RS) no rito do julgamento dos recursos repetitivos de acordo com o artigo 543–C do Código de Processo Civil de 1973 (hoje alterado pelo artigo 1.036 do Código Processo Civil de 2015).

O julgamento dos recursos repetitivos, em linhas gerais, prioriza a pacificação das decisões judiciais, de forma a tentar resolver eventual controvérsia sobre à matéria, assumindo o compromisso cada vez mais perseguido quanto a força dos precedentes, o que foi claramente otimizado pelo código de Processo Civil de 2015.

No julgamento dos recursos, ficou estabelecido, por maioria, um entendimento desfavorável aos consumidores, resultando nas Súmulas 565 e 566, vejamos:

Súmula 565-STJ: A pactuação das tarifas de abertura de crédito (TAC) e de emissão de carnê (TEC), ou outra denominação para o mesmo fato gerador, é válida apenas nos contratos bancários anteriores ao início da vigência da Resolução-CMN n. 3.518/2007, em 30/4/2008.

Súmula 566-STJ: Nos contratos bancários posteriores ao início da vigência da Resolução-CMN n. 3.518/2007, em 30/4/2008, pode ser cobrada a tarifa de cadastro no início do relacionamento entre o consumidor e a instituição financeira.

Com tais precedentes, logo começou uma corrente de mudança entre os interpretes estudiosos da matéria, seja por sua aplicabilidade aos casos concretos, seja pela fundamentação — ratiodecidendi — ter deixado claramente brechas para aplicação de entendimento diverso, como exemplo, a analise de abusividade no caso concreto pelo julgador.

No Estado de Pernambuco, novamente, o entendimento mais adotado pelos julgadores foi pela analise da abusividade de cada caso, de acordo com os parâmetros e experiência cotidiana, bem com a aplicabilidade da Lei Estadual de Pernambuco 12.702/2004, alterada pela Lei 14.689/2012, a qual versa em seu Artigo 1º:

Art. 1º Fica vedada a cobrança de taxas de abertura de crédito, taxas de abertura ou confecção de cadastros ou quaisquer outras tarifas, implícitas ou explícitas, de qualquer nomenclatura, que caracterizem despesas acessórias ao consumidor na compra de bens móveis, imóveis e semoventes no âmbito do Estado de Pernambuco.

Assim, resta evidente que tais julgadores, implicitamente ou concretamente, começaram a utilizar a técnica distinguishing [i] na aplicação dos precedentes em seus julgamentos — mesmo antes da vigência da Lei 13.105/2015 —, fato que retomou uma verdadeira enxurrada de reclamações junto ao Superior Tribunal de Justiça, sob o argumento de descumprimento de precedente obrigatório.

De inicio algumas liminares foram concedidas suspendendo as decisões “contrárias” ao entendimento e noutros momentos determinando que as turmas recursais, reavaliassem objetivamente a abusividade da tarifa de cadastro de acordo com o julgamento dos recursos repetitivos sobre a matéria.

Contudo, após algumas manifestações e esclarecimentos em razão da distinção dos casos de Pernambuco, diante de Lei Estadual especifica que regula à matéria — lei que não foi sequer apreciada nos julgamento dos recursos repetitivos que deram origem as súmulas sobre à matéria — os ministros começaram a julgar improcedentes as mencionadas reclamações, exatamente utilizando a técnica do distinguishing e que a competência para manejar eventual matéria constitucional seria de competência privativa da união, vejamos:

RECLAMAÇÃO 24.292 – PE (2015/0084251-6) RELATORA : MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI RECLAMANTE : BANCO J SAFRA S/A ADVOGADO : BRUNO HENRIQUE DE OLIVEIRA VANDERLEI E OUTRO (S) RECLAMADO : SEGUNDA TURMA DO COLÉGIO RECURSAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS CIVEIS DO ESTADO DE PERNAMBUCO INTERES. : RIVALDO DE SOUZA SANTOS ADVOGADO :PIETRO DUARTE DE SOUSA DECISÃO Trata-se de reclamação ajuizada pelo Banco J Safra S/A em face de acordão proferido pela Segunda Turma do Colégio Recursal dos Juizados Especiais Civeis do Estado de Pernambuco que negou provimento a recurso inominado, confirmando integralmente a sentença recorrida, que julgou procedente pedido de restituição, em dobro, de tarifas bancarias cobradas em contrato de financiamento de veiculo automotor, estando assim ementado: RECURSO INOMINADO. DIREITO DO CONSUMIDOR. FINANCIAMENTO DE VEICULO. COBRANÇA DE TAXA DE CADASTRO E OUTRAS DESPESAS. ABUSO. ART. 51 DO CDC E LEIS ESTADUAIS 12.702/2004 E 14.689/2012. RESTITUIÇÃO DOBRADA. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. Aduz o reclamante, em síntese, que o acordão ora reclamado encontra-se em divergência com a jurisprudência desta Corte, mormente em relação aos REsp`sns. 1.251.331/RS, onde teria se firmado o entendimento de que seria legitima a cobrança da Tarifa de Cadastro e outras previstas no contrato. (…)No caso em exame, melhor analisando os autos, observo que nao ha falar em divergência jurisprudencial em torno da interpretação de legislação federal. Em verdade, o que se verifica e a irresignação do reclamante quanto a aplicação, para a solução da demanda, de lei pernambucana que veda a cobrança de taxas de cadastro, de abertura de credito e similares em contratos de financiamento para a compra de bens moveis ou imoveis. Diante desse contexto, entendo que a presente via nao se presta para questionar validade de lei estadual, muito menos para promover o respectivo controle de constitucionalidade, matéria de competência do STF (Constituição Federal, art. 102, inciso III, alineas "c" e "d"). Pelo nao cabimento de reclamações como a presente, por esse e por outros fundamentos, confiram-se: Rcl 17.679/PE, Rel. Ministro Sidnei Beneti, DJe de 7.5.2014; Rcl 17.687/PE, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, DJe de 24.4.2014; Rcl 17.638/PE, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, DJe de 14.4.2014; Rcl 17.076/PE, Rel. Ministro João Otavio de Noronha, DJe de 3.4.2014; e Rcl 17.063/PE, Rel. Ministro Ricardo Villas Boas Cueva, DJe de 24.3.2014. Em face do exposto, revogo a liminar deferida e, com base nos arts. 1º, § 2º, da Resolução 12/2009-STJ e 34, inciso XVIII, do RISTJ, nego seguimento a reclamação. Intimem-se. Brasilia (DF), 21 de junho de 2016. MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI Relatora (DESTAQUE NOSSO) [ii]

Assim, resta evidente que os julgamentos no âmbito do Estado de Pernambuco, que eventualmente foram contrários ao regramento geral das Súmulas 565 e 566 do STJ, não descumprem de qualquer sorte precedente obrigatório, mas simplesmente priorizam a distinção do caso concreto.

Para não restar dúvidas quanto à legitima posição dos interpretes que entendem pela inaplicabilidade das Súmulas 565 e 566 no Estado de Pernambuco, basta ressaltar a constitucionalidade a possibilidade dos estados legislarem sobre direito do consumidor e da constitucionalidade da Lei 14.689/12 do Estado de Pernambuco.

Deve-se esclarecer sobre o que diz respeito à possibilidade do Estado legislar sobre a matéria discutida na Lei 14.689/12, que no nosso ponto de vista se trata exclusivamente sobre Direito do Consumidor, já que seu teor regula as relações de contrato de compra e venda formulada dentro do território estadual sem qualquer afronta aos normativos federais.

Vale dizer que a Constituição de 1988 contempla entre outros, os direitos do consumidor. No seu artigo 5º, inciso XXXII, inserido como um dos direitos fundamentais, prescreveu a Carta Maior que: “O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. O jurista ToshioMuka [iii]: “(…) Essa disposição já mostra que o constituinte quis que a matéria fosse de ordem concorrente, ao empregar a expressão genérica ‘Estado’. Dessa forma a Constituição em vigor estabelece competência concorrente entre União, Estados e Distrito Federal para legislar sobre consumo.

Nesta esteira, o STF já tem entendimento pacificado no sentido da possibilidade do Estado legislar concorrentemente sobre direito do Consumidor:

"Lei 12.385/2002 do Estado de Santa Catarina, que cria o programa de assistência às pessoas portadoras da doença celíaca e altera as atribuições de secretarias estaduais. (…) A natureza das disposições concernentes a incentivos fiscais e determinação para que os supermercados e hipermercados concentrem em um mesmo local ou gôndola todos os produtos alimentícios elaborados sem a utilização de glúten não interferem na função administrativa do Poder Executivo local. A forma de apresentação dos produtos elaborados sem a utilização de glúten está relacionada com a competência concorrente do Estado para legislar sobre consumo, proteção e defesa da saúde. Art. 24, V e XII, da CR. Precedentes." (ADI 2.730, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 5-5-2010, Plenário, DJE de 28-5-2010.)

“A competência do Estado para instituir regras de efetiva proteção aos consumidores nasce-lhe do art. 24, V e VIII, c/c o § 2º (…). Cumpre ao Estado legislar concorrentemente, de forma específica, adaptando as normas gerais de ‘produção e consumo’ e de ‘responsabilidade por dano ao (…) consumidor’ expedidas pela União às peculiaridades e circunstâncias locais. E foi o que fez a legislação impugnada, pretendendo dar concreção e efetividade aos ditames da legislação federal correlativa, em tema de comercialização de combustíveis.” (ADI 1.980, voto do Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 16-4-2009, Plenário, DJE de 7-8-2009.) No mesmo sentido: ADI 2.832, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 7-5-2008, Plenário, DJE de 20-6-2008; ADI 2.334, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 24-4-2003, Plenário, DJ de 30-5-2003.

“ADI 2832 / PR – PARANÁ
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI
Julgamento: 07/05/2008 – Órgão Julgador: Tribunal Pleno

EMENTA: INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Lei nº 12.420/99, do Estado do Paraná. Consumo. Comercialização de combustíveis no Estado. Consumidor. Direito de obter informações sobre a natureza, procedência e qualidade dos produtos. Proibição de revenda em postos com marca e identificação visual de outra distribuidora. Prevenção de publicidade enganosa. Sanções administrativas. Admissibilidade. Inexistência de ofensa aos arts. 22, Incs: I, IV e XII, 170, incs. IV, 177, §§ 1º e 2º, e 238, todos da CF. Ação julgada improcedente. Aplicação dos arts. 24, Incs: V e VIII, cc. § 2º, e 170, inc. V, da CF. É constitucional a Lei nº 12.420, de 13 de janeiro de 1999, do Estado do Paraná, que assegura ao consumidor o direito de obter informações sobre a natureza, procedência e qualidade de produtos combustíveis comercializados nos postos revendedores do Estado. Precedentes ADI 2832 / PR – PARANÁ”

"Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 5.652 do Estado do Espírito Santo. Comercialização de produtos por meio de vasilhames, recipientes ou embalagens reutilizáveis. Gás liquefeito de petróleo engarrafado (GLP). Diretrizes relativas à requalificação dos botijões. (…) O texto normativo questionado contém diretrizes relativamente ao consumo de produtos acondicionados em recipientes reutilizáveis – matéria em relação à qual o Estado-membro detém competência legislativa (art. 24, V, da CB). Quanto ao GLP, a lei impugnada determina que o titular da marca estampada em vasilhame, embalagem ou recipiente reutilizável não obstrua a livre circulação do continente (art. 1º, caput). Estabelece que a empresa que reutilizar o vasilhame efetue sua devida identificação através de marca, logotipo, caractere ou símbolo, de forma a esclarecer o <consumidor> (art. 2º). A compra de gás da distribuidora ou de seu revendedor é operada concomitantemente à realização de uma troca, operada entre o <consumidor> e o vendedor de gás. Trocam-se botijões, independentemente de qual seja a marca neles forjada. Dinamismo do mercado do abastecimento de gás liquefeito de petróleo. A lei hostilizada limita-se a promover a defesa do consumidor, dando concreção ao disposto no art. 170, V, da CB. O texto normativo estadual dispõe sobre matéria da competência concorrente entre a União, os Estados-membros e o Distrito Federal." (ADI 2.359, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 27-9-2006, Plenário, DJ de 7-12-2006.)

Deste modo, fica claro que o Estado no presente caso pode legislar sobre a matéria de Direito do Consumidor sem maiores controversas, ou seja, a Lei Estadual simplesmente concretiza os ditames da Lei Federal de Defesa do Consumidor (CDC) regulada para as necessidades regionais conferidas pelo Legislador Estadual.

Com efeito, o nosso entendimento é pela plena Constitucionalidade da lei do Estado de Pernambuco em discurso, (Lei 14.689/2012-PE), pois não fere a competência da União, já que é cediço entendimento de que a (Constituição Federal no Artigo 24, Incisos, V e VIII), atribui competência concorrente à União, aos Estados e ao Distrito Federal para legislar sobre produção e consumo e responsabilidade por dano ao consumidor.

Nesse sentido o § 1º do Artigo 24 da CF, esclarece que, no âmbito da legislação concorrente, a competência da União, limitar-se-á a estabelecer normas gerais. E o § 2º do Artigo 24 da CF, que a competência da União para as normas gerais não exclui a suplementar dos Estados. É exatamente o que acontece no presente caso, no qual a Lei 14.689/2012-PE que revogou lei de idêntico teor promulgada no ano de 2004, simplesmente ampliando seus termos, determina restrições/proibições de modo a proteger e garantir os Direitos dos Consumidores dentro do Estado de Pernambuco.

É certo que a lei especifica prevalece sobre a lei geral, pois a regra geral só incide quando não houver regra especial suprimindo uma determinada hipótese. Em conflito entre regra geral e regra especial (entre regra e exceção, na prática), a exceção prevalece, a regra especial é a preferente. A regra geral se aplica no silêncio da regra específica, ou onde for compatível com esta.

Diante de tudo isso, nossa conclusão se resulta na plena possibilidade do Estado legislar sobre direito do Consumidor e consequentemente, pela total Constitucionalidade da Lei 14.689/2012-PE, por não agredir de qualquer forma os ditames da CF/88, bem como pela possibilidade de regulamentação da norma de maneira específica para a necessidade regional, como é o caso da inaplicabilidade das súmulas 565 e 566 do Superior Tribunal de Justiça no âmbito do Estado de Pernambuco.


[i] O "distinguishing" ocorre quando o caso concreto em julgamento apresenta particularidades que não permitem aplicar adequadamente a jurisprudência do tribunal, havendo "distinção entre normas jurídicas e a norma de decisão" (Eros Grau) – http://www.estudodirecionado.com/2013/09/prospective-overruling-distinguishing-e.html

[iii] Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, São Paulo: Saraiva, 1991, p. 3.

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