Opinião

Sogra continuará sendo sogra vida afora, pois a afinidade não se extingue

Autor

  • Jones Figueirêdo Alves

    é desembargador emérito do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJ-PE) mestre em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito de Lisboa membro da Academia Brasileira de Direito Civil e do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam) membro fundador do Instituto Brasileiro de Direito Contratual (IBDCont) advogado consultor e parecerista.

5 de fevereiro de 2017, 6h20

Sogra e genro, como personagens amantes vintenários, existem em novela justamente para repúdio de situações incestuosas que a própria lei reprime.

Vejamos: extinto o vínculo conjugal ou convivencial, por eventual morte, divórcio ou ruptura da união estável, cônjuges ou companheiros colocam-se no pretérito, seguindo-se as vidas de ambos ou a de um deles. Entretanto, segundo a lei, tal fato jurídico não faz cessar a relação parental (por afinidade) entre genro e sogra (artigo 1.595, parágrafo 2º, Código Civil). A sogra é legítima, a afinidade não se extingue e ela continuará sendo sogra vida afora.

A cada união, o homem haverá de acumular sogras, em perfeita harmonia intertemporal; divorciado ou viúvo da primeira esposa, não poderá casar com a mãe daquela ou com qualquer outra que se lhe seguir como sogra. No ponto, a doutrina assinala: há um vínculo perpétuo que configura o impedimento matrimonial do artigo 1.521, II, do Código Civil (Flávio Tartuce, 2011).

Para além da relação parental dos afins, a sogra é legítima em ação de indenização por dano moral decorrente da perda do genro. O Superior Tribunal de Justiça confirmou acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro admitindo a legitimidade ativa da sogra, como autora de uma ação indenizatória por morte do genro, vítima de acidente de trânsito. As instâncias ordinárias concluíram que "a relação de constância e proximidade existente entre vítima e autora foi devidamente comprovada", quando o genro "residia com a sogra, na residência da mesma, e era ela quem cuidava dos netos" (STJ – 4ª Turma, REsp 865.363-RJ, j. em 21/10/2010).

Expressou, então, o ministro relator, Aldir Passarinho Júnior: "Daí a particularidade da situação a, excepcionalmente, levar ao reconhecimento do dano moral em favor da 1ª autora". É fato que no reportado julgado preponderantes foram as peculiaridades do caso; todavia, não há negar que as indenizações serão devidas, sempre que as circunstâncias fáticas indicarem o dano moral sofrido.

A esse propósito, o Superior Tribunal de Justiça pronunciou, mais adiante, que "o direito à indenização, diante de peculiaridades do caso concreto, pode estar aberto aos mais diversificados arranjos familiares, devendo o juiz avaliar se as particularidades de cada família nuclear justificam o alargamento a outros sujeitos que nela se inserem, assim também, em cada hipótese a ser julgada, o prudente arbítrio do julgador avaliará o total da indenização para o núcleo familiar, sem excluir os diversos legitimados indicados" (STJ – 4ª Turma, REsp 1.076.160, j. em 10/4/2012, DJe 21/6/2012 – RT vol. 924 p. 767).

No ponto, o ministro relator, Luís Felipe Salomão, ressaltou que “a mencionada válvula, que aponta para as múltiplas facetas que podem assumir essa realidade metamórfica chamada família, justifica precedentes desta Corte que conferiu legitimação ao sobrinho e à sogra da vítima fatal”.

A sogra também é legítima no direito sucessório. Suficiente observar, na sucessão legítima e em falta de descendentes, deferir-se a ordem da vocação hereditária, aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge (artigo 1.829, II, Código Civil). No mais, situa-se o exemplo: embora somente os filhos do herdeiro pré-morto sejam titulares na sucessão do avô paterno; em falecendo uma das filhas desse herdeiro após a abertura da sucessão, casada em qualquer que seja o regime de bens e sem filhos, o cônjuge concorre com o ascendente e, na hipótese, a mãe da filha falecida, na forma do artigo 1829, II, do Código Civil. (TJ-RJ, 13ª. CC, Apelação Cível 0001213-42.2005.8.19.0202). Em menos palavras: o viúvo terá seu direito sucessório exercido, de maneira concorrente, com o da sogra.

A sogra também é legítima em relações obrigacionais, havida como beneficiária à retomada do imóvel locado e abrangido pela comunhão de bens do casamento (STJ – 5ª Turma, REsp 36.967/SP, j. em 15/9/1993), porquanto a afinidade parental de primeiro grau em linha reta a faz equivalente ao ascendente (STJ – 5ª Turma, REsp 36.365-MG, j. em 18/8/1993).

Também aparece legitimada em percepção de alimentos, com dedução das verbas pagas perante o Imposto de Renda, em razão de acordo judicial (STJ – 1ª Turma, REsp 1.173.538 /MG, j. em 21/10/2010), e coloca-se igualmente legitimada na sua relação com o genro para os fins da Lei Maria da Penha, em interpretação extensiva do inciso III do artigo 5º da mencionada lei, como destinatária de proteção, independentemente de coabitação (TJ-RS – 1ª Câmara Criminal, Conflito de Jurisdição 70043571595, j. em 17/8/2011).

Diversas as representações da sogra, como a literária em Aloísio de Azevedo (1895) — onde a viúva independente planejara a vida conjugal da filha, a inibir frustrações que tivera em projeto de uma vida feliz — ou a da sociologia jurídica de família — em torno do marido, como filho único de mãe solteira —, em todas elas, porém, é certo que no multifacetado fenômeno das relações jurídico-familiares a sogra será sempre legítima.

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    é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco e mestre em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa (FDUL). Preside a Comissão de Magistratura de Família do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam).

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