História inventada

Reconciliação de casal não anula crime de denunciação caluniosa, decide TJ-RS

Autor

10 de fevereiro de 2017, 8h23

Atribuir fato delituoso a alguém sabidamente inocente é denunciação caluniosa, crime tipificado no artigo 339 do Código Penal. Afinal, tal imputação tem como consequência a instauração de investigações — policial ou administrativa —, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa, além de processos judiciais, movimentando indevidamente o aparato repressivo-judicial.

A comprovação dessa conduta criminosa levou a 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a manter, na íntegra, sentença que condenou uma mulher à pena de dois anos de reclusão, em regime aberto, além do pagamento de multa, na Comarca de Farroupilha. Na dosimetria, a pena de privação da liberdade foi convertida em prestação de serviços comunitários, à razão de uma hora por dia de condenação.

O fato que deu origem à denúncia do Ministério Público estadual ocorreu no dia 24 de março de 2013, quando a mulher apresentou queixa contra seu companheiro na delegacia de polícia do município. Ela disse que ele entrou em casa armado com uma pistola, desferiu-lhe um soco na boca e usou palavras de baixo calão. Ela ainda teria sido estuprada na frente do filho, de apenas três anos de idade. Com base nessas imputações, a autoridade policial, agindo de boa-fé, instaurou o inquérito policial contra o homem.

Poucos dias após o registro do boletim de ocorrência, o casal se reconciliou, voltando a morar junto. Em 17 de maio, então, ela compareceu novamente à delegacia e confessou ter inventado toda a história. Admitiu que estava com raiva do companheiro, por ele não querer reatar o relacionamento amoroso. Além disso, revelou que teve problemas com uma filha usuária de drogas, que lhe instigava contra o companheiro.

Assim, por ter plena consciência de que os fatos narrados jamais ocorreram, acabou denunciada à Justiça. Segundo o MP, sua conduta incorreu nas sanções do artigo 339, caput, na forma do artigo 61, inciso II, alínea “a” — ambos do Código Penal. Ou seja, cometeu o crime por motivo fútil.

Crime contra a Justiça
A juíza Maria Cristina Rech, da Vara Criminal daquela comarca, julgou procedente a ação do MP, por comprovar a materialidade e a autoria do delito. E também a motivação fútil, o que demonstra dolo quando do registro da ocorrência. O fato de o casal ter reatado o relacionamento, ponderou a julgadora, não extingue a ‘‘punibilidade do agente’’, sob o argumento de que a vítima não teria interesse em ver a ré condenada. É que se trata de crime contra a administração da Justiça, em que figura como sujeito passivo o Estado e, em segundo plano, a pessoa prejudicada pela falsa denúncia.

Conforme a juíza, não foi apenas o companheiro da ré o prejudicado nessa história, mas a sociedade como um todo. Destacou que a máquina pública foi movimentada para investigar falsos crimes, enquanto poderia ou deveria estar sendo adequadamente direcionada para apurar situações verdadeiras.

‘‘Ainda, além dessa consequência imediata, a ação da vítima acaba por ‘dar a impressão’ de que a Lei Maria da Penha, a tanto custo implementada para proporcionar maior segurança às mulheres, pode ser utilizada indevidamente, como fins de vingança, tirando, de certa maneira, a credibilidade desta, que acaba sendo vista como um mecanismo de vingança [e de] retaliação de algumas pessoas sobre outras, desvirtuando completamente o real sentido da Lei’’, anotou na sentença.

Clique aqui para ler a sentença.
Clique aqui para ler o acórdão.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!