Investigações corporativistas

TJ-SP suspende norma que permite que PM mexa em cena de crime contra civil

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28 de agosto de 2017, 18h54

A Constituição, o Código de Processo Penal e a Lei 12.830/2013 atribuem à Polícia Civil o poder de investigar crimes dolosos contra a vida de civis praticados por militares. Com base nessas normas e para não prejudicar as investigações desses delitos, o desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo Silveira Paulilo concedeu, nesta segunda-feira (28/8), liminar para suspender a Resolução 54/2017 do Tribunal de Justiça Militar paulista.

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Resolução transfere à autoridade policial militar poder de apreender objetos da cena de crime cometido contra a vida de civil.

Publicada na segunda-feira passada (21/8), a norma estabelece que a autoridade policial militar deve recolher os instrumentos apreendidos na cena do crime doloso de policial contra a vida de civil e requisitar exames periciais aos técnicos civis. Depois dessas análises, os objetos devem ser enviados à Justiça Militar, afirma a resolução.

A norma busca esclarecer dúvidas sobre o procedimento de apuração desses crimes e aumentar a celeridade dele. Para isso, ela estende medidas de investigação de delitos militares previstas no Código de Processo Penal Militar. Contudo, essas regras não se aplicam a crimes dolosos contra a vida praticados por PMs contra civis. Quando o Código Penal Militar foi outorgado, em 1969, na ditadura militar, estabeleceu que esses delitos seriam julgados pela Justiça Militar. Isso mudou com a Lei 9.299/1996, que determinou que os crimes dolosos contra a vida e cometidos contra civil são da competência da Justiça comum.

A resolução foi criticada por delegados. De acordo com eles, a alteração é inconstitucional e sinaliza que a Polícia Militar quer acobertar crimes praticados por seus integrantes. Contra ela, a Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (Adpesp) impetrou mandado de segurança coletivo.

Segundo o desembargador Silveira Paulilo, há fundamento relevante no pedido, pois a Constituição (artigos 5º, XXXVIII, “d”; 125, parágrafo 4º; e 144, parágrafo 4º), o CPP (artigo 6º) e a Lei 12.830/2013 (artigo 6º) fixam a competência do tribunal do júri para crimes de militares contra a vida de civis.

Além disso, o magistrado avaliou que o cumprimento da Resolução 54/2017 poderia prejudicar investigações de crimes cometidos por policiais militares paulistas. No primeiro semestre de 2017, PMs mataram 459 pessoas no estado, o maior número desde 2003, quando houve 487 vítimas, conforme dados da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo.

Dessa maneira, Paulilo suspendeu a Resolução 54/2017 e pediu esclarecimentos ao presidente do TJM-SP, Silvio Hiroshi Oyama.

Decisão comemorada
A presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (Sindpesp), Raquel Kobashi Gallinati, comemorou a decisão. À ConJur ela disse que a liminar é coerente com o Estado Democrático de Direito desenhado pela Constituição Federal de 1988.

Mas Raquel afirmou que o Sindpesp ainda espera os resultados das representações que moveu contra a Resolução 54/2017 do TJM-SP junto ao corregedor nacional de Justiça, João Otávio de Noronha, e ao corregedor-geral de Justiça de São Paulo, Manoel de Queiroz Pereira Calças.

Movimento nacional
Há duas semanas, o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, defendeu que o Código Penal Militar seja alterado para que crimes dolosos contra a vida cometidos por integrantes das Forças Armadas contra civis em "operações de garantia da lei e da ordem" — como a que está em curso no Rio de Janeiro — voltem a ser julgados pela Justiça Militar, e não pela Justiça comum. Segundo ele, a medida traria mais celeridade e segurança jurídica a esses casos.

Contudo, especialistas ouvidos pela ConJur dizem não acreditar que a transferência de competência dos crimes dolosos cometidos contra civis para a Justiça Militar atingiria os benefícios alardeados pelo Exército e avaliam que essa alteração poderia dar margem a julgamentos corporativistas.

Clique aqui para ler a íntegra da decisão.
Processo 2164541-26.2017.8.26.0000

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