Limite Penal

Como se faz um fórum shopping no processo penal

Autor

10 de fevereiro de 2017, 7h00

Spacca
Escolher o juiz que mais convém é o sonho de quem deseja ganhar a qualquer custo. Se você, caro leitor, pudesse escolher entre propor a ação penal em face de um juiz tendencialmente favorável à sua pretensão e um outro contrário, qual escolheria?

Conquista democrática, o juiz natural busca evitar o juiz de ocasião. Atribui-se ao princípio do juiz natural três significados distintos, embora correlatos: (i) juiz pré-constituído pela lei e não concebido após o fato; (ii) impossibilidade de derrogação e indisponibilidade de competência; e, (iii) proibição de juízes extraordinários e especiais.

Assim é que não se podem criar juízos de conveniência, devendo-se analisar a competência em face dos juízos existentes no momento da imputação. Na tradição constitucional brasileira (CR, artigo 5º, LIII), o princípio do juiz natural emprega dupla finalidade, proibindo tribunais de exceção e não consentindo com a transferência da competência para outro tribunal (avocação)[1]. É aquele previsto por lei em sentido estrito, antes do fato imputado, não sendo possível alterá-lo posteriormente. Não se confunde com a figura física do juiz, mas da unidade. É manipulada, corriqueiramente, com a designação de magistrados cooperadores que podem ser colocados ad hoc.

As manipulações de competência penal pelo uso do fórum shopping são cada vez mais presentes no jogo processual. Eleger o julgador que se apresenta com maiores condições de acolher a pretensão é o sonho de qualquer autor de ação. Não faz sentido propor uma ação fadada ao insucesso. Logo, caso o leitor possa direcionar o foro, resistir a essa possibilidade é tarefa árdua, até porque se busca otimizar o resultado favorável. O termo, cunhado no ambiente do Direito Internacional[2], “é uma noção própria do direito internacional privado. A pessoa que toma a iniciativa de propor uma acção em tribunal pode ser tentada a escolher o tribunal em função da lei que este deverá aplicar”. Aliás, o novo CPC autoriza a manipulação internacional nos casos de demandas civis (artigo 22, III).

Transferida para o processo penal, diante das hipóteses de eleição do foro competente pela vítima/ofendido, pode-se escolher o que é mais acolhedor das pretensões ou com maior capacidade de julgamento rápido, bastando a consulta da pauta de audiências on-line. Nos casos de ação penal privada, por exemplo, a própria legislação autoriza (CPP, artigo 73), bem como no regime da violência doméstica (Lei 11.340, artigo 15). A questão a ser sublinhada é o uso da conexão e da prevenção (CPP, artigos 70 e 76), quer da investigação, quer do juízo, para o fim de evitar distribuição, mantendo-se o julgador mais conveniente. Com essa tática, de duvidoso fair play, aumentam-se as expectativas de uma decisão favorável[3].

Trata-se de manipulação do juízo natural e, atualmente, amplamente manejado, especialmente com a instauração de investigações preliminares forçadas pela imaginária conexão probatória. Por aí se vê que o jogo do processo penal é suscetível às recompensas, nem sempre republicanas, principalmente em operações de porte que, diante do tamanho e do impacto efetivado, no tempo, tornam-se muito grandes para se reconhecer a ocorrência do fórum shopping, porque reconhecer significaria a anulação de todos os atos subsequentes. O efeito é a tolerância à manipulação, criando-se juízos universais a partir de uma única investigação, até porque, quando o juiz também quer, aceita a competência. Enfim, uma prática que aportou no jogo processual penal[4].


[1] MARCON, Adelino. O Princípio do Juiz Natural no Processo Penal. Curitiba: Juruá, 2004.
[2] Rede Judiciária Europeia: http://ec.europa.eu/civiljustice/glossary/glossary_pt.htm#Forum-shopping; XAVIER, Matheus Fernandez. Forum shopping, fenômeno jurídico do cenário pós-Guerra fria. Revista de Informação Legislativa, ano 53, n. 210, abr/jun. 2016, Brasília, p. 181-201, p. 182: “De forma resumida, pode-se definir forum shopping como a seleção estratégica de um tribunal para julgamento de um caso concreto, e/ou a decisão de se proceder com litigação paralela em diferentes cortes internacionais, e/ou a decisão de levar adiante a litigação seriada em diferentes tribunais”.
[3] TUNALA, Larissa Gaspar. Comportamento processual contraditório: a proibição de venire contra factum proprium no Direito Processual Civil brasileiro. Salvador: JusPodivm, 2015, p. 31.
[4] MORAIS DA ROSA, Alexandre. Guia do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos.

Autores

  • Brave

    é juiz em Santa Catarina, doutor em Direito pela UFPR e professor de Processo Penal na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e na Univali (Universidade do Vale do Itajaí).

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!