Três anos de vigência

Lei Anticorrupção inovou ao permitir responsabilização de empresa

Autor

1 de fevereiro de 2017, 8h30

A Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013) completa três anos nesta quarta-feira (1/2). Apesar de recente, a norma inovou o Direito brasileiro ao permitir a responsabilização das pessoas jurídicas. Entre seus problemas estão a falta de detalhamento na dosimetria das penas dos crimes que delimita e a ausência de jurisprudência sobre o tema devido à sua “pouca idade”. A opinião é de advogados consultados pela ConJur.

Alexandre Kawakami, professor do Instituto de Direito Público de São Paulo (IDP), ressalta que, antes da Lei 12.846/2013, a responsabilização pela corrupção no setor privado só alcançava as pessoas físicas. Para ele, essa alteração enfraquece a desculpa de que a empresa não comete o crime. “Introduziu a pena de morte da pessoa jurídica”, afirma, ao destacar a possibilidade de dissolver as companhias usadas para viabilizar esquemas de corrupção.

Maria Sylvia Ridolfo, especialista em área regulatória do escritório Miguel Neto Advogados, afirma que a Lei Anticorrupção “está fazendo com que as empresas revisitem seus conceitos e procedimentos internos”, mas alerta que, por ser muito recente, estão surgindo algumas questões na aplicação prática da norma.

Apesar disso, ela pondera que ainda vai demorar para a lei ser alterada, mesmo sendo esse o momento certo para serem feitas as correções na norma. “É necessário um pouco mais de amadurecimento dos operadores do Direito”, diz. “É mais complicado porque estamos aprendendo e criando jurisprudência em relação à lei anticorrupção.”

Acordo de leniência, mas com quem?
Apesar de a Lei 12.846/2013 prever expressamente em seu artigo 16, parágrafo 10º, que “a Controladoria-Geral da União é o órgão competente para celebrar os acordos de leniência no âmbito do Poder Executivo federal, bem como no caso de atos lesivos praticados contra a administração pública estrangeira”, os advogados ouvidos pela ConJur afirmam que, na prática, a teoria é outra.

O professor do IDP explica que a validade do acordo de leniência frente às autoridades ficou muito complexa, pois diversos atores atuam em investigações como as abarcadas pela lei, entre eles a própria CGU, o Tribunal de Contas da União e o Ministério Público Federal. Mesmo assim, ele diz que está se consolidando lentamente o entendimento de que o acordo com o MPF é o que tem o mais peso. “Acordo com o MPF é baseado numa sentença, que não é o caso dos outros dois”, afirma Kawakami.

Maria Ridolfo também entende que o Ministério Público tem certa “vantagem” nessa disputa por ser “o fiscal da lei”. Ela justifica essa suposta primazia na celebração alegando que, “em tese, eles seriam os responsáveis pela condução da investigação”.

Segundo Patrícia Agra, sócia da área de compliance do L.O. Baptista Advogados, a hipertrofia do MPF “pode contribuir” para a dificuldade em firmar acordos de leniência. “Promotores tem independência para tomar decisões para o bem e para o mal”, diz, complementando que, mesmo assim, é preciso esperar pela homologação do trato junto ao juízo, “que pode entender diferentemente do Ministério Público”.

Essa indefinição, continua Patrícia, existe porque esse instituto é novo no Brasil e conflita com antigas práticas das autoridades. “Tem operador do Direito que não concorda e prefere o método antigo de investigação. Tem empresa que também não entendeu.”

Independentemente dessas dificuldades, a advogada reforça que os acordos de leniência são uma coisa boa, pois as autoridades conseguem acessar um nível de informação maior do que em investigações tradicionais, e com um custo muito menor. Ela projeta que, com o passar dos anos, esse instituto será cada vez mais usado, pois essa é uma cultura existente na nova geração dos profissionais do Direito. “Tem uma moçada que está vindo e vai facilitar.”

Por outro lado, Patrícia destaca que firmar um acordo de leniência não é fácil, e nem deve ser, pois “é um jogo de equilíbrio delicado”. Especificamente sobre a Lei Anticorrupção, ela diz que um problema da norma é não trazer bons incentivos às empresas que escolhem esse caminho.

A advogada afirma que a Lei 12.846/2013 foi feita com base em muitos pontos da Lei do Cade (12.529/2011), mas que certos aspectos ficaram nebulosos. Segundo ela, a empresa que “abre o seu coração” pode ter imunidade total com base na Lei 12.529, mas isso não se repete na Lei Anticorrupção.

Ela também cita a confissão de culpa como requisito para celebrar o acordo, que existe na Lei do Cade, mas não na Lei Anticorrupção. Ao contrário do exemplo anterior, essa imposição, segundo Patrícia, poderia inviabilizar as leniências. “O acordo de leniência torna a investigação mais rápida, mais barata e mais completa.”

Outra diferença entre as duas leis citada por ela é a possibilidade de autoridades usarem documentos apresentados durante negociações para leniências, mesmo que as conversas não se concretizem. Na Lei do Cade, isso é vedado, mas na Lei 12.846/2013 não há impedimento algum.

Compliance inflado
Um dos termos mais citados com a promulgação da Lei Anticorrupção foi o compliance. Com a nova norma, muitas empresas começaram a procurar rapidamente escritórios de advocacia e consultores para elaborar seus códigos de conduta e seus programas de mitigação de riscos e fraudes.

Passados três anos da vigência da lei, poucos realmente sabem o que é efetivamente esse instituto. “Empresas nem sempre entendem muito bem quando se fala em compliance”, conta Maria Ridolfo, destacando que esse desconhecimento é maior em companhias de pequeno e médio porte.

Ela destaca que houve um certo entusiasmo em relação às boas práticas quando a lei foi editada, mas a falta de uma cultura preventiva no Brasil prejudica a implantação. Muitas vezes, segundo Maria, as empresas já têm regras, mas que são informais ou estão em segundo plano.

Há também resistência à mudança, diz, pois muitos gestores se preocupam com um possível engessamento da rotina da empresa. “Em muitos casos até facilita”, rebate, complementando que há ainda o preconceito com o advogado, que supostamente serviria apenas para burocratizar os procedimentos.

Além disso, continua Maria Ridolfo, a implantação de programas de compliance muitas vezes são vistas como necessidades de empresas que já tiveram problemas com corrupção. “As pessoas confundem com o início de um processo investigativo.”

Kawakami, que fez mestrado no Japão em regulação bancária e compliance e é o criador do primeiro curso lato sensu de compliance do Brasil, concorda que “houve uma certa moda” em relação às boas práticas no início de sua divulgação no país e afirma que o processo de implantação, em muitos casos, foi feito sem o entendimento correto do que é o instituto.

“O que está sendo implantado atualmente ainda é insuficiente para o cotidiano”, diz o professor, ressaltando que nem uma nomenclatura “aportuguesada” para as boas práticas foi definida. Ele alerta que o desconhecimento chega a tal pondo que muitos consultores contratados por empresas não sabem o que é compliance.

Outro problema do compliance, segundo Kawakami, são as implantações superficiais de planos de boas práticas. “Muitas vezes o que vemos é que após o compliance entrar na pauta, as empresas montam sistemas para inglês ver”, conta, explicando que, em alguns casos, as políticas feitas por consultorias não têm aplicação prática nas empresas.

Ele lembra ainda que programas de compliance não são panaceia, sequer milagreiros, já que a maioria das empresas envolvidas na operação “lava jato” já tinham programas de boas práticas.

"No meio profissional tem um pouco desse efeito de ter muita gente oferecendo, mas não sabem o que é", reforça Patrícia Agra.

Terra do sol nascente
Citando sua experiência no Japão, onde também trabalhou, Kawakami ressalta que o debate atual no Brasil já foi feito há 20 anos no país oriental. “Nossa discussão ainda não é de qualidade”, opina, destacando que o foco japonês no debate sobre boas práticas foi mostrar que as empresas privadas têm certo caráter público devido às atividades que exercem, e que essas companhias não podem ser vistas como extensões de seus administradores.

Para Kawakami, os gestores empresariais deveriam tomar decisões levando em conta o melhor para a empresa e para os acionistas, incluídos aí potencias investidores futuros. “Os gestores atuais deveriam pensar numa empresa como uma coisa mais pública do que ela é. […] O compliance transcende as práticas internas da empresa.”

Ele conta que os japoneses já têm uma percepção muito forte quanto a essa “responsabilidade pública” das empresas privadas e destaca que, naquele país, uma companhia com mais de três pessoas já é vista como um esforço conjunto que resulta em uma atividade pública.

Dilema do prisioneiro
O professor do IDP compara a corrupção no Brasil ao dilema do prisioneiro, pois, segundo ele, acreditou-se por muito tempo que a propina era o único meio de se fazer negócios no país. “Quando vemos a economia no dilema do prisioneiro, é preciso regulação para impedir que isso se repita.”

Maria Ridolfo vai além e diz que é preciso fiscalização no cumprimento das regras de compliance. Ela se diz satisfeita com a autofiscalização pelas empresas, mas admite que o controle pelas autoridades “não é dos melhores”, pois ainda não internalizou o caráter preventivo do instituto.

“Empresas que adotam essa postura vão querer se relacionar com outras companhias que adotam esse método”, diz, reforçando que isso gera uma mudança de cultura e de imagem do país no exterior. Ela conta que as mudanças feitas até agora mostram uma maior preocupação brasileira na adoção de políticas preventivas. “É uma tendência mundial a preocupação com compliance”, afirma, mas pondera que essa transformação no setor público ainda demorará um pouco.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!