Opinião

Déficit da Previdência se resolve com melhor gestão e crescimento econômico

Autor

  • Clodoaldo Neri Junior

    é contador acadêmico do curso de direito pós-graduando em direito previdenciário e coordenador do Movimento Acorda Sociedade. Tem MBA em gestão pública pela FGV.

26 de agosto de 2017, 9h00

Diversas entidades da sociedade civil organizada buscaram o Tribunal de Contas da União objetivando informações fidedignas. O TCU concluiu o relatório de auditoria produzido no Processo TC-001.040/2017-0, um trabalho importante que fornece informações altamente relevantes, mas que deixa lacunas de informações, necessárias para qualificar o polêmico debate da reforma da Previdência.

O TCU desconsidera o montante que foi retirado do orçamento da seguridade social, através de um mecanismo chamado de Desvinculação de Receitas da União (DRU), que na prática retirou recursos que deveriam ser destinados a financiar a seguridade social, constituída pelo tripé da Previdência, Saúde e Assistência Social (Artigo 194 da Constituição Federal de 1988), objeto inclusive da ADPF 415, que até hoje o STF não fez pautar como prioridade em face da relevância de decidir a respeito.

A hermenêutica jurídica constitucional diz que a vontade do legislador constituinte está disposta no artigo 195 da CF/88, receitas com vinculação específica e com a diversidade de base de custeio. É um erro crasso desconsiderar que a Previdência possui uma diversidade de base de custeio. Qual a importância de debater o mecanismo DRU ? Quem cria uma DRU de 20% e amplia para 30% pode perfeitamente propor um aumento progressivo . A retirada de recursos do orçamento da seguridade social não impacta o orçamento da seguridade social?

Área

2015 (%)

2016 (%)

Total das receitas
(antes da DRU)

706.412

724.168

DRU das Receitas da Seguridade

20% (60.620,38)

30% (91.923,75)

Observe, que em 2016 as receitas da seguridade social aumentaram, porém foi completamente anulado pela elevação em 50% do percentual da DRU, a consequência é um impacto negativo provocado por queda de receita e consequentemente, aumento do propalado déficit. Montante retirado do orçamento da seguridade social por meio da DRU em 2016 R$ 91.923,75 bilhões. Em valores correntes, de 2007 a 2016, foram desvinculados em torno de R$ 541 bilhões de receitas da seguridade social. Pergunta-se qual o destino?

A resposta a essa indagação está na exposição de motivos que justificaram a criação da DRU, criada para garantir a rolagem da dívida pública. Faz-se necessário dizer que o item de maior relevância nas contas públicas não é a Previdência Social. O gasto com a rolagem dessa dívida, que nunca foi auditada, embora haja previsão constitucional, representa pelas projeções para 2017, segundo a Auditoria Cidadã da Dívida, algo em torno de 50,66% e o gasto com Previdência gira em 19,13%.

É preciso contextualizar a farra das renúncias fiscais, o Refis da sonegação. Como é possível manter um equilíbrio financeiro se os governantes públicos são os primeiros a dar o mau exemplo, na medida que não pagam o INSS? Pois bem, em relação aos maus gestores é uma questão de honra não pagar o INSS.

Refis da sonegação — efeito Temer
MP permite que Estados, municípios e DF parcelem dívida de R$ 90 bi com o INSS. Débitos desses entes poderão ser pagos em até 200 meses, com desconto de 25% em multas e encargos e de 80% nos juros. É público e notório que o prefeitos fazem a famosa marcha dos prefeitos para a União lhes assegurar o famoso Refis da sonegação. Em síntese, tem-se a despesa, mas não há a contrapartida da receita.

Desonerações Tributárias: Nos últimos dez anos, os valores de desonerações tributárias da seguridade social mais que triplicaram, saindo de R$ 45 bilhões em 2007 e chegando em R$ 143 bilhões em 2016, incremento de 219% no período;

Sonegação e corrupção — Cobrança da dívida previdenciária inscrita
O Relatório do TCU aponta que no final do exercício de 2016, o estoque de créditos previdenciários inscritos em dívida ativa pela União era da ordem de R$ 427,7 bilhões. Com relação à recuperação desses créditos, verifica-se que são arrecadados anualmente, em média, cerca de 1% do estoque acumulado. A informação revelada pelo TCU evidencia o sucateamento e a ineficiência estatal.

Corrupção – Combater as fraudes contra Previdência social
A Polícia federal apontou 120 itens de inconsistências de janelas abertas às fraudes e que não se fecha. É preciso exigir melhorias na gestão.

Os Grandes Sonegadores – Quanto aos sonegadores é preciso enfrentar o problema
É inadmissível, uma empresa como a JBS que foi altamente beneficiada com o crédito subsidiado do BNDES, capitalizado mediante emissão de títulos públicos que deixou o País endividado que só no terceiro trimestre de 2015 lucrou com aplicações financeiras R$ 9,5 bilhões, impulsionado pela especulação via operações de swap cambial, e que até na hora do escândalo especulou com 1 bilhão de dólares. Deve mais de 2 bilhões de reais a Previdência e não paga. E o que falar dos grandes bancos que não pagam?

Análise das Despesas Militares
É gasto da união, deve ser contabilizado pela pasta de defesa. R$ 36,9 bilhões representam 4% do gasto. É sabido que o maior déficit que existe no setor público é decorrente do gasto com os militares. O TCU deve exigir a apresentação dos estudos atuariais dos militares, apresentá-los à sociedade de modo a qualificar o debate. Por que o governo excluiu o grupo que representa o item de maior relevância no déficit das contas públicas, quando analisado isoladamente o setor público/previdência? Todos devem contribuir para a Previdência e o estabelecimento de idade mínima para os militares é questão crucial para o equilíbrio das contas no setor público. A concessão que se faz aos militares terá um impacto de sacrifícios sobre outros segmentos da sociedade.

Servidores públicos
O gasto com pessoal civil está equacionado e as projeções apontam para declínio com esse item de despesa. Os servidores públicos federais civis não são o problema. Alocar as despesas dos servidores públicos e os encargos financeiros da União com os militares e seus pensionistas e dizer que faz parte do rombo da Previdência não é correto.

Trabalhadores rurais representam 13% do total da despesa – 109,5 bilhões de reais
É preciso discutir a forma de financiamento dos trabalhadores rurais, aqui reside o maior volume de fraudes contra a Previdência social. Há uma necessidade de indicar a fonte ou alocar essa despesa como sendo de assistência social. Mudanças precisam ser feitas para que se estabeleça o bom senso de que se o trabalhador contribuiu diretamente é aposentadoria, do contrário contabiliza como gasto de assistência social.

As Projeções
O Brasil por três anos sofre com a recessão e apresentar projeções com base em período recessivo é coisa ginasial. O PIB encolheu dois anos consecutivos, decorrente de decisões políticas equivocadas que causaram enormes prejuízos à nação, influenciadas por fatores exógenos, mas sobretudo, por variáveis internas. As premissas dessas projeções revelam vulnerabilidades de dados, ignoram algumas variáveis e o futuro tem por ofício ser incerto. O governo não goza de credibilidade junto a sociedade em matéria de projeções, não consegue sequer entregar a meta fiscal de 2017, e durante os últimos anos não conseguiu entregar o IPCA dentro da meta.

Fundo Poupador e a inobservância da vontade do legislador
O que dizer em relação ao fundo poupador? O fundo poupador foi regulamentado pela LC 101/00 (LRF). Nesse contexto, é preciso analisar as receitas sob a luz da LRF. Note-se, que nem o artigo 250 Constituição Federal de 1988 e muito menos o artigo 68 da Lei de Responsabilidade Fiscal anularam a diversidade de base de custeio da seguridade social.

Riscos do sistema previdenciário e os perigos da previdência complementar
O mercado financeiro tem interesse no desmonte da Previdência, por razões óbvia, vender previdência privada e assegurar os lucros abusivos com a rolagem da dívida pública. A PEC 287 que trata do desmonte da previdência é uma imposição de mercado, feita sob medida para atender o mercado. É importante alertar a sociedade brasileira que, diferentemente do que acontece, em caso de falência de bancos, não há fundo garantidor de crédito para a previdência complementar seja aberta ou fechada (fundos de pensão).

Vale lembrar, que por ocasião da implementação do plano real, vários bancos foram à falência, o que obrigou o governo FHC a criar o PROER para salvar o sistema financeiro de um colapso. Recentemente, observou-se um fenômeno de déficit em vários fundos de pensão, com destaque ao Postalis, fruto de ingerência politica, má gestão e corrupção. Houve inclusive uma CPI dos fundos de pensão, os riscos existem e são reais.

Todos os participantes da previdência complementar estão desprotegidos em caso de falência. O Funpresp foi criado por lei da mesma forma que foi criado o fundo poupador e a fonte de financiamento da seguridade social, que tem como principio uma diversidade de base de custeio. O governo já deu demonstrações claras no que tange ao fundo poupador e em relação a retirada dos recursos da seguridade social, por meio da DRU;

O Risco de Colapso do sistema previdenciário
Estados e municípios podem instituir seus regimes, financiado-os. Aqui reside outro grande problema que poderá afetar negativamente as contas públicas e a economia do país. A irresponsabilidade de estados e municípios colocou em xeque o sistema de previdência. Acórdãos 1331/2016 e 2973/2016-TCU-Plenário, de relatoria do Ministro Vital do Rego. Foram reveladas fragilidades estruturais nos sistemas de previdência própria de 23 estados e 31 municípios.

Além disso, foi calculado um déficit financeiro da ordem de R$ 32,5 bilhões para o ano de 2014 relativo a 2.129 planos administrados pelos RPPS estaduais e municipais. Diante da gravidade, O MAS vai propor medidas de proteção, através da criação de mecanismos eficientes de controle e fiscalização.

Conclusão
O problema do Brasil não é a Previdência Social. O desequilíbrio nas contas públicas foi decorrente de decisões políticas equivocadas que causaram enorme prejuízo à nação. Em síntese, o governo Temer gerou o déficit, na medida que elevou o percentual da DRU para 30%, retirando da seguridade social quase 92 bilhões em 2016.

Em valores correntes, de 2007 a 2016, foram desvinculados em torno de R$ 541 bilhões de receitas da seguridade social. O atual governo contribuiu para a deterioração das finanças públicas, na medida que foi muito infeliz e irresponsável ao conceder e permitir a farra das renúncias fiscais aos prefeitos, aos governadores, o que custou algo estimado em 90 bilhões; aos ruralistas com o Refis das dívidas do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural) 5,4 bilhões; as benesses concedidas a setores empresariais. Ressalte-se, nos últimos dez anos, os valores de desonerações tributárias da seguridade social mais que triplicaram, saindo de R$ 45 bilhões em 2007 e chegando em R$ 143 bilhões em 2016, incremento de 219% no período, conforme foi apontado pelo Relatório do TCU.

Essa trajetória de crescimento foi mais acentuada nos anos de 2011 a 2015, impulsionada pelos aumentos das desonerações da Cofins e das contribuições previdenciárias. Isso tem nome e sobrenome — Efeito Dilma Roussef. Agora o efeito Temer para a Previdência, sem sombras de dúvidas foi extremamente desastroso, Inclusive é preciso uma análise mais acurada para avaliar se essas renúncias fiscais não atentaram contra a LC 101/2000, que estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal.

O governo Temer elevou o déficit na medida que adotou uma política fiscal e monetária suicida. O resultado dos erros crassos de política monetária podem ser vistos nos 14 milhões de desempregados, nos 2 anos consecutivos de retração do PIB, na queda de arrecadação e no crescimento exponencial da dívida pública. Registre-se, ainda, a incompetência em garantir o aumento da arrecadação através de uma gestão mais eficiente de cobrança da dívida previdenciária inscrita, que segundo o TCU é de 427 bilhões e só consegue recuperar 1% do montante, o que evidencia sérios problemas de gestão.

A questão da Previdência se resolve com crescimento econômico, melhorias na gestão, combate ostensivo à sonegação, às fraudes e à corrupção. É preciso coragem para enfrentar e combater o mau comportamento de alguns gestores, para muitos é uma questão de honra não pagar as contribuições Previdenciárias, pois sabem que vão organizar a marcha dos prefeitos e obterão o famoso refis da sonegação. É preciso tornar isso crime de responsabilidade com efeitos penais e eleitorais.

A Previdência precisa de ajustes pontuais, com destaque a situação dos trabalhadores rurais, dos militares e do aperfeiçoamento da legislação para estabelecer a divisão da base custeio e de uma legislação adequada para evidenciar a contabilidade da Previdência e do orçamento da seguridade social. O debate da reforma da Previdência remete a reforma tributária. A hermenêutica jurídica constitucional deve ser respeitada. Por que o poder constituinte originário criou uma diversidade de base de custeio? E o que justificou a criação de um fundo poupador? Sabiamente, considerando o regime de pirâmide em que se constitui a Previdência social, tratou de assegurar a criação de um mecanismo de solidez financeira para garantir a segurança do sistema, justamente para evitar a pressão demográfica futura, influenciada pelas variáveis de natalidade, mortalidade, longevidade, aumento da expectativa de vida.

A Previdência Social visa proteger o trabalhador, tem um importante papel na distribuição de renda do País. É um patrimônio do trabalhador. Defendê-la do ataque do mercado financeiro é a nossa missão. O MAS nasceu para alertar, denunciar os retrocessos enraizados na PEC 287 e mobilizar a sociedade brasileira para o debate nacional. É propositivo, na medida que apresentará a PEC de defesa da seguridade social e do controle dos gastos, pois pretende oferecer aos brasileiros a segurança jurídica e a proteção necessária.

Se for para reformar que seja para melhorar. Uma nova cidadania está em curso e capitaneada pela sociedade civil organizada.

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    é contador, acadêmico do curso de direito, pós-graduando em direito previdenciário e coordenador do Movimento Acorda Sociedade. Tem MBA em gestão pública pela FGV.

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