Sem debate

Marcelo Freixo impetra MS contra proposta de venda de estatal de saneamento do Rio

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6 de fevereiro de 2017, 20h15

Antes de efetuar mudanças relacionadas ao saneamento básico, o governo fluminense e a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) devem promover audiências públicas e ouvir a opinião da sociedade civil e de especialistas sobre o assunto. Além disso, os deputados estaduais não podem, em uma única sessão e sem debates e estudos aprofundados, autorizar a venda de empresa estatal, sob pena de violar o interesse público.

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Para Freixo e os outros deputados estaduais do Psol, é necessário ouvir a população antes de aprovar a venda da Cedae

Com base nesses fundamentos, o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Alerj, Marcelo Freixo, e os demais deputados estaduais do Psol, Flávio Serafini, Eliomar Coelho, Paulo Ramos e Wanderson Nogueira, impetraram, nesta segunda-feira (6/2), mandado de segurança preventivo no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro contra o projeto de lei que determina a venda da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae).

O Projeto de Lei 2.345/2017, enviado à Alerj na última quinta (2/2) pelo governador do Rio, Luiz Fernando Pezão (PMDB), autoriza o Executivo do estado a transferir todas as ações da Cedae, a única estatal fluminense lucrativa. A medida é uma exigência do governo federal para aprovar um plano de ajuda financeira ao estado do Rio de Janeiro, que vem passando por uma severa crise econômica.

Os recursos da venda da Cedae seriam usados para repagar um empréstimo de até R$ 3,5 bilhões que o governo Pezão poderia tomar junto a instituições financeiras nacionais ou internacionais e dívidas com bancos federais e com a União.  

Ao enviar o PL 2.345/2017 à Alerj, Pezão pediu que o projeto tramitasse sob regime de urgência. Segundo o peemedebista, a venda da Cedae é essencial para a efetivação do acordo com o governo federal, o qual daria um “alívio imediato de R$ 32 bilhões” ao caixa fluminense. O presidente da Alerj, Jorge Picciani (PMDB), não perdeu tempo e logo agendou a única discussão da proposta para esta terça (7/2), quatro dias após os deputados estaduais receberam o projeto.

Sociedade atropelada
Considerando que Pezão e Picciani violaram direitos líquidos e certos ao propor a venda da Cedae e acelerar a tramitação desse projeto, respectivamente, a bancada do Psol na Alerj impetrou MS ao TJ-RJ. Na peça, assinada pelos advogados Carlos Eduardo Cunha Martins Silva, Thiago de Souza Melo, Evelyn Melo Silva e Rodrigo Burgos, os deputados alegam que o PL 2.345/2017 está atropelando o devido processo legislativo.

Isso porque a Constituição fluminense estabelece, em seu artigo 234, III, que o estado e seus municípios devem assegurar a “participação ativa das entidades representativas no estudo, encaminhamento e solução dos problemas, planos, programas e projetos que lhes sejam concernentes”. Por sua vez, o artigo 26, parágrafo 31, I, do Regimento Interno da Alerj, afirma que compete à Comissão de Saneamento Ambiental promover audiências públicas para discutir projetos sobre a área.

Como não houve nenhum tipo de participação popular na proposta de venda da Cedae, Freixo, Serafini, Coelho, Ramos e Nogueira argumentam que o PL 2.345/2017 viola a garantia constitucional do devido processo legal no âmbito legislativo.

“O sistema republicano pressupõe diversos mecanismos que estabeleçam o predomínio da vontade da maioria, com a preservação do espaço das minorias no plano político. É imperioso reconhecer a necessidade do debate público, notadamente quando o tema em questão guarda ligação direta com determinada comunidade ou grupo de indivíduos”, ressaltam os parlamentares.

Eles também sustentam que a sugestão viola a autonomia dos 64 municípios atendidos pela estatal, que igualmente não foram consultados pelo governo Pezão quanto à alienação da Cedae.

Os deputados estaduais do Psol ainda questionam a ausência de justificativas para a privatização da Cedae, bem como de estudos técnicos que apontem os impactos financeiro e social dessa venda.

Suspensão do projeto
De acordo com Marcelo Freixo, Flávio Serafini, Eliomar Coelho, Paulo Ramos e Wanderson Nogueira, há fumaça do bom direito pelo desrespeito à participação popular quanto à venda “a toque de caixa” da Cedae.

Já a fumaça do bom direito encontra-se no fato de que o PL 2.345/2017 “pode ser votado a qualquer momento, o que faz com que a ameaça de alienação das ações da Cedae seja chancelada pelo Poder Legislativo, sem que se tenha oportunizado o debate perante a sociedade civil organizada e nos municípios atendidos pela companhia, tal qual sem que se tenha sido feito qualquer estudo que indicasse a conveniência dessa alienação e entrega do serviço à iniciativa privada”.

Dessa maneira, a bancada do Psol na Alerj pede que seja concedida liminar para suspender a tramitação do PL 2.345/2017. No mérito, os deputados também pedem o arquivamento desse projeto.

Crise aguda
A crise financeira do Rio de Janeiro chegou ao seu ápice quando o vice-governador Francisco Dornelles publicou, em junho, decreto declarando estado de calamidade pública. A medida forçou a União a fazer um aporte de R$ 2,9 bilhões no estado e deu ao poder público o direito de tomar diversas medidas para manter a saúde dos cofres públicos.

Entre as razões citadas para a decisão à época estavam as Olimpíadas, a queda na arrecadação com o ICMS e os royalties do petróleo e problemas na prestação de serviços essenciais, como segurança pública, saúde, educação e mobilidade.

Supremo chegou a determinar que o governo estadual repassasse aos poderes Legislativo e Judiciário, ao Ministério Público e à Defensoria Pública, até o dia 20 de cada mês, os recursos destinados por lei a esses órgãos. A decisão foi do então presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Ricardo Lewandowski.

Há também uma decisão de outubro que obriga o estado a pagar os salários dos servidores até o décimo dia útil de cada mês. Além disso, o governo do RJ está proibido de conceder novas isenções fiscais até que apresente um estudo do impacto orçamentário-financeiro de todos os incentivos tributários já concedidos.

Para voltar a conceder isenções, o governo deverá encaminhar à Justiça do Rio a relação das empresas beneficiárias dos incentivos (concedidos como créditos tributários futuros), com informações sobre os benefícios fiscais então vigentes.

Segundo o Tribunal de Contas estadual, o Rio de Janeiro deixou de arrecadar R$ 138 bilhões em ICMS entre os anos de 2008 e 2013. O documento constatou que abrir mão desse valor contribuiu para a crise financeira que o estado vive hoje.

A presidente do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, em plantão no recesso do tribunal, concedeu duas liminares para evitar bloqueios de R$ 193 milhões e R$ 181 milhões, respectivamente, de recursos da administração estadual, decorrentes da execução de cláusulas de contragarantias de contratos de vinculação de receitas e cessão de transferências de créditos de recursos destinados ao Rio de Janeiro para investimentos em diversas áreas.

A ministra também suspendeu a ação cível originária na qual o estado do Rio de Janeiro questiona o bloqueio de recursos pelo governo federal. A decisão foi tomada em resposta a pedido da União, que afirma haver negociações em curso para um acordo sobre o tema.

Clique aqui para ler a íntegra da petição.

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