Opinião

Homologação de delação deve cumprir todos os parâmetros da lei

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9 de fevereiro de 2017, 14h17

Como ressabido, o instituto da colaboração (ou delação) premiada se acha regulamentado na Lei 12.850/13, que, dentre outras coisas, define o que seja, para o nosso ordenamento jurídico, “organização criminosa”.

No artigo 1º, parágrafo 1º, desse diploma, vem ela conceituada como sendo a “associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional”.

Assim, pois, associação pressupõe a ideia de um elo associativo permanente, contínuo e estável, bem como organização estrutural, além da comum preordenação dolosa de seus integrantes para a prática de uma série indeterminada de crimes. Anota-se, de há muito, que: societas delinquentium ad perpetuam pro crimen habetur, per se stante et quatrium personae.

Não há, portanto, confundir organização criminosa com singela participação ou coautoria (societas sceleris ou societas in crimine).

Bem fixadas essas básicas premissas, extrai-se do quanto contido na lei de incidência que o instituto da colaboração premiada só pode ter lugar dentro desse contexto conceitual, como decorre dos incisos do artigo 4º da Lei 12.850/13, segundo os quais somente se admite a colaboração quando dela decorram um ou mais dos seguintes resultados: “I – a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas; II – a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa; III – a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa; IV – a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; V – a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada”.

Fora de tais hipóteses, pois, incabível a colaboração premiada que, diga-se de passagem, deve ser utilizada no âmbito de uma mesma societas delinquentium. A letra da lei é de meridiana clareza e não deixa margem a qualquer questionamento: sempre está a aludir a uma mesma e específica organização criminosa.

Ora, no âmbito da cognominada operação "lava jato", o que se vê é que membros do denominado “clube das empreiteiras” — estabelecido de há muito, mantido durante vários governos, e cuja existência permanente e estável foi confirmada por seus próprios integrantes — vêm sistematicamente “delatando” pessoas inteiramente estranhas aos seus “quadros”, ocasionais beneficiários de algumas de suas atividades (ilícitas e também lícitas).

Trata-se de particulares, integrantes dos Poderes da República, especialmente políticos, que teriam sido beneficiários esporádicos, episódicos, de parte do quanto confessadamente se locupletaram essas empresas, o que, se comprovado, obviamente não elide o caráter ilícito de suas condutas.

Isso, porém, não significa que seriam esses favorecidos ocasionais e os integrantes do referido “clube” membros de uma mesma “organização criminosa”, na sua acepção jurídica. Não há como assim se entender.

O mesmo se diga em relação a colaboradores escoteiros que, para alcançarem a janela da impunidade, denunciam quem jamais foi coautor ou partícipe dos delitos que lhe são imputados.

Por outro lado, é da letra da lei que as delações serão sempre homologadas pelo juiz, que deverá verificar da sua regularidade, legalidade e voluntariedade, ouvido o delator, podendo recusá-las quando não preencherem os requisitos e pressupostos legais.

O ato de homologação, portanto, vai muito além de uma mera aferição formal da voluntariedade do agente. É imperioso que a autoridade judiciária verifique sua estrita legalidade, é dizer, sua adequação a todos os parâmetros da lei.

Será que isso é o que vem sendo observado — como se deveria — nos tribunais do país?

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