Críticas de delegados

Corte militar de SP determina que PM apreenda objetos de crime contra civil

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24 de agosto de 2017, 14h16

O Tribunal de Justiça Militar de São Paulo determinou que, em caso de crime doloso de policial militar contra a vida de civil, oficiais da corporação apreendam os objetos encontrados na cena do delito, como armas.

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Ideia do TJM-SP é acelerar as investigações de crimes de policiais militares contra civis.
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Essa função era exercida pela Polícia Civil, e a mudança tem gerado protestos de delegados. De acordo com eles, a alteração é inconstitucional e sinaliza que a Polícia Militar quer acobertar crimes praticados por seus integrantes.

Publicada na segunda-feira (21/8), a Resolução 54/2017 do TJM-SP estabelece que a autoridade policial militar deve recolher os instrumentos apreendidos na cena do crime doloso de policial contra a vida de civil e requisitar exames periciais aos técnicos civis. Depois dessas análises, os objetos devem ser enviados à Justiça Militar, afirma a norma.

A resolução busca esclarecer dúvidas sobre o procedimento de apuração desses crimes e aumentar a celeridade dele. Para isso, ela estende medidas de investigação de delitos militares previstas no Código de Processo Penal Militar. Contudo, essas regras não se aplicam a crimes dolosos contra a vida praticados por PMs contra civis. Quando o Código Penal Militar foi outorgado, em 1969, na ditadura militar, estabeleceu que esses delitos seriam julgados pela Justiça Militar. Isso mudou com a Lei 9.299/1996, que determinou que os crimes dolosos contra a vida e cometidos contra civil são da competência da Justiça comum.

O Superior Tribunal Militar entende que a Justiça Militar da União é competente para processar e julgar casos de homicídio doloso contra civil, mas somente os cometidos por militares das Forças Armadas, e não por integrantes da PM ou dos Bombeiros.

Há duas semanas, o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, defendeu que o Código Penal Militar seja alterado para que crimes dolosos contra a vida cometidos por integrantes das Forças Armadas contra civis em "operações de garantia da lei e da ordem" — como a que está em curso no Rio de Janeiro — voltem a ser julgados pela Justiça Militar, e não pela Justiça comum. Segundo ele, a medida traria mais celeridade e segurança jurídica a esses casos.

Contudo, especialistas ouvidos pela ConJur dizem não acreditar que a transferência de competência dos crimes dolosos cometidos contra civis para a Justiça Militar atingiria os benefícios alardeados pelo Exército e avaliam que essa alteração poderia dar margem a julgamentos corporativistas.

Reação civil
O Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (Sindpesp) questionou a Resolução 54/2017 do TJM-SP junto ao corregedor nacional de Justiça, João Otávio de Noronha, e ao corregedor-geral de Justiça de São Paulo, Manoel de Queiroz Pereira Calças.

Segundo o sindicato, “não cabe às Polícias Militares a realização dos atos de Polícia Judiciária que são atinentes à Polícia Civil e vice-versa, mas tão somente o exercício de atribuições previstas pelo próprio Código de Processo Penal Militar. Da mesma forma, não cabe à Polícia Militar investigar ou dirigir inquéritos policiais envolvendo homicídios contra civis”.

Essa regra, conforme os delegados, está clara no artigo 125, parágrafo 4º, da Constituição, e na Súmula 298 do Supremo Tribunal Federal. Aquele dispositivo determina que a competência para julgar crime em que a vítima for civil é do tribunal do júri, enquanto a norma do STF fixa que, em tempos de paz, civis só podem responder perante a Justiça Militar por crimes contra a segurança externa do país ou as instituições militares.

“Ou seja, é evidente que não existe a competência da ‘autoridade policial militar’ para apreensão dos instrumentos e objetos que serão investigados pela Polícia Judiciária, através da presidência de um inquérito policial por um delegado de polícia”, argumenta o Sindpesp, que pede a anulação da Resolução 54/2017.

A presidente do Sindpesp, Raquel Kobashi Gallinati, disse à ConJur que não é possível alterar uma regra de competência, prevista na Constituição, por meio de resolução. “Isso é uma tentativa de usurpar os poderes do Legislativo”, avalia.

Além disso, Raquel afirma ser “muita coincidência” essa mudança acontecer justamente quando há uma escalada de assassinatos cometidos pela PM paulista. No primeiro semestre de 2017, policiais mataram 459 pessoas no estado, o maior número desde 2003, quando houve 487 vítimas, conforme dados da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo.

“Essa resolução é um mecanismo de tentar calar a Justiça”, declara a presidente do Sindpesp. Dar poderes às autoridades militares para apreender objetos da cena do crime — algo que cabe aos delegados e só pode ser feito após os itens serem periciados — pode até ser considerado fraude processual, opinou Raquel Gallinati.

Clique aqui e aqui para ler a íntegra das representações.

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