Direito do Agronegócio

Efeitos fiscais para os contratos agrários de parceria e arrendamento

Autor

  • Fábio Pallaretti Calcini

    é doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP pós-doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra (Portugal) ex-membro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) professor da FGV-Direito SP e Ibet e sócio tributarista da Brasil Salomão e Matthes Advocacia.

25 de agosto de 2017, 11h24

Spacca
Em seu último artigo para esta coluna, o professor Fernando Campos Scaff cuidou muito bem dos contratos agrários típicos, com especial ênfase à parceria e arrendamento. Aproveitando dos esclarecimentos prestados pelo professor, trataremos os efeitos fiscais quando da celebração de tais contratos típicos, que estão disciplinados, sobretudo, no Estatuto da Terra (Lei 4.504/1964).

Começaremos pelo contrato de arrendamento que, como exposto em artigo mencionado, é um contrato agrário típico comutativo, correspondendo à locação de um prévio rústico (imóvel rural) mediante retribuição pelo arrendatário de uma soma fixa em dinheiro, sem qualquer vinculação com o resultado da atividade rural explorada por aquele temporariamente.

Portanto, tem-se a cessão da posse ou uso temporário para um terceiro que, mediante retribuição certa, poderá explorar aquele imóvel rural (arts. 92, 95 e ss). Não há, portanto, qualquer assunção de risco e vinculação de sua receita com a atividade econômica a ser desempenhada naquele imóvel rural pelo arrendatário.

Vejamos nesta linha o próprio artigo 3º do Decreto 59.566/1966, que enuncia: “Arrendamento rural é o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de imóvel rural, parte ou partes do mesmo, incluindo, ou não, outros bens, benfeitorias e ou facilidades, com o objetivo de nêle ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agro-industrial, extrativa ou mista, mediante, certa retribuição ou aluguel , observados os limites percentuais da Lei.”

Partindo de tais considerações, quais são os efeitos jurídicos tributários no contrato de arrendamento?

No caso do arrendador, a primeira e relevante observação é no sentido de que tais valores auferidos pela cessão da posse ou uso temporário do imóvel para exploração não configura atividade rural, nos termos da Lei 8.023/1990 (artigo 2º e 13) e Lei n. 8.212/91 (artigo 25).

Bem por isso, a natureza da receita auferida será de locação de bem imóvel (aluguel) , de tal sorte que: (i) – pessoa física: (i.a) – está sujeita à tributação do imposto sobre a renda como rendimentos de aluguel (artigo 49, I e II, do RIR); (i.b) – alíquota pela tabela progressiva até 27,5%; (i.c) – recolhimento mediante carnê-leão mensalmente caso receba o pagamento de pessoa física; (i.d) – se houver recebimento de pessoa jurídica, haverá retenção na fonte (IN RFB n. 1500/2014, arts. 22, VI e 53, I); (i.d) – não há tributação de referida receita pela contribuição do “Funrural” (artigo 25, da Lei n. 8.212/91), no percentual de 2,1%, bem como Senar (0,2%); (ii) – pessoa jurídica: (ii.a) – Lucro real: há incidência do IRPJ e CSLL, chegando à alíquota total de 34% (15% + Adicional de 10% de IR e 9% de CSLL), bem como PIS/COFINS no percentual de 9,25% (7,6% COFINS e 1,65% PIS), embora nesta hipótese é preciso avaliar também eventuais despesas, custos e créditos, inexistindo tributação pelo Funrural e Senar (2,3%); (ii.b) – Lucro Presumido: há incidência sobre esta receita do percentual de presunção de 16% (até R$ 120 mil anuais) ou 32% para fins de IRPJ e 32% para CSLL, com alíquota total de 34% (15% + Adicional de 10% de IR e 9% de CSLL).

De outro lado, para o arrendatário, tem-se a natureza jurídica de receita da atividade rural, caso explore economicamente o imóvel seguindo alguma das destinações e previsões estabelecidas na legislação, especialmente, artigo 2º da Lei n. 8.023/90. Deste modo, do ponto de vista tributário teremos: (i) – pessoa física: (i.a) – IRPF: presunção de 20% da receita bruta com aplicação da alíquota progressiva de até 27,5%, chegando a uma carga total de 5,5% ou, poderá ainda apurar o resultado líquido da atividade, utilizando-se do livro caixa, onde deduzirá despesas e custos, compensando prejuízos, com aplicação posterior, no caso de resultado positivo, da alíquota progressiva de até 27,5%; (i.b) – não haverá incidência de PIS/Cofins, sujeitando-se, porém, ao Funrural de 2,1% e Senar de 0,2%, por meio da sub-rogação ou recolhimento próprio; (ii) – pessoa jurídica[1]: (ii.a) – Lucro real: (ii.a.a) há incidência do IRPJ e CSLL, chegando à alíquota total de 34% (15% + Adicional de 10% de IR e 9% de CSLL), cabendo deduções, compensações e adições/exclusões; (ii.a.b) PIS/Cofins embora exista a alíquota de 9,25% (7,6% Cofins e 1,65% PIS), a maioria dos produtos são alíquota zero, suspensão, isenção ou não incidência[2], além de existir créditos do regime não cumulativo; (ii.a.c) – Funrural e Senar, nos percentuais, respectivamente, de 2,5% e 0,25%; (ii.b) – Lucro Presumido: (ii.b.a) – há incidência sobre esta receita do percentual de presunção de 8% para fins de IRPJ e 12% para CSLL, com alíquota total de 34% (15% + Adicional de 10% de IR e 9% de CSLL); (ii.b.b) no caso do PIS/COFINS, embora a alíquota seja no total de 3,65%, diversos produtos são alíquota zero, suspensão ou não incidência[3]; (ii.b.c) – Funrural e Senar, nos percentuais, respectivamente, de 2,5% e 0,25%. (iii.c) – Simples Nacional: Recolhimento sobre a receita bruta conforme Anexo I, variando a alíquota total entre 4% até 11,61%, conforme faturamento, além de sofrer a tributação do Funrural e Senar no percentual de 2,1% e 0,2%, respectivamente.

Além do contrato de arrendamento, temos ainda o contrato típico de parceria agrícola, estabelecido a partir do artigo 96, do Estatuto da Terra, o qual possui características que o diferencia do primeiro. Isto porque, no caso da parceria, inexiste uma transferência total e plena do poder de destinação do gozo do imóvel rural, uma vez que há comunhão de esforços para o exercício de uma atividade econômica de natureza rural, de maneira que a remuneração será determinada proporcionalmente à referida colaboração. Há, assim, uma remuneração que não é fixa e pré-determinada, sendo variável e sujeita ao risco do negócio. Segundo artigo 96, § 1º do Estatuto da Terra, parceria rural:

“… é o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso específico de imóvel rural, de parte ou partes dele, incluindo, ou não, benfeitorias, outros bens e/ou facilidades, com o objetivo de nele ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa vegetal ou mista; e/ou lhe entrega animais para cria, recria, invernagem, engorda ou extração de matérias-primas de origem animal, mediante partilha, isolada ou cumulativamente, dos seguintes riscos:
I – caso fortuito e de força maior do empreendimento rural;
II – dos frutos, produtos ou lucros havidos nas proporções que estipularem, observados os limites percentuais estabelecidos no inciso VI do caput deste artigo;
III – variações de preço dos frutos obtidos na exploração do empreendimento rural. ”

A remuneração, sem embargo sua variação e riscos, pode ter percentuais fixos de distribuição de resultado, conforme a colaboração (artigo 96, VI, do Estatuto da Terra)[4], inclusive em volume ou quantidade[5], além de possibilidade de adiantamento de valores[6].

Possível notar assim, que, na hipótese de um contrato típico de parceria agrícola, diante das características que o distingue do arrendamento, seja o parceiro outorgado e outorgante, há receita da atividade rural, sendo tributada como tal.

Por tais razões, do ponto de vista fiscal, para ambos, pessoa física ou jurídica, a tributação se dará como atividade rural como já descrito acima para o arrendatário.

Não obstante tais ponderações, com relação à tributação, levando em consideração o disposto no artigo 13 da Lei n. 8.023/90[7], é preciso cautela na celebração, documentação, controle, contabilização e execução de tais contratos, pois, o reconhecimento da natureza jurídica como arrendamento ou parceria dependerá de tais fatores, não bastando a mera menção de que se trata de um ou outro.

Isto porque, há risco de desconsideração pelo Fisco, com tributação diversa. Já decidiu o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) que:

“RENDIMENTOS DE PARCERIA RURAL. DESCLASSIFICAÇÃO. ARRENDAMENTO. Restando comprovado ter o contribuinte estabelecido relação jurídica não de parceria, mas sim de arrendamento, os rendimentos da atividade rural como tal devem ser tributados.”[8]

Isto não significa que o Fisco pode desconsiderar a seu bel prazer, uma vez que o ônus da prova é deste, sendo de grande relevância o caso concreto, de maneira que já decidiu em outra oportunidade o mesmo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf):

“PARCERIA RURAL X ARRENDAMENTO RURAL. DISTINÇÃO. FORMA DE TRIBUTAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE SIMULAÇÃO. RECLASSIFICAÇÃO DE RENDIMENTOS NÃO MANTIDA. A diferença intrínseca entre os contratos de parceira rural e de arrendamento rural é que os primeiros caracterizam­se pelo fato de o proprietário da terra assumir os riscos inerentes à exploração da atividade e partilhar os frutos ou os lucros na proporção que houver sido previamente estipulada, enquanto que nos últimos não há assunção dos riscos por parte do arrendador que recebe um retribuição fixa pelo arrendamento das terras.

No caso de contrato de arrendamento, o rendimento recebido pelo proprietário dos bens rurais cedidos é tributado como se fosse um aluguel comum, enquanto que no contrato de parceria, as duas partes são tributadas como atividade rural na proporção que couber a cada uma delas.

Para descaracterizar o contrato de parceria agrícola, considerando ele uma simulação de um contrato de arrendamento, deve a fiscalização apresentar provas suficientes da conduta simulada. A mera existência de contrato de compra e venda, para entrega futura da produção, com empresa terceira à parceria agrícola, não é suficiente para concluir que o proprietário da terra, na condição de parceiro, teria simulado a parceria agrícola e estabelecido um valor fixo (em quantidade de produção) da produção que iria receber advinda da parceria, o que caracteriza um valor de aluguel pelo arrendamento.

É ônus da fiscalização demonstrar a existência de simulação, não podendo, por simples suposição ou presunção, criar uma ficção jurídica, para autuar o contribuinte, sem apresentar uma comprovação hábil a demonstrar a efetiva ocorrência de uma conduta simulada.”[9]

Por esta razão, os elementos e características dos contratos devem estar muito bem estipulados nas cláusulas, mas, sobretudo, lastreado em outros documentos de prova.

Este alerta não é inócuo, pois, o CARF manteve auto de infração para se rejeitar a tributação como parceria, uma vez que, conforme contrato, inexistia a demonstração do risco, aspecto intrínseco a este negócio:

“PARCERIA RURAL. DESCARACTERIZAÇÃO. COMPROVAÇÃO DA AUSÊNCIA DE RISCO. NECESSIDADE.
O fato de o contrato de parceria garantir um percentual na participação dos frutos não evidencia, por si só, a ausência de risco por parte do parceiro outorgante. O próprio Estatuto da Terra estabelece a obrigatoriedade de constar, nos contratos de parceira agrícola, uma quota-limite do proprietário na participação dos frutos, segundo a natureza de atividade agropecuária.”[10]

Além deste aspecto principal, outras situações do ponto de vista fiscal devem ser observadas a partir de tais considerações. Por exemplo, a dedução para fins de imposto sobre a renda pessoa física de investimentos como quando se trata de parceria com participação limitada à cessão do imóvel[11], ou, ainda, a tradicional operação de ceder gratuitamente o imóvel rural – comodato – a um terceiro.[12]

Não resta dúvida, portanto, de que os contratos típicos agrários de parceria e arrendamento, apesar de pontos comuns, possuem características que os distinguem e que geram efeitos jurídicos de natureza fiscal também diversos a serem, inclusive, avaliados para o melhor resultado financeiro e planejamento tributário.


[1] Ressaltamos que estamos tomando por base como parceiro outorgante e outorgado uma pessoa jurídica produtora rural exclusivamente, não se tratando de hipótese onde existam outras atividades ou mesmo agroindústria.
[2] Por exemplo Lei n. 10.925/2004.
[3] Por exemplo Lei n. 10.925/2004.
[4] “ art. 96, inciso VI.
“§ 2o As partes contratantes poderão estabelecer a prefixação, em quantidade ou volume, do montante da participação do proprietário, desde que, ao final do contrato, seja realizado o ajustamento do percentual pertencente ao proprietário, de acordo com a produção. (Incluído pela Lei nº 11.443, de 2007).”.
[6] “§ 3o Eventual adiantamento do montante prefixado não descaracteriza o contrato de parceria. (Incluído pela Lei nº 11.443, de 2007).”.
[7] “Art. 13. Os arrendatários, os condôminos e os parceiros na exploração da atividade rural, comprovada a situação documentalmente, pagarão o imposto de conformidade com o disposto nesta lei, separadamente, na proporção dos rendimentos que couber a cada um.”.  
8] – CARF, 2ª Seção, Ac. 2402-005.365.
[9] CARF, 2ª Seção, Ac. 2202-003.130.
[10] CARF, 2ª Seção, Ac. 2201-003.127.
[11] “ATIVIDADE RURAL. DESPESAS DE INVESTIMENTO. EXPLORAÇÃO DA ATIVIDADE EXCLUSIVAMENTE POR MEIO DE PARCERIAS. Nos casos em que o contribuinte explora a atividade rural exclusivamente por meio de contratos de parceria, em que sua participação limita-se à cessão da terra nua para o cultivo agrícola, e não há comprovação da exploração direta em outras áreas rurais nem da pretensão de vir a fazê-lo no futuro, as despesas com aquisições de materiais agrícolas não podem ser consideradas como de investimento e, portanto, não são dedutíveis para fins da apuração do IRPF, em razão de não restar configurado o objetivo de desenvolvimento, de expansão e da melhoria da atividade.” (CARF, 2ª Seção, Ac. 2301-004.543).
[12] “CESSÃO GRATUITA DE IMÓVEL. RENDIMENTO TRIBUTÁVEL. Tratando-se de cessão a título gratuito, constitui rendimento tributável o equivalente a dez por cento do valor venal do imóvel, exceto quando ocupado pelo cônjuge ou por parentes de primeiro grau. No caso de imóvel rural, o valor tributável é equivalente a dez por cento do valor venal ou o valor constante da Declaração do Imposto Territorial Rural – ITR.” (CARF, 2ª Seção, Ac. 2202-003.761).

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    é advogado tributarista, sócio do Brasil Salomão e Matthes Advocacia. É doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP, pós-doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra (Portugal) e ex–membro do Carf.

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